Criança de quatro anos ficou esquecida na carrinha escolar. Quem é responsável e o que lhe pode acontecer?

Maio 20, 2024 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia da CNN Portugal de 17 de abril de 2024.

Joana Moser

Dificilmente se trata de um crime porque não terá havido dolo. Caso contrário podia haver pena de prisão

Uma criança de quatro anos deixada mais de duas horas sozinha na carrinha escolar pode ser considerada uma “situação de abandono” cuja responsabilidade cai no responsável pelo transporte. Embora a legislação preveja responsabilidades criminais para este tipo de casos, é preciso verificar a existência de dolo – a intenção deliberada de abandonar a criança – para que se avance com um processo criminal. Só assim são aplicáveis as medidas adequadas.

Quando uma educadora de uma creche de Fafe ligou ao pai de um dos seus alunos a perguntar onde estava a criança, o pai informou a mulher que o avô do menino o tinha levado, como de costume, de manhã. A criança foi deixada na carrinha escolar, que faz o consequente transporte para a creche. Só que o menino nunca chegou à educadora, porque ficou esquecido no interior da viatura.

Entre cerca das 09:00 e as 12:00 a criança esteve sozinha na carrinha. Acabou por ser encontrada, no mesmo local onde tinha sido deixada pelo avô, na viatura disponibilizada pela junta de freguesia local. O advogado Paulo Saragoça da Matta admite que esta se trata de uma situação de abandono, mas ressalva que dificilmente será um caso criminal.

O especialista em Direito Penal explica à CNN Portugal que, para que esse fosse o caso, era preciso verificar a existência de dolo, uma intenção deliberada de abandonar a criança, o que não terá acontecido.

Segundo Vânia Costa Ramos, especialista em Direito da Família, a responsabilidade criminal só se configura “quando há risco de vida ou exposição ao abandono intencional”. Caso se conclua que o incidente foi “resultado de um infeliz esquecimento, sem a presença de dolo, é provável que o Ministério Público opte pelo arquivamento do caso”, frisa o advogado, Paulo Saragoça da Matta.

No fundo, para que aquelas molduras penais se pudessem vir a aplicar, o Ministério Público teria de entender este caso como propositado.

Paulo Saragoça da Matta concorda: “A vida da criança tinha de estar em perigo” para se efetivar um crime de abandono, sendo “necessário que se comprove” que esse abandono ocorreu com dolo. Apesar de o advogado indicar que o mais provável é que o Ministério Público arquive o caso, é essencial que sejam realizadas investigações aprofundadas para esclarecer todas as circunstâncias do incidente e identificar as possíveis falhas no sistema de transporte escolar.

Em todo o caso, refere Paulo Saragoça da Matta, exposição ao abandono é um crime público. O mesmo é dizer que se o Ministério Público entendesse que houve o tal dolo poderia abrir uma investigação sem necessidade de queixa.

De acordo com o Código Penal português, consiste uma situação de exposição ou abandono “quem colocar em perigo a vida de outra pessoa: expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se; abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir.

Ora, não é crível que aquela fosse uma situação que colocasse a criança em perigo. Em todo o caso, um menor é considerado alguém indefeso, pelo que se pode ter verificado o segundo ponto. Neste caso, e segundo o Código Penal, pode haver uma pena de prisão de um a cinco anos.

Situação diferente seria se o abandono tivesse sido responsabilidade de um ascendente ou descendente (um pai, por exemplo), onde a moldura penal se agravaria para dois a cinco anos de prisão.

Em último caso há dois cenários que não se verificaram: ofensa à integridade física grave, com uma pena de prisão que pode ir de dois a oito anos de prisão; morte da criança, com pena de prisão de três a dez anos.

Quanto à criança, ainda foi transportada para o hospital por precaução, mas acabou por ter alta logo depois.

A GNR tomou nota do incidente e encaminhou o processo ao Ministério Público junto ao Tribunal de Fafe. Agora, cabe às autoridades decidir se algum procedimento será instaurado ou se o caso será arquivado.

Houve mais crianças do que mulheres em casas de abrigo nos últimos dois anos

Maio 18, 2024 às 4:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Público de 11 de maio de 2024.

Só com o tribunal a atribuir a morada de residência à vítima de violência doméstica, quando decreta a medida de afastamento para o agressor, poderia a mulher permanecer em casa com os seus filhos

Nas casas de abrigo para vítimas de violência doméstica, houve mais crianças do que mulheres, pelo menos nos dois últimos anos, de acordo com os dados recolhidos a pedido do PÚBLICO pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). Estes números são, em grande parte, explicados pelo facto de as mulheres terem um ou mais filhos com elas na casa de abrigo, explica Marta Silva, chefe do Núcleo de Prevenção da Violência Doméstica e Violência de Género da CIG. Já o mesmo não acontece quando a mulher sai sozinha para uma resposta de acolhimento de emergência, por impulso, numa situação–limite.

Em 2023, estiveram nas casas de abrigo 764 crianças e jovens enquanto, nesse mesmo ano, estiveram 719 mulheres; em 2022, tinham passado 738 crianças e jovens e 681 mulheres por essas mesmas estruturas de apoio. Não sendo totalmente novos, estes dados comprovam aquilo que mostram os números divulgados, todos os anos, no relatório das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ): que é muito elevada a percentagem dos casos de violência conjugal presenciados pelos filhos do casal.

Em 2023, as crianças com processos de promoção e protecção por terem sido expostas a situações de violência doméstica atingiram o número mais elevado dos cinco anos anteriores. Houve 4188 situações, o equivalente a mais 500 casos do que a média dos quatro anos anteriores, segundo o relatório das CPCJ do ano passado.

Ónus colocado nas vítimas

Se se incluir as respostas de emergência, no total das casas para vítimas de violência doméstica também se registou um notório crescimento. De um total de 903 crianças em 2019, esse número quase duplicou para 1640 no ano passado; o número de mulheres subiu, em cinco anos, de 1057 para 1880 (em 2023).

As estatísticas da CIG, entidade responsável por desenvolver e supervisionar a rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica, mostram que as ordens de afastamento do agressor também aumentaram nos últimos anos, mas não tanto como as medidas que afectam as vítimas.

“Temos tido um aumento das medidas de coacção da proibição de contactos, mas numa proporção muito menor do que a das saídas para casas de abrigo e muito menores so que as medidas de protecção para a vítima por teleassistência, em que a vítima tem um equipamento, mas não há necessariamente proibição de contactos”, realça Marta Silva, que ressalva que, havendo também homens que são vítimas em casas de abrigo, eles representam comparativamente números residuais. Em 2023, houve 76 homens acolhidos em emergência e nenhum em casas de abrigo.

“O ónus da protecção e da segurança é todo colocado na vítima. Ao dia de hoje [sexta-feira], temos quase 5000 mulheres – são 4800 – com uma medida de protecção por teleassistência; e temos 5000 homens com vigilância electrónica.” A estes números acrescem os acolhimentos em casas de abrigo, no caso da vítima, e as medidas mais gravosas, como a pena de prisão, para o agressor.

“A decisão, repetida e reiteradamente, é de proteger mas colocando na vítima esse ónus, com tudo aquilo que implica de perdas. A vítima perde o emprego, as crianças saem da escola, porque mudam de casa. A penalização é sempre, ou maioritariamente, de quem tem de se proteger”, diz a psicóloga e responsável por esta área na CIG.

Só com o tribunal a assumir a medida cível de atribuir a casa da família à vítima se poderia inverter esta situação. “O ideal era que a medida de coacção de proibição de contactos do agressor com a vítima fosse sempre acompanhada de atribuição da morada de família à vítima e aos menores. Já acontece, mas poucas vezes. Se isso entrasse mais na rotina, não tínhamos mais de 3500 pessoas por ano em casas de abrigo”, diz.

A fasquia das 3500 pessoas acolhidas nestas respostas foi ultrapassada em 2022. Até então, os totais tinham sido de 1968 em 2019, 3098 em 2020 e 1948 em 2021. Assim, em 2023, atingiu-se o número mais elevado dos últimos cinco anos (não foram analisados os dados de anos anteriores).

Mais tempo acolhidas

Também a barreira das 1500 crianças acolhidas na rede de apoio que inclui casas de abrigo e estruturas de emergência foi superada em 2022, com 1623 crianças nessa situação e, de novo, em 2023, com esse número a subir para 1640.

O difícil acesso à habitação com as rendas em valores proibitivos tem, por outro lado, levado as vítimas a permanecer mais tempo com os seus filhos nas casas de abrigo.

“Estamos com tempos de acolhimento mais elevados porque os projectos de autonomização ficam francamente comprometidos, por ausência de respostas habitacionais financeiramente compatíveis com aquilo que as pessoas ganham”, continua Marta Silva.

“Quer em emergência, quer em casa de abrigo, continuam a respeitar-se tempos dentro da legislação, que é até um ano em casa-abrigo e até um mês em centro de emergência, salvo raríssimas excepções”, acrescenta. “Mas temos cada vez mais agregados que ficam até ao limite legal do que tínhamos anteriormente.” Podem arranjar um emprego, mas não conseguem fazer face às despesas de uma casa.

Como pode então uma pessoa cumprir o tempo máximo de permanência na casa de abrigo? “Nós temos uma linha de apoio financeiro que pagamos até seis meses de renda. A pessoa pode solicitar esse apoio. O problema é o que acontece ao sétimo mês”, quando se esgota o apoio e continuam a não ter autonomia.

Videojogos violentos aumentam risco de comportamentos agressivos

Maio 17, 2024 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Diário de Notícias de 12 de maio de 2024.

A exposição à violência é cada vez mais precoce nos videojogos, inicialmente criados para treinar tropas a não sentirem remorsos por matar. A dependência dos ecrãs ocupa 4 ou mais horas por dia. Por isso, há cada vez mais países a proibir telemóveis nas escolas. Em Portugal quase só os colégios de elite o fazem.

Carla Aguiar

Portugal acordou há dias em choque com a notícia de um jovem português de 17 anos que mandava executar crimes e homicídios pela internet a uma rede de seguidores no Brasil e que planeava outro homicídio para breve. O mesmo país parece não estar ainda suficientemente indignado com as mais de 4 horas por dia que os seus adolescentes passam nos smartphones e redes sociais, em sites pornográficos ou em videojogos, alguns muito violentos, onde executar ou decapitar parecem atos tão neutros como beber água. De outro modo, provavelmente, os pais deixariam de oferecer smartphones aos filhos antes dos 13 anos (tal como fez Steve Jobs, o génio da Apple), exigiriam do Governo a proibição do seu uso nas escolas e censurariam tanto o consumo como a comercialização de videojogos violentos. E será que estariam a ser radicais ou apenas a tentar prevenir problemas de saúde mental e de desenvolvimento cognitivo dos seus filhos?

“Não se pode tirar a ilação de que todos os que participam em jogos violentos vão ser agressivos e praticar crimes, mas a probabilidade de isso acontecer pode aumentar, sobretudo, se já houver uma propensão”, concordam psicólogos, magistrados e associações pela moderação do uso de telemóveis ouvidos pelo DN. “Nos estudos que existem sobre o assunto não há evidência científica de que estar em jogos violentos implique mais agressividade ou violência, mas se já houver alguma predisposição para a psicopatia, por exemplo, uma personalidade narcísica esse será um terreno fértil para desenvolver e ampliar a agressividade”, disse ao DN Pedro Hubert, psicólogo doutorado em comportamentos aditivos online. Outros referem que “mais de 60 anos de pesquisas sobre a violência nos media mostram de forma consistente que seja em formato tv, filme, música ou videojogos, os conteúdos violentos são um fator de risco para aumentar pensamentos, sentimentos e comportamentos agressivos”, como é o caso de Douglas Gentile, autor de Game On! Sensible Answers about Video Games and Media Violence.

“Mesmo que a maior parte das pessoas não vá reproduzir os comportamentos violentos, esses jogos não são benéficos” assume aquele responsável. Até porque, explica, “nos chats à margem dos jogos ou de plataformas como o Discord (que o jovem portugês usava para ordenar os atos criminosos) formam-se comunidades virtuais com perfis anónimos, onde é muito fácil para um psicopata, um fanático ou um predador sexual alienar um miúdo”. Neste universo “criam-se grupos e subgrupos, que começam por criar primeiro uma cumplicidade e depois desenvolvem-se como seitas religiosas ou neonazis. É assustador”, assevera Pedro Hubert. E, lembra o psicólogo, nestas comunidades os pais não conseguem sequer exercer o “controlo parental” nem sabem, na maioria das vezes, que os seus filhos interagem com perfis falsos.

Cultura violenta desde os 7 anos

Basta uma vista de olhos pelas classificações etárias de alguns dos videojogos mais populares para perceber a violência a que crianças e jovens estão expostos desde tenra idade. Para a faixa dos 7 anos há jogos com “cenas assustadoras”, mas a violência ainda é dirigida a desenhos animados e não seres humanos, embora possa haver bombardeamento de cidades, por exemplo. A partir dos 12 anos, um jogo Fortnite ou Roblox já “pode ter bastante violência, mas utiliza personagens não reais; pode ter linguagem imprópria; cenas sexuais não diretas; cenas de terror”. Dos 16 anos em diante “a violência contra seres humanos é real e pormenorizada, tem cenas sexuais, mas genitais não podem ser vistos, tem cenas eróticas, tem as formas mais agressivas de linguagem e também de linguagem sexual; tabaco e álcool podem ser encorajados, pode ter utilização de drogas ilegais e pode glamorizar o crime”. E a violência intensifica-se mesmo muito a partir dos 18 anos: “violência pode ser total, sem limites: tortura decapitação, desmembramentos; violência contra crianças e inocentes pode constar; violência sexual; pode conter descrição detalhada de táticas criminais e pode glamorizar o uso de drogas ilegais; atividades sexuais e visualização de genitais pode ser incluída”, referem os ratings da PEGI (Pan European Game Information), uma rede europeia que analisa e classifica os conteúdos por idades, reconhecida pela Comissão Europeia, para os jogos GDA5 e o Call of Duty. Mas a mesma rede admite que há cada vez mais jogos vendidos diretamente em lojas digitais que escapam a este controlo, o que nos remete para a desregulação que afeta este mercado. Só em Portugal o setor movimenta cerca de 360 milhões de euros anuais e, segundo o portal Statista, deverá atingir os 3 milhões de jogadores até 2027.

O primeiro videojogo com violência terá aparecido por volta do ano 2000 no seio do exército norte-americano com o intuito de treinar os soldados e os ajudar a desligar a ferramenta mental que impede de matar. Com os videojogos violentos, o que estamos a fazer às nossas crianças e jovens é exercitá-los para destravarem essas ferramentas, diz Dave Grossman, coronel do exército norte-americano autor do livro Assassination Generation: Video Games, Aggression, and the Psychology of Killing. O autor sustenta que para os jogadores dependentes, “a um nível profundo e primário, a morte humana e o sofrimento são uma fonte de prazer intenso” e revela que “enquanto os miudos saudáveis são bons nas tarefas de lógica ligadas ao hemisfério esquerdo do cérebro, os jogadores têm limitações para processar pensamento racional, o que resulta em menos aptidões sociais e falta de limites”.

Passar esta informação a pais e educadores é uma preocupação da Mirabilis, uma associação fundada por duas mães, que pretende sensibilizar famílias e escolas para a necessidade de moderar e às vezes banir mesmo o consumo de smartphones e videojogos. “Partimos de estudos científicos que comprovam impactes negativos no desenvolvimento cognitivo e na saúde mental de crianças, em parceria com a organização americana Screenstrong e fazemos ações de formação para pais e comunidades escolares para ajudar a lidar com este fenómeno”, disse Matilde Sobral, uma das fundadoras ao DN.

Mesmo que se respeitassem as idades de visualização para aqueles videojogos, a exposição a conteúdos de “violência lúdica” já poderia ser problemática, concorda Matilde Sobral, mas há a convicção geral de que “esses ratings não são cumpridos e os jovens acabam por assistir a conteúdos totalmente impróprios para a sua idade”. Se, ao mesmo tempo, desenvolverem dependência e “se isolarem gradualmente num processo de desvinculação afetiva de pais e amigos reais é um terreno fértil para o aparecimento de comportamentos desviantes”, considera o psicólogo Pedro Hubert.

Dependência severa e como a evitar

A questão central que “deve constituir sinal de alerta para pais e comunidade escolar é quando começa a revelar-se uma desvinculação afetiva e falta de empatia, primeiro com a família, e depois com o resto das pessoas”, nota o psicólogo. “Há que prevenir, com mais comunicação e informação entre pais e filhos e atuar antes que seja tarde”. Não é necessariamente expectável um comportamento criminoso, mas com a dependência, a saúde mental estará certamente comprometida.

Pedro Hubert aponta, a propósito, um caso com que lidou há 17 anos, de um jovem de 17 anos com uma dependência de videojogos que chumbou no 11º ano, mas que abandonou o tratamento clássico. Dezassete anos depois, o pai do jovem que tem agora 34 anos voltou a procurar o psicólogo, “porque o filho não sai de casa, tem 160 kg, passa 16/18 horas por dia nos ecrãs, também tem dívidas relacionadas com criptomoedas e desenvolveu comportamento antissocial e agressivo, ao ponto do pai ter medo de ser agredido por ele”.

Perante uma legião de pais preocupados com a dependência dos ecrãs, que está a minar as relações familiares e a comprometer os resultados escolares, Matilde Sobral apoia-se na literatura sobre o tema para dar alguns aconselhos. Primeiro, procurar informação científica e participar em webinars ou palestras; depois, adiar o mais possível o uso de telemóveis em especial de smartphones (pelo menos até aos 12 anos); escolher uma escola livre de telemóveis (“a atenção melhora logo bem como as relações pessoais e o bem estar emocional”); e, “ao adiar ou retirar o telemóvel, ter o cuidado de fornecer alternativas que promovam melhor saúde mental, como atividades desportivas, artísticas e culturais e mais tempo na natureza, tudo coisas que contribuem para o desenvolvimento do cortex pré-frontal”, resume aquela gestora cultural, que encontrou agora uma nova missão: mudar a cultura do ecrã a toda a hora.

Colégios de elite são os que mais proibem o telemóvel em Portugal

Deixar decisão ao critério de escolas compromete equidade entre alunos. França, Reino Unido e Espanha já avançaram para a proibição. A Unesco também a defende e em Taiwan há multas para exposição de menores de 2 anos a ecrãs.

Começa a desenhar-se uma tendência europeia para banir os smartphones das escolas. O Reino Unido e a França anunciaram essa decisão, o mesmo acontecendo em algumas regiões de Espanha, tendo em conta as evidências de problemas de concentração, insucesso escolar, menos interação social e mais ansiedade associada ao uso frequente. Em Portugal, o Ministério da Educação tem preferido deixar o assunto ao critério das escolas, o que não garante condições de equidade aos alunos onde é possível estar conectado ou não. E o que a experiência mostra nas escolas proativas é que os alunos estão em clara vantagem, “com melhor foco e bem-estar”, atesta a co-fundadora da Mirabilis, Matilde Sobral.

Em Portugal, a decisão foi tomada essencialmente em colégios privados de elite como a Escola Alemã, que proíbe os telemóveis há cerca de 10 anos, o mesmo acontecendo com os colégios Mira Rio e Planalto. O Colégio São João de Brito é outro caso onde a Mirabilis já fez ações de sensibilização com pais e professores e vai agora dirigir-se aos alunos. Quanto a escolas públicas, há pelo menos duas, em Lousada e em Almeirim, que foram pela mesma opção.

Mais do que banir os ecrãs dos recreios escolares, “seria importante também incluir no próprio curriculum escolar a formação sobre os riscos da internet , dos jogos, das redes sociais e da exposição prolongada”, considera Manuel Magriço, magistrado do Ministério Público, especializado no tema da pornografia infantil online, que faz questão de corrigir para “abuso sexual de menores”. Tendo essa preocupação em mente, Manuel Magriço não se cansa de lembrar que “só através da informação e da prevenção se podem evitar males maiores”. O magistrado consultor do Conselho Europeu refere que “este crime aumentou muito durante e após a pandemia, porque não só as crianças estavam mais tempo online, mas os abusadores também”. Os chats dos videojogos são, segundo Manuel Magriço, uma caixa de pandora perigosa, porque “é aí que os predadores se infiltram com maior facilidade, fingindo ter a mesma idade, estudando a vítima e criando cumplicidades. Daí até estarem a trocar fotos íntimas é um instante, fazendo um sequestro emocional da vítima, as vezes com implicações financeiras também e, no limite, com o desaparecimento da criança ou jovem”.

Já o psicólogo social Jonathan Haidt considera que o mais preocupante nestas tecnologias é que a geração z (que já nasceu com smartphones) está a ter uma visão distorcida da realidade e abandono da vida real. “Os rapazes transferem as suas vidas para os videojogos e as raparigas para as redes sociais, foi exatamente aí que a epidemia da solidão se acelerou: elas sofrem mais de depressão e ansiedade, eles de solidão e falta de amigos”, disse o psicólogo que comparou mais de 50 estudos sobre os efeitos destas tecnologias e conclui por um impacto negativo, numa entrevista recente ao Politico.

Uma criança que nasça hoje vai estar um ano inteiro, 365 dias, a olhar para ecrãs até chegar aos 7 anos, indica um estudo publicado no British Medical Journal, que projeta a partir do histórico recente. Em 2015, notícias reportavam que a China tinha 24 milhões de web junkies, dependentes das redes sociais e videojogos. Nesse mesmo ano, Taiwan aprovou uma lei que ilegaliza a exposição de crianças menores de dois anos de idade a ecrãs, prevendo uma multa de cerca de mil euros aos pais e educadores, ao mesmo tempo que definiu a limitação do seu uso até aos 18 anos. Sobretudo desde o lançamento do IPAD em 2010, muitos pais utilizam-no como baby sitter de crianças e bebés. Mas cada vez mais estudos atestam um atraso no desenvolvimento cognitivo entre os jovens. Coincidência ou não, o certo é que Taiwan aparece no 1º lugar do ranking nos testes de QI do Worlddata.info com 106 pontos – a par de Hong Kong, Japão e Singapura – acima dos 97 pontos dos Estados Unidos e bem acima dos 93 pontos de Portugal. Alguns analistas consideram mesmo que os países que melhor gerirem a dependência de ecrãs das suas crianças podem ganhar vantagens de competitividade no futuro.

Pedro Strecht: “Hoje há uma interferência enorme dos pais em coisas que são exclusivamente dos miúdos”

Maio 16, 2024 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Entrevista de Pedro Strech ao Sapo 24 de 30 de abril de 2024.

Isabel Tavares

Afinal, o que está errado na educação que os pais dão hoje aos filhos? Muitas vezes achamos que os estamos a ajudar, mas em vez disso estamos a criar problemas. Para eles e para nós. O pedopsiquiatra Pedro Strecht acaba com alguns mitos.

Se é pai ou mãe, quase de certeza está num grupo de WhatsApp de pais da turma do seu filho ou do grupo de treino ou de outra coisa qualquer. Nesse caso, muito cuidado, porque há linhas vermelhas que não deve ultrapassar.

Nesta entrevista, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, autor do livro “Pais Suficientemente Bons”, que já demos a conhecer aqui, faz um retrato da educação em Portugal através dos problemas que lhe vão chegando o consultório.

A procura pela perfeição pode trazer mais dissabores que conquistas e talvez, afinal, nada seja mais perfeito do que sermos como somos. Sobretudo na relação entre pais e filhos. E para que não restem dúvidas, Pedro Srecht não é só médico, é também pai de três filhos, dois rapazes e uma rapariga, entre os 16 e os 20 anos.

“Pais Suficientemente Bons”. Existem?

Na perspetiva do conceito de Donald Winnicott [pediatra e psicanalista inglês], acho que existem. No sentido em que pode dizer respeito à maioria de nós, que obviamente temos uma preocupação normal, natural sobre os nossos filhos e desejamos que as coisas com cada um deles corram bem ou até, se quisermos, o melhor possível.

Mas também somos capazes de reconhecer que ser perfeito, não falhar nunca, ter uma disponibilidade infinita, são tarefas impossíveis. E também temos capacidade, acho que isso faz parte do conceito de pais suficientemente bons, de ir aprendendo com a experiência de ser pais ou mães. Mesmo perante os erros ou as dificuldades, esses pais são capazes de refletir e retirar dessas falhas aspetos positivos para poder continuar.

O que é muito mais difícil de existir são pais perfeitos, uma ideia ideia hoje, às vezes inconscientemente, muito presente nos adultos. Que depois projetam nos filhos a expectativa de poderem ser perfeitos, no sentido de serem mesmo os melhores ou os maiores em tudo.

“NÃO FALHAR NUNCA, TER UMA DISPONIBILIDADE INFINITA, SÃO TAREFAS IMPOSSÍVEIS”

Filhos perfeitos porque os pais foram perfeitos. É uma coisa recente ou foi sempre assim?

Penso que hoje há uma grande diferença em relação ao passado. E acho que isto, do ponto de vista social ou, se quisermos, do ponto de vista psicossocial, é uma mudança da última dezena de anos.

É por isso que o conceito de Winnicott, mesmo sendo do final dos anos 50, voltou a fazer imenso sentido neste contexto, porque criou-se uma expectativa muito grande sobre a resposta perfeita dos filhos. Como se o próprio desenvolvimento infantil e juvenil não tivesse, naturalmente, os seus entraves, as suas dificuldades, e as pessoas achassem que ter filhos ou vê-los crescer é uma estrada plana, sem cruzamentos, sem riscos ou perigos. E isso, de verdade, não existe.

Podemos dizer que há uma certa perfeição na imperfeição?

Sim, claro. Aliás, haver pontos de imperfeição é aquilo que nos torna humanos e que nos modera uma certa diferença perante aquilo que somos e o que querermos melhorar. Essa é a parte saudável, aceitarmo-nos ou termos uma expectativa saudável de melhorar é óptimo.

Querer atingir a tal utopia de perfeição é que, habitualmente, traz duas consequências muito frequentes, quer para os pais, quer para os filhos: uma imensa ansiedade para correr atrás de um horizonte que nunca se atinge e, em consequência, uma imensa noção de insatisfação. Depois começa a haver muito sentimento de angústia e, ao mesmo tempo, uma sensação quase depressiva por, afinal, não se chegar lá, a ideia de não ser suficiente, de falha ou de falta, tanto nos adultos como nos filhos.

No tempo dos meus pais a autoridade na matéria era o pediatra americano Benjamin Spock, no meu era Brazelton. Mas líamos umas páginas e pronto. Agora, é possível ler sobre educação e parentalidade em todo o lado, há uma série de “ajudas”, mas pais e filhos parecem mais stressados do que nunca.

Exatamente, e tem toda a razão. Porque hoje, como disse, há uma panóplia imensa de autores, de conselhos, e a Internet com um mundo quase infinito de informação sobre o que fazer e como fazer da maneira mais adequada. Só que depois acontece uma coisa comum: perante tanta informação muitos não têm a capacidade autónoma para muitos para fazer um filtro e retirar dali conhecimento ou uma certa sabedoria.

Disse uma coisa que achei graça: “líamos umas páginas e pronto”. E isso é um movimento muito importante, a pessoa lê e integra, naquilo a que chamo o uso consciente do self, um termo um bocadinho técnico, mas que significa que depois, no dia-a-dia com os miúdos, os pais também estão numa posição em que se oferecem tal como são. Claro que com parte dessa informação e desse conhecimento integrado, mas numa atitude espontânea e natural.

O que noto, às vezes, é que os pais assimilam toda a informação e põem-se numa interação quase que by the book com os filhos: ele respondeu assim, vou reagir assim, como diz na página xis do capítulo das birras. Fez aquilo que vem na página ípsilon sobre a adolescência, vou responder isto. E isso quase nunca resulta, desde logo porque tira a espontaneidade toda da relação. Mas tira também a aprendizagem a partir daí, tenta passar a generalidade para a individualidade de cada miúdo, de cada contexto. E também tenta responder um bocadinho àquela ideia, que é falsa, das fórmulas mágicas. Ironizando, é um pouco como um livro “As 101 dicas para ser boa mãe ou bom pai”. É demasiada informação e, em vez de ajudar, baralha.

“CRIOU-SE UMA EXPECTATIVA MUITO GRANDE SOBRE A RESPOSTA PERFEITA DOS FILHOS”

É um pouco como procurar efeitos secundário na bula dos medicamentos?

É um pouco isso. Às vezes dou este exemplo a alguns pais, às vezes a alguns adolescentes: se eu procurar na net algo como “pele, pintas vermelhas” pode aparecer sarampo, pode aparecer picada de mosquito, pode aparecer alergia alimentar. Podem aparecer ‘n’ coisas e todas estão certas. Mas falta o contexto. Para ser sarampo é preciso ter febre altíssima, começar com amigdalite; para ser picada de mosquito as borbulhas são pontuais e habitualmente nas zonas mais expostas do corpo. É preciso saber triar a informação.

De facto, hoje, e até com a melhor das intenções, chega-me aqui gente à primeira primeira consulta já quase com um diagnóstico feito através da informação que recolheu. E que depois torna difícil adequar. Isso, de facto, só complica.

Com que tipo de problemas chegam habitualmente os pais ao seu consultório?

Duas ou três grandes questões, muito relacionadas com o comportamento, muito ligadas ao desafio, à oposição, à dificuldade de integração das regras e dos limites, à má gestão da frustração e da contrariedade. Muito ligado a isso, algumas dificuldades de integração e de relação social dos miúdos.

Também como preocupação muito intensa expressa nos pais vem o desempenho dos filhos do ponto de vista académico, escolar. E, claro, imensas circunstâncias – o que é normal, mas estamos cá para ajudar a desconstruir -, valorizando muito um sinal ou sintoma, por vezes com dificuldade em fazer a ligação às causas que lhe estão subjacentes.

E no caso dos miúdos, que problemas apresentam?

Varia muito, mas há muitas perturbações de ansiedade, que num tempo pós-Covid aumentaram bastante. E as perturbações depressivas, mais na adolescência, muitas delas com os comportamentos hetero ou auto-agressivos, mutilações. E uma coisa que aparece muito nos miúdos, que é uma mistura de uma parte depressiva com situações, diria assim, de pequenos burnouts (referem muito o cansaço, a exaustão, queixas de sono, alimentação).

Os miúdos, por norma, têm aquilo a que eu chamo uma óptima energia vital: são mexidos, ativos, curiosos e querem fazer coisas, descobrir. E, de facto, essa vitalidade, hoje, sobretudo aqui em consulta, está um pouco ausente em muitas crianças e adolescentes. São miúdos que, em várias circunstâncias, aqui também numa outra referência, entre aspas, parece que carregam o mundo às costas, fazem um esforço muito grande no seu dia-a-dia, no seu desempenho, para estar, para ser, para se relacionarem com os pais e com os outros.

“UMA COISA QUE APARECE MUITO NOS MIÚDOS É UMA MISTURA DE UMA PARTE DEPRESSIVA COM SITUAÇÕES DE PEQUENOS BURNOUTS (CANSAÇO, EXAUSTÃO, QUEIXAS DE SONO, ALIMENTAÇÃO)”

O que observo, e não é só em crianças e adolescentes, é também em jovens adultos, é uma espécie de tristeza. É real?

Em muitos, e isso é outra faceta, aparece também uma dose muito grande de insatisfação. São imensos os casos, cada vez mais – e penso que vai ser ainda mais definitivo nos próximos anos -, em que crianças e adolescentes crescem numa posição, diria assim, omnipotente: “Eu quero. Agora”.

Portanto, todas as “pequenas” contrariedades, frustrações absolutamente normais do dia-a-dia, são interpretadas de uma forma negativa. E voltamos ao que estava a dizer há pouco: por muito que tenham, parece que falta sempre qualquer coisa. Essa sensação de insatisfação traspassa muito. Há muita dificuldade em perceber que as coisas se vão construindo, ninguém começa a trabalhar no emprego da sua vida. E na geração já depois dos 20 isso também se sente bastante e no futuro vai tender a aumentar.

A falha e a frustração nos miúdos são muitas vezes entendidas como algo negativo por parte dos pais. Mas são importantes para um crescimento saudável?

A frustração é necessária, também. Essa ideia da frustração, hoje em dia, aparece muito confundida na cabeça de imensos pais, ainda numa perspetiva mais intensa, que é como um trauma. Então, não se pode traumatizar a criança. E confunde-se pequenas contrariedades e frustrações, que ajudam a crescer, com a ideia de trauma, que é uma coisa completamente diferente.

Dou-lhe outro exemplo. No Dia do Pai, estava aqui a falar com uns pais e, claro, perguntei: “Então, hoje já foi ao jardim de infância por causa do Dia do Pai” (porque há sempre aquelas atividades na escola). O pai ficou a olhar para mim com um ar circunspeto: “Por acaso, não. Na escola dos meus filhos a política é não fazer nada no Dia do Pai e no Dia da Mãe”. “A sério?”, perguntei. “Porquê?” “Porque dizem que pode haver alguma criança que não tem pai ou mãe e, assim, não vai ficar traumatizada”.

Bem, para começar, uma criança não ter pai ou mãe é uma condição rara. Por outro lado, se os miúdos não têm pai ou mãe, até precisam de ser ajudados a canalizar esse afeto. A quem querem dar a prenda? Ao avô, à tia? Querem guardar para eles ou pôr ao pé de uma fotografia que têm lá em casa? Mas o que emerge aqui é que melhor é nem se falar no assunto, porque assim nunca se falha, não há hipótese de ter alguém fora da forma.

“SÃO IMENSOS OS CASOS, CADA VEZ MAIS, EM QUE CRIANÇAS E ADOLESCENTES CRESCEM NUMA POSIÇÃO OMNIPOTENTE: “EU QUERO. AGORA””

Essa coisa de ser tudo igual, tudo standardizado, estamos no bom caminho? Já não se canta “atirei o pau ao gato”, a coleção de livros “Os Cinco”, de Enid Blyton, foi proibida lá fora. Esta mania do politicamente correto faz sentido?

Acho uma parvoíce. Isso é querer transformar tudo numa espécie de linguagem neutra. Mas, esperem, o mundo não é neutro. Porque a ideia do politicamente correto ou do emocionalmente correto distorce imensas vivências que são naturais nos miúdos.

Outra ideia que acontece imenso, sobretudo nos pequeninos, na escola primária, por exemplo: hoje é muito comum uma criança fazer anos e convidar a turma toda para a festa de aniversário em vez de selecionar alguns que são os seus amiguinhos. Se quer fazer uma coisa com a turma toda, ok, há meninos que até levam um bolinho para a escola. Mas a festa pode muito bem ser mais reduzida, com o grupinho de amigos mais próximos. “Mas assim estou a excluir os outros”. Esta preocupação, que corresponde a um preconceito, baralha e desajuda muito mais do que ajuda. Não é tudo a mesma coisa.

Além disso, os pais têm hoje mais dificuldade em disciplinar?

Muito mais, e isso tem a ver com várias questões. Por um lado, muitos pais acabam por estar menos tempo efetivo com os filhos do que desejariam. Pai e mãe trabalham, não chegam propriamente cedo a casa, muitos até têm mais do que um emprego. Tenho um pouco a ideia de que quando estão com os filhos, até para não terem de enfrentar, de contrariar, abdicam bastante das regras e dos limites, às vezes até numa atitude de sobre-proteção.

Isto dá crianças progressivamente mais exigentes na expectativa, cada vez mais difíceis, até perante as regras normais do dia-a-dia, como fazer os trabalhos, tomar banho, hora de dormir. Depois, num crescendo, podem tornar-se cada vez mais reivindicativas e, na adolescência, serem miúdos agressivos para os pais, ao ponto de os maltratarem emocional e fisicamente.

“HÁ UMA INTERFERÊNCIA EXCESSIVA E DESADEQUADA DOS PAIS EM QUESTÕES DA RELAÇÃO DOS FILHOS COM OS OUTROS”

Os pais têm medo de que os filhos não gostem deles?

Sim. Como se os filhos gostarem deles não implicasse, mesmo aos olhos das crianças, num ou noutro momento os pais serem, entre aspas, a bruxa má ou o chato que está sempre a contrariar ou a chamar a atenção. Porque também faz parte.

Procuro, de maneira tranquila, dar aos pais a ideia de que há questões de autoridade que funcionam numa noção protetora. Ou seja, imagine uma criança que está na praia e quer muito ir ao mar, mas estão umas ondas enormes e bandeira encarnada; mesmo que a criança esperneie ou faça uma grande birra, tenho de ser suficientemente seguro para não a deixar ir ao banho. Estou a exercer a minha autoridade, mas estou a fazê-lo numa noção protetora.

Quando digo a uma criança pequenina “são nove da noite, é hora de ires para a cama”, aos olhos dela posso estar a ser chato, aborrecido, mas se não marcar regras e limites, ela não tem capacidade de auto-regulação, no outro dia vai estar cheia de sono, não vai conseguir desempenhar as tarefas que tem de desempenhar, vai estar de mau humor.

“CONFUNDE-SE PEQUENAS CONTRARIEDADES E FRUSTRAÇÕES, QUE AJUDAM A CRESCER, COM A IDEIA DE TRAUMA, QUE É UMA COISA COMPLETAMENTE DIFERENTE”

Falou na automutilação. Estes comportamentos estão a aumentar ou apenas temos essa sensação porque há mais diagnóstico?

Penso que a automutilação se vê mais, tanto em rapazes como em raparigas – no pós-Covid viu-se imenso. Também se vê muitas situações de um certo sentimento depressivo ligado à ideia suicida e ligado à efetivação de comportamentos de automutilação, num modelo que sugere apelo, diria assim. E ainda bem, porque, apesar de tudo, quando uma rapariga ou um rapaz se corta, os cortes são suficientemente superficiais, a gravidade também é menor.

É uma chamada de atenção?

Pode funcionar como um ato com um lado apelativo, sobretudo em adolescentes que têm muita dificuldade em não se sentirem sempre o centro ou o foco das atenções perante o grupo. Se eu também estiver mal, ou se estiver muito mal dentro do mal que de verdade me sinto, vou ter mais pessoas a olhar para mim, a cuidar de mim. E, de facto, em diversos contextos tem também esse significado, sim.

A que sinais é que os pais, professores, amigos devem estar atentos?

Nestas situações acho que há sempre uma ligação entre sinais e sintomas. Por um lado, há adolescentes que claramente têm mesmo a parte mais depressiva, no sentido de uma auto-imagem ou de um autoconceito negativo, muitos deles acabam por ter dificuldades de integração de grupo ou de integração social. Alguns deles, quer isso corresponda ou não, descrevem também questões ligadas às orientações e às identidades de uma forma mais marcada.

Na verdade, há miúdos que até se mutilam no espaço escolar. E aí a situação é facilmente reconhecível, porque muitas vezes há outros miúdos que notam e que reportam. Nesses casos, os professores podem e devem atuar, as escolas têm psicólogos, há um diretor de turma e deve haver sempre uma coordenação, não só entre aquilo que a escola observa e valoriza, mas na articulação com a família e, como é óbvio, com serviços especializados, se for caso disso. Mas acho que a primeira ponte é sempre com a família.

Há situações que acontecem em casa e que os pais não notam ou não valorizam. Por exemplo, as automutilações podem ser escondidas pela roupa.

“A IDEIA DO POLITICAMENTE CORRETO DISTORCE IMENSAS VIVÊNCIAS QUE SÃO NATURAIS NOS MIÚDOS”

Disse que as crianças e os adolescentes se sentem cansados e sob pressão. Lembro-me da chatice que eram as férias grandes, não ter nada para fazer. O vazio, o ócio são importantes também na vida dos mais novos?

Sim, sim, esse é um ócio bom, digamos assim. Falo disso no livro, também. No geral, as pessoas têm muito medo do vazio, na vida e na relação com os filhos. Então, preenchem e sobre-preenchem os horários. De uma maneira ou de outra, há imensas crianças e adolescentes, tal como adultos, em atividade continua, mesmo que sejam coisas muito pouco significativas.

“Vai ter 15 dias de férias, que programa é que vai fazer? Temos que arranjar um programa”. Quando às vezes, na adolescência e até na infância, ter tempo livre sem qualquer desígnio antecipado é óptimo, ajuda-nos a integrar o que vivemos mesmo sem estarmos a reparar nisso, ajuda-nos a pensar e a querer descobrir outras coisas, a fazer um balanço entre o tempo de ativação, trabalho e descanso. Nesse aspeto, o ócio é muito saudável e cada vez mais necessário.

E é engraçado, porque como há muitas crianças e adolescentes habituados desde pequenos a viver nesse modelo em que tudo está demasiado pré-determinado, quando surgem momentos em que não há nada para fazer ficam angustiados, como se precisassem de uma ordem externa para cumprir uma atividade, como se necessitassem de uma constante organização e orientação externa para saber o que vão fazer a seguir.

Ao terem o tempo pré-estabelecido, não estão a viver de uma maneira mais livre, mais natural e também criativa.

Há uma agressividade que pode ser considerada normal e até positiva nos jovens e nas crianças?

Pode haver uma expressão boa ou adequada de uma agressividade normal, quanto mais não seja como forma de resposta a alguma coisa externa, invasora ou traumática (aqui sim), e que funciona como forma de defesa psíquica. Dou um exemplo: acontece com muita frequência os miúdos serem vítimas de bullying, não só na escola, mas nas redes sociais. Muitas vezes, são crianças e adolescentes que têm muito pouca capacidade de defesa, ou seja, têm muito pouca capacidade de canalizar uma agressividade normal, digamos assim, de defesa. E ficam demasiado passivos e expectantes perante situações externas.

Mas isso também acontece porque em muitas circunstâncias foram demasiado protegidos, o adulto resolveu situações incómodas por eles. Por exemplo, um menino está a brincar num parque e vem outro e tira-lhe a bola. Ele pode ir atrás da bola, dizer que é dele e recuperá-la. E vai aprendendo a defender-se e a interagir. No entanto, é provável que em muitos parques esta situação aconteça e haja adultos a interferir: “Tiraste a bola ao meu filho, isso não se faz, tens de aprender a partilhar”. Estão a fazer o trabalho que compete à criança.

“A SAÚDE MENTAL CONTINUA A SER O PARENTE POBRE. AS RESPOSTAS SÃO CURTAS, SOBRETUDO NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL, E ESTÃO BEM AQUÉM DAS NECESSIDADES”

É preciso deixá-las discernir, fazer a sua escolha?

Sim. Porque muitas crianças, e adolescentes também, acabam por ter pouca capacidade de defesa autónoma. Quando falo numa resposta normal da agressividade não falo em andar aos murros, falo de qualquer coisa que é sentida como difícil, ameaçadora ou até mesmo agressiva. E saberem defender-se de uma maneira mais adequada.

Outra questão que está muito ligada a isto, e que me preocupa imenso, é ver pais em grupos de WhatsApp, e falo de pais de meninos de primeiro ciclo, quanto mais dos crescidos, a confrontarem-se entre si para resolver problemas dos miúdos – porque uma chamou pirosa a outra ou porque a outra chamou mentirosa a alguém. Já vi estas mensagens de telemóvel. Hoje há uma interferência enorme dos pais em coisas que são exclusivamente dos miúdos.

Então no espaço escolar isto é brutal, um pai que entra na escola para falar com um menino de 12 anos que foi chato, bateu no outro, zangou-se num jogo de futebol. Isto acontece cada vez mais. E passam o dia inteiro – que vida terão? – a enviar mensagens em grupos de pais no WhatsApp. Problemas que, se calhar, os miúdos resolvem entre eles mais rapidamente. Os filhos voltam a ficar amigos e os pais continuam chateados.

Os miúdos resolvem os conflitos entre si. Quanto mais não seja, até se zangam para sempre, mas vão criando essa capacidade saudável de resolver problemas sem ser preciso a interferência do pai ou da mãe ou do grupo de WhatsApp.

Hoje, não política, fala-se muito em linhas vermelhas. Aqui não há linhas vermelhas?

Devia haver. Ainda um destes dias assistimos à cena do treinador do Porto, Sérgio Conceição. a invadir o campo para ameaçar um árbitro, num torneio de sub-8 onde estava a jogar o filho mais novo. Há uma interferência excessiva e desadequada dos pais em questões da relação dos filhos com os outros e até com a autoridade, nomeadamente do professor, da escola, do árbitro ou do treinador da equipa.

Desta maneira, sobre-protege-se os miúdos e retira-se poder à autoridade, dando aos filhos uma força enorme para, muitas vezes, continuarem a agir e a fazer o que bem querem. O problema é que depois – e isto é muito comum -, isso reflete-se contra os próprios pais, com os miúdos a crescer até fisicamente para eles quando ouvem o que não gostam.

Tem três filhos adolescentes. Como olham para o pai pedopsiquiatra?

Em casa sou pai. E como pai também não sou prefeito – como médico também não, como é óbvio. Mas acho que em casa me comporto como pai e os meus filhos não têm nenhuma noção, digamos assim, dessa diferença.

Em situações sociais já me aconteceu ter de filtrar um bocadinho e ajudar a diferenciar a minha posição pessoal da profissional, o que, já agora, é uma uma coisa muito importante (já lá vou) para marcar as tais linhas vermelhas. Às vezes, numa festa ou num treino de futebol, lá vem um pai ou uma mãe expor um problema. “Peço desculpa, mas estou aqui como pai”.

“NA MINHA OPINIÃO HÁ CRIANÇAS E ADOLESCENTES EXCESSIVAMENTE MEDICADOS”

É importante ter cada coisa ter o seu lugar?

Como as regras para a relação entre pais e filhos, é importante dividir bem o que é espaço pessoal e espaço profissional. No pós-Covid, em que as pessoas começaram a fazer muito teletrabalho, muitas vezes estão de férias com os filhos e estão a despachar emails, ou estão à mesa e ainda vão fazer uma reunião online.

Há muitos miúdos que se queixam, verbalizam das mais diferentes formas, de questões que têm a ver com o facto de os pais estarem presentes fisicamente, mas não estarem disponíveis emocionalmente. “Ah, o meu pai levou-me ao jogo de voleibol, mas quando lhe perguntei o que tinha achado, disse que não viu, estava no computador a trabalhar”.

Gostava de falar do relatório final da comissão independente sobre os abusos sexuais na Igreja. Passou mais de um ano, acha que já foi feito aquilo que tinha de ser feito?

Não. Mas prefiro não juntar aqui as matérias. Acho que há imenso para fazer, aliás, basta olhar para o relatório e ver as recomendações finais que deixámos, quer à Igreja católica, quer à sociedade civil em geral, para ver que ainda há muito pouco que, na prática, tenha realmente mudado para a construção de uma cultura diferente em relação aos abusos das crianças – não só na igreja, mas na sociedade em geral.

Sim, porque quase 90% dos abusos acontece em casa.

Os abusos perpetrados por pessoas da Igreja são uma percentagem ínfima. A maior parte dos abusos acontece em meio familiar. Mas deixámos algumas notas sobre isso, porque implicaria outros estudos e outras intervenções e, sobretudo, outra cultura.

Nos últimos anos, há um aumento das notificações de casos de abuso sexual de crianças à PJ [Polícia Judiciária]. Com um grande aumento de situações ligadas ao uso das novas tecnologias. Por um lado, e ainda bem, as pessoas reportam mais, mas tem havido, de facto, um aumento bastante acentuado nos dois últimos anos.

E sim, a esmagadora maioria dos abusos é de adultos que são próximos das vivências do dia-a-dia das crianças, acontece debaixo de tetos que lhes são conhecidos e familiares.

Essa também é uma das razões que facilita a perpetuação do silêncio e da incapacidade de muitas crianças e adolescentes falarem, de saírem dessas teias, que são teias relacionais, onde para além do mais o adulto que é abusador se apresenta com outras facetas que até podem ser adequadas e positivas. É o tio, é o padrasto, é o avô, que também aparecem com facetas fantásticas.

Quais são os sinais, como se pode prevenir uma coisa assim? E como evitar uma certa paranóia cada vez que há um gesto?

Pode acontecer isso. Ainda para mais nós somos um povo fisicamente próximo, não somos distantes como os nórdicos ou os anglo-saxónicos. Se as coisas não forem bem interpretadas, pode haver esse risco. Claro que também pode haver outro risco, que é perante a dificuldade em perceber que estas situações existem e que podem ser realmente graves, haver muitas circunstâncias em que as pessoas não vêem, também porque é uma evidência difícil, às vezes nem com a evidência as pessoas querem acreditar.

É verdade que, como acontece muitas vezes com quem é alvo de violência doméstica, a vítima pode tornar-se agressor?

Há pessoas que podem repetir o padrão, fazer a chamada perpetuação transgeracional e, portanto, serem as vítimas a vitimizar. Mas não é nada linear. Hoje há muitos miúdos que, com algum apoio, conseguem reverter a situação e, justamente por terem sido abusados, tornam-se grandes protetores de crianças abusadas e canalizam um grande ódio para tudo o que podem ser eventuais abusadores.

Voltando à conversa anterior e à pressão sentida por crianças e jovens, as doenças mentais são uma das prioridade do Programa Nacional de Saúde. O que fez o SNS nesta matéria nos últimos anos?

Na prática, acho que a saúde mental continua a ser o parente pobre. As respostas são curtas, sobretudo na área da saúde mental infanto-juvenil, e estão bem aquém das necessidades. A sul do Tejo, por exemplo, há pouquíssimas pessoas na área da pedopsiquiatria e há também uma enorme carência em todo o país. É por isso que os tempos de espera nas grandes cidades são enormes.

Quem não tem dinheiro não tem hipótese?

Infelizmente, como se fosse uma coisa a que só as pessoas com melhor condição social e económica pudessem ter acesso.

Prescrevemos demasiados medicamentos para a saúde mental das crianças e jovens? Porquê?

Prescrevemos. De facto, o que sinto é que com a falta de técnicos, de pedopsiquiatras e de psicólogos, as pessoas acabam por ter pouco tempo para fazer acompanhamentos psicoterapêuticos e usam a resposta farmacológica para tentar conter sinais e sintomas, mas não propriamente para resolver os problemas.

Existe alguma indicação, nacional ou internacional, para limitar a prescrição de psicofármacos a crianças e adolescentes em Portugal, campeão na prescrição de ansiolíticos e antidepressivos?

Que eu saiba, não. Devia haver uma indicação moral, ética e também prática em relação a isso, porque na minha opinião há crianças e adolescentes excessivamente medicados, e isso não quer dizer que estejam a ser bem tratados do ponto de vista clínico, no geral.

Em nós tudo é somatizado?

Nem tudo, mas o que é inegável é a ligação entre corpo e a mente, e nos dois sentidos. Somos uma unidade, não há uma coisa sem a outra. Uma das grandes falhas, sobretudo nos anos ou nas décadas anteriores, foi que cada vez mais a nossa visão sobre a saúde e a doença se tornou excessivamente setorizada, perdeu a ideia global da pessoa como um todo.

Falou diversas vezes no Covid. Os efeitos da pandemia são irreversíveis, digamos assim, ou é possível recuperar?

O que está, está. Acho é que há coisas que, obviamente, também se podem recuperar. Mas não se pode estar, ou não se devia ter estado, na expectativa de que os miúdos que estiveram praticamente dois anos em casa chegassem à escola com a mesma disponibilidade, como se tivessem estado em casa sem fazer nada, e vamos lá agora dar as catadupas de matéria que faltou dar para trás.

Como se o estar em casa sem fazer nada equivalesse a ter estado de férias, tranquilos, bem-dispostos, e não em situações desagradáveis e de tensão, que os miúdos também não pediram. Temos de ajustar a nossa expectativa à realidade concreta desses miúdos e ajudá-los a desenvolver capacidades, além das puramente académicas, que são muito importantes. A mim preocupou-me mais a perda de competências sociais do que a perda de competências académicas.

Coimbra de Matos dizia que nos define mais o prazer, a alegria e a felicidade do que a dor. Concorda?

Foi meu chefe de equipa muitos anos. Concordo que devemos procurar celebrar as coisas que nos dão gosto e prazer de viver, de estar, de crescer, em vez de contribuir para uma cultura do negativo e do horror que hoje se passa imenso para os mais novos. Muitos adolescentes têm integrada a ideia de que o futuro vai ser mau. Em várias áreas.

Por acaso vi uma reportagem na SIC sobre duas escolas em que foram abolidos os telemóveis no espaço de recreio. E depois, na Conde de Oeiras, os miúdos do quinto e sexto anos a ensinarem os mais pequenos a andar de bicicleta, as miúdas criaram um atelier de croché, outros passaram a levar bola e a fazer jogos nos intervalos. Os jornalistas falavam com os miúdos e eles estavam mesmo contentes por aquilo estar a acontecer.

Já falámos disto: somos um povo traumatizado?

Acho que somos um povo que ainda tem uma carga culturalmente e socialmente negativa. Traumatizados todos os povos foram, em certa medida, mas nós ligamo-nos muito a isso. Tenho muita pena de ver e de viver num país que avança com imensa dificuldade e que tem áreas onde parece que, de maneira crónica, não melhora.

Também por isso me custa ver imensos miúdos que chegam a determinada altura, faculdade ou pós-faculdade, e vão embora. E a enorme maioria dos que vão embora não voltam, porque de várias maneiras encontram condições que são melhores, mais agradáveis, lá fora. Essa é a parte que a mim me traumatiza [ri].

“A criminalidade sexual tem uma dimensão que nos envergonha”, diz diretor adjunto da PJ

Maio 15, 2024 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia da Rádio Renascença de 6 de maio de 2024.

Ver os vídeos da entrevista aqui

 • Liliana Monteiro , Beatriz Pereira (vídeo)

O diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária revela, em entrevista à Renascença, que existem “níveis altos” de crimes sexuais que continuam muito presentes no dia-a-dia da sociedade. Carlos Farinha fala sobre o registo em Portugal dos primeiros casos semelhantes à submissão química e a dificuldade do mundo digital. O diretor adjunto da PJ acredita ainda que, mais tarde ou mais cedo, se vai mexer legalmente nestes crimes e pede para não se arrastar no tempo “a dúvida”.

É uma realidade que não mudou nos últimos dez anos: a criminalidade sexual contra crianças e jovens, e até contra adultos, regista anualmente cifras acima dos três mil casos.

Em entrevista à Renascença Carlos Farinha, diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária (PJ), revela que se mantêm em “níveis altos”.

A conclusão é esta: a criminalidade sexual, na perspetiva da Polícia Judiciária, continua a ter uma dimensão que nos envergonha no sentido em que desejamos que este tipo de condutas e práticas, que põem em causa o direito à liberdade sexual e autodeterminação sexual, sejam erradicadas e estão longe disso, porque continuam presentes no dia-a-dia da nossa sociedade”

Carlos Farinha explica que “Portugal continua a ter uma dimensão acima dos três mil casos investigados por ano, é mais ou menos esta a média. Houve um ligeiro aumento em 2020, mas o número mantém-se nos últimos dez anos nesta ordem”. Embora os dados estejam ainda a ser consolidados, a verdade é que o primeiro trimestre de 2024 já regista mais casos que o período homólogo.

A grande percentagem, cerca de 68% são casos de criminalidade sexual contra crianças e jovens e os restantes 32% contra maiores de 18 anos.

“São números particularmente elevados que exigem melhores respostas melhores e sinalização precoce destas situações”, alerta o diretor adjunto da Polícia Judiciária.

As vítimas são na maioria do sexo feminino, os agressores do sexo masculino, o que não significa que não exista o contrário.

“Em termos de escalões etários, 8-13 anos para a vítima e entre os 31-50 anos para o agressor. Esta criminalidade tem também por vezes vítimas muito pequenas entre os 0-3 anos (em 2023 foram sinalizadas mais de 70) e agressores acima dos 70 anos, o que exige adequação e determinado tipo de metodologias para comunicar com crianças de tenra idade”, sublinha.

Os crimes, esses, ocorrem num contexto de proximidade sobretudo familiar.

“Acima dos 50 a 60% da casuística a criminalidade sexual contra crianças e jovens ocorre num contexto de proximidade familiar, em que se esperaria que a família servisse para maior proteção da criança e isso infelizmente não se verifica e a margem de risco aumenta quando a família se desintegra (há divórcio)”

Carlos Farinha explica ainda que há uma nova realidade associada à criminalidade sexual: a submissão química, já muito expressiva noutros países, como por exemplo, a vizinha Espanha.

Embora não exista com dimensão expressiva, já se começam a registar casos no nosso país. “Temos verificado o aparecimento de casos desses, mas ainda não chamamos fenómeno de submissão química”

“Estamos atentos, até porque em termos de precocidade de sinalização, através de análises toxicológicas, há uma janela curta, de poucas horas, para se perceber se o que aconteceu se registou quando a pessoa estava sujeita a uma substância que a incapacitava, ou não. Começam a surgir casos nas grandes cidades litoral e a sul do país”, esclarece Carlos Farinha.

Há um outro desafio que entrou no dia-a-dia da investigação dos crimes sexuais e traz hoje mais exigências — o mundo digital que traz o crime de pornografia e não só.

“As situações presenciais trazem hoje em dia também a mistura de algo digital. Frequentemente há antes, ou depois, uma fotografia divulgada ou pressão feita a partir desse desenvolvimento da curiosidade que é fácil de entender”.

“É extraordinariamente atrativa a facilidade de partilha nas redes sociais de conteúdos que até podem divertir e estimular, mas que depois se podem tornar numa forma de extorsão da vontade ou de condicionamento do comportamento”

Engane-se quem pensa que esta criminalidade afeta os mais novos apenas. “O risco resultante da criminalidade sexual online não está exclusivamente nos menores de 18 anos”.

Carlos Farinha diz que “é transversal a forma como as pessoas se expõem e criam a tal relação de confiança com um desconhecido, ou com um julgado conhecido, que afinal não é exatamente o que estão a pensar”. “O príncipe encantado afinal tem algum desencanto”, afirma.

Questionado sobre como tem ultrapassado esta polícia de investigação científica as barreiras de acesso a metadados e mensagens encriptadas, o investigador admite que “são elementos importantíssimos” e que “naturalmente que o legislador não vai deixar de encontrar soluções equilibradas porque se o rastreamento de massa significa a compressão da liberdade e privacidade dos dados, se tivermos em conta os objetivos da investigação, de reação ou prevenção de condutas que provoquem vítimas e violações de bens jurídicos, se percebermos isso de certeza que encontraremos soluções equilibradas e compatíveis com os atuais tempos”.

O diretor nacional adjunto da PJ lembra que “a informação digital é cada vez mais relevante porque a nossa vida é cada vez mais digital”.

E será que há razões para mudanças legais neste tipo de crime? Carlos Farinha acredita que vão acabar por surgir.

“É possível que mais tarde ou mais cedo se avance para a alteração dos prazos de prescrição, assim como se avance para a alteração da natureza dos crimes e exista uma transformação para natureza pública”.

Carlos Farinha lembra, no entanto que “tenha de haver sempre uma salvaguarda para a vítima que pode não querer continuar no calvário do processo e pode querer sair dele. Tem de haver escapatória (nos crimes públicos não há possibilidade de desistência mas nos semi-públicos isso pode acontecer) e certamente o legislador há-de fazê-lo”.

A criminalidade sexual, de acordo com números recentes, representa 10% da criminalidade que a PJ investiga. Entre as suspeitas desta criminalidade estão também casos relacionados com a Igreja Católica.

“O principal problema com que nos temos confrontado tem a ver com o facto de muitas das situações não serem suscetíveis de investigação por força da prescrição. Para que haja processo-crime é necessário que a prescrição não tenha sido atingida”

Renascença questionou ainda este responsável sobre as decisões finais, tomadas pelos tribunais, das investigações que começam pelas mãos da Polícia Judiciária.

Sem querer comprometer-se com uma resposta direta sobre a satisfação ou insatisfação dos vários desfechos, Carlos Farinha prefere sublinhar que “pode haver boas ou más decisões judiciais, mas dificilmente haverá boas decisões judiciais se na fase inicial houver má investigação criminal”.

Revela por isso que a Judiciária se preocupa em criar “condições para boas decisões, para esclarecer o melhor e mais rápido possível, da forma mais sólida para depois quem tem de apreciar, julgar e decidir o faça nas melhores condições”.

Garante que sob o ponto de vista institucional há uma preocupação de dedicação permanente de formar os quadros e especializá-los, supervisionando a atividade, “porque é uma matéria (os crimes sexuais) em que frequentemente se combina o emocional com o racional”.

Desde 2020 que a PJ tem um Observatório da Criminalidade Sexual e da análise e estudo que aqui é feito espera-se ajudar na hora das tomadas de decisão.

No fundo, o que se sabe no processo é que “o facto foi este e o ato foi praticado desta maneira, mas depois se pudermos acrescentar para o julgador informação no plano da intensidade do acontecimento, da tendência para que aquilo acontecesse, se calhar estamos a ajudar que a dimensão das sanções seja a mais adequada, avaliando a possibilidade de reincidência, por exemplo”.

“É importante antever o que a pessoa possa vir a fazer e se pudermos tomar medidas previamente estamos a reduzir e prevenir novas vítimas”, conclui.

Quanto ao combate a esta criminalidade, Carlos Farinha explica que embora “muitas das situações contra crianças e jovens sejam detetadas pelo sistema de educação, outras pelo sistema de saúde, é preciso que estes saibam o que fazer quando se confrontam com uma situação deste tipo, a quem comunicar para que tudo aconteça o tão precocemente quanto possível”.

E lança um pedido:

“O fundamental é que não tenhamos receio de desencadear a investigação, não arrastemos no tempo a dúvida, o que se pede às entidades é que perante uma possibilidade não fiquem à procura da probabilidade e deixem isso para a investigação. Tentemos evitar a revitimização e aprofundar algo mesmo antes de uma comunicação mais formal do caso”

Menino nepalês de nove anos “vítima de linchamento” em escola de Lisboa

Maio 15, 2024 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia da Rádio Renascença de 14 de maio de 2024.

 João Carlos Malta

A diretora executiva de uma instituição da Igreja, o Centro Padre Alves Correia, diz que os agressores, também menores, proferiram frases racistas e xenófobas durante as agressões. Dois meses depois, a vítima ainda acorda à noite com pesadelos e tem medo de ir à escola. Há 11 dias, o Porto foi palco de agressões violentas a imigrantes e, em Lisboa, na freguesia mais multicultural do país teme-se também que aconteçam situações semelhantes.

Um menino de nove anos, de nacionalidade nepalesa, foi agredido com violência por outros colegas numa escola de Lisboa, no início deste ano. A denúncia é feita à Renascença pela diretora executiva de uma instituição da igreja, o Centro Padre Alves Correia (CEPAC), e Ana Mansoa considera que as motivações dos outros menores foram xenófobas e racistas.

O caso ocorreu há cerca de dois meses. “O filho de uma senhora acompanhada pelo CEPAC, que tem nove anos, e que é uma criança nepalesa, foi vítima de linchamento no contexto escolar por parte dos colegas. Foi filmado e divulgado nos grupos do WhatsApp das crianças”, descreve Ana Mansoa que prefere não divulgar o agrupamento em que tudo aconteceu uma vez que a família ainda recorda a sucedido com medo e apreensão.

Os vídeos das agressões, conta a mesma fonte à Renascença, já não estão disponíveis na aplicação.

Segundo a mesma responsável, o ataque foi feito por cinco colegas da vítima, sendo que um dos agressores foi mais interventivo do que os outros nas agressões físicas, ao qual se juntou um sexto elemento que filmou as agressões para depois serem partilhados nas redes sociais.

“Foi muito grave e com um impacto muito grande, não só no bem-estar físico, mas também emocional e psicológico desta família, que acabou por pedir transferência da escola e acabamos por conseguir concretizá-la para a segurança da criança”, avança a mesma fonte.

Ana Mansoa diz que o menino ficou com “hematomas pelo corpo todo”, “feridas abertas”. “Acabaram por ser tratadas pela mãe porque teve medo e quis evitar ir a um hospital ou centro de saúde. Isto acaba por ter estas consequências, estas agressões físicas, para estas pessoas, acabam por lhes dar a perceção de que não são bem-vindas, não são bem tratadas e não são bem acolhidas”, relata.

E conclui: “Esta mãe, por medo, acabou por preservar o filho em casa e tratar dele”. Não foi apresentada queixa às autoridades, assegura Ana Mansoa, “por medo” dos pais.

Em relação ao menor de nove anos, as sequelas psicológicas continuam. “O menino acorda de noite com pesadelos e a chorar, não quer ir para a escola”, diz a diretora executiva da instituição da Igreja, Centro Padre Alves Correia, que pertence aos Missionários do Espírito Santo, uma congregação missionária que trabalha sobretudo em África.

“Vai para a tua terra”

Esta família nepalesa está há dois anos em Portugal, chegou ao país no contexto de asilo, e o casal trabalha no setor da restauração. “Estão integrados socialmente, têm rendimento fixo e a situação contributiva regularizada”, detalha.

Em relação às motivações do ataque, Ana Mansoa diz que no filme há palavras racistas e xenófobas das crianças agressoras em relação à vítima.

Ana diz que a criança foi agredida também verbalmente com “nomes que não posso proferir”, a que se somaram frases como “vai para a tua terra”, “tu não és daqui”, “não queremos nada contigo” e “mais coisas que não posso dizer”.

“Tem nove anos, e que é uma criança nepalesa, foi vítima de linchamento no contexto escolar por parte dos colegas. Foi filmado e divulgado nos grupos do WhatsApp das crianças” Ana Mansoa, diretora executiva da instituição da Igreja, Centro Padre Alves Correia.

As consequências para os agressores identificados no vídeo, segundo esta responsável, resumiram-se a “uma delas ser suspensa por três dias”.

Mansoa critica a forma como o caso foi tratado em contexto escolar. “Foi muito insuficiente para a gravidade dos factos. Tanto assim é, que a família não se sentiu segura na escola e pediu transferência”, sinaliza.

“Foi uma abordagem muito conservadora. Foi um discurso que pôs o enfoque em serem crianças, não poderem valorizar estes comportamentos e que a mesma tinha sido uma situação isolada. A própria escola não denunciou o caso. A meu ver isto é grave”, afirma.

A diretora executiva da instituição da Igreja, Centro Padre Alves Correia, considera que devido a casos como este que as situações de racismo e xenofobia vão escalando. “As pessoas vão-se sentindo não acolhidas, num país que já é o delas”, lamenta.

A denúncia deste caso surge depois de, no Porto, no início de maio, um grupo de seis homens encapuzados, armados com bastões, facas e uma arma de fogo, ter invadido a casa onde vive uma dezena de imigrantes argelinos, além de um venezuelano, para os espancar, destruir o recheio da habitação e proferir insultos racistas.

Durante a meia hora de terror, uma das vítimas saltou pela janela do primeiro andar para fugir das agressões.

Repetição de ataques cada vez mais provável

Ana Mansoa diz que a repetição destes casos em Lisboa é cada vez mais provável. A responsável sublinha que nos “últimos meses, tem havido um aumento dos relatos das famílias” que a associação acompanha e “um maior sentimento de medo e de insegurança”. “A verdade é que não é de agora que temos esses relatos quer seja em contexto habitacional, quer seja em contexto escolar. Temos a perceção de que está a aumentar”, afiança.

“Ficou com hematomas pelo corpo todo, feridas abertas. Acabaram por ser tratadas pela mãe porque esta teve medo e quis evitar ir a um hospital e centro de saúde”, Ana Mansoa, diretora executiva da instituição da Igreja, Centro Padre Alves Correia.

O Centro Padre Alves Correia está junto desta comunidade a tentar dar ferramentas para que possam lidar com situações de violência, intolerância e xenofobia. “Temos medo de que o que aconteceu no Porto possa acontecer noutros contextos pelo ambiente social que vivemos”, remata.

Ana Mansoa diz que atualmente em Lisboa a xenofobia e o racismo se manifestam mais em “ameaças”, mas há relatos “de agressões na via pública e nas escolas” por questões relacionadas com a nacionalidade.

A especialista no contato com populações migrantes trabalha com estas comunidades há seis anos, relata que estes casos sempre aconteceram, mas eram muito mais esporádicos.

“Sou filha de imigrantes e nunca na minha infância ou na idade adulta tive medo de viver no meu país e, neste momento, em alguns contextos, tenho medo pelas minhas filhas. Em sítios em que passo todos os dias, vejo frases escritas que não via, discursos que antes não eram proferidas de forma tão clara”, remata.

Preocupação na freguesia mais multicultural do país

A presidente da Junta de Freguesia de Arroios, a mais multicultural freguesia em Portugal, diz sentir “preocupação com o aumento da imigração”, mas espera que o ataque racista que ocorreu no Porto “não aconteça” naquele local. Ainda assim confessa: “Estamos preocupados”, diz Madalena Natividade à Renascença.

A autarca classifica o ato no Porto como “uma situação condenável de racismo e desnecessária, mas, acredita, “também foi uma situação imprevisível e pontual”.

Madalena Natividade afirma que pela quantidade de nacionalidades, religiões e culturas que convivem em Arroios, já há um hábito de “viver com comunidades diferentes e respeitar outras culturas e religiões”. No entanto, sublinha, não pode dizer que “estes casos imprevisíveis e pontuais não aconteçam”.

Em relação ao impacto da imigração na freguesia, a presidente da Junta de Arroios, militante do CDS-PP, diz que o aumento muito rápido da chegada de pessoas estrangeiras está a ter “um impacto negativo” naquele local e defende que “tem de defender também os interesses” de quem ali vive e de quem ali trabalha.

“A minha luta é salvaguardar os direitos de todos”, conclui. “Os imigrantes têm direitos, os moradores também têm e os direitos deles não se sobrepõem aos direitos dos outros.”.

Natividade sublinha que tem “de defender também o espaço público, a segurança e a higiene na freguesia”, o que, “com esta sobrelotação de pessoas é muito mais complicado”, confidencia.

A partilha do espaço público

Mas porque é que a chegada de imigrantes compromete a saúde e higiene do espaço púbico? Madalena Natividade responde que a “imigração é necessária”, mas tem de “haver rigor na entrada de imigrantes” e “humanidade de acolhimento”, algo que “não está a acontecer”.

A presidente dá o exemplo do Jardim dos Anjos, local ocupado por tendas de imigrantes a pernoitar na rua. “Os moradores querem usufruir do espaço público e não há essa possibilidade e eu não posso permitir que as pessoas durmam na rua, ao relento, à chuva e ao frio.”

“Espero que não aconteça em Arroios, mas claro estamos preocupados”, Madalena Natividade, presidente da Junta de Arroios.

E continua a descrever as razões do conflito de interesses que ali estão em evidência. “Os moradores não podem passar ali porque têm uma sensação de insegurança, porque não podem ir à missa.”

E prossegue: “Os miúdos da catequese não podem fazer as atividades da catequese, e as pessoas que moram ali deixam de ter acesso ao espaço porque se está a ocupar os passeios. O espaço público, que é de todos, está ocupado por imigrantes que não estão a ter uma resposta nem humana, nem concreta. Portanto, o que está a falhar aqui é a resposta que não está a ser dada aos imigrantes.”

Madalena Natividade conclui que na base destes problemas que se sentem no terreno está “uma política de imigração ineficiente e, portanto, a consequência são os moradores que ficam restringidos no [acesso] ao espaço público”.

“Não posso permitir que isso continue a acontecer aqui na freguesia e diariamente”, argumenta.

A mesma autarca critica a ação das associações que lidam com os imigrantes na rua. “O meu trabalho é o de proporcionar condições para retirar as pessoas de rua, não é como estas associações, estes grupos ativistas, que andam por aí a defender que o espaço público é de todos, mas também temos que ver que se o espaço público é para todos, também é para os moradores”, argumenta.

“Não se pode só colocar ali tendas e pessoas a dormir ao relento, enquanto os moradores ficam com o lixo e com a sensação de insegurança”, detalha.

Xenofobia e racismo da junta de freguesia?

Para resolver o problema, a presidente da Junta de Arroios diz que no terreno estão diariamente equipas da Câmara Municipal de Lisboa e equipas da Santa Casa. A resolução dos problemas de falta de habitação, afiança, resolvem-se mais facilmente com quem está legal do que nos casos em que os imigrantes estão indocumentados.

No entanto, o problema já detetado há muito tempo no Jardim dos Anjos, naquela freguesia, não está a ser resolvido. A autarca concorda e explica que nos “três últimos meses tem estado a agravar-se, porque têm chegado mais imigrantes, principalmente situações de migrantes em situação irregular, o que vai acumular à situação que já existia”.

Madalena Natividade não receia que a atuação política da junta leve a acusações de racismo e xenofobia, porque, argumenta, ela própria viveu nas ex-colónias portuguesas. “Sei perfeitamente o que é vir para um país diferente e tentar uma integração. Portanto, nesse ponto consigo perfeitamente perceber. Mas também temos de entender que, para a imigração que vem, há regras e temos de nos submeter às regras e às leis do país”, sustenta.

Não tenho problema nenhum nessa questão do racismo e da xenofobia, portanto, estou muito tranquila com as decisões que tomei”, assume.

Em março deste ano, a Junta de Arroios impôs aos estrangeiros que ali moram, oriundos de países extracomunitários, que apresentem título de residência válido, em Portugal, para a obtenção do atestado de residência.

Na altura, a CDU, através de Íris Damião, membro da coligação e responsável pela freguesia de Arroios no âmbito da Direção da Cidade de Lisboa do Partido Comunista Português, defendeu, citada pelo DN, que não era obrigatório ter título de residência: “E, além disso, para conseguir ter título de residência, isso sim, é que é obrigatório ter atestado de residência. Por isso é que esta situação é tão grave.”

Sem o atestado de residência os cidadãos estrangeiros ficam sem poder aceder aos mais variados serviços, como por exemplo inscrever os filhos na escola, pedir o número de identificação fiscal [NIF] ou inscrever-se no Serviço Nacional de Saúde [SNS]. E, como não podem também aceder ao título de residência não podem, portanto, “legalizar a sua situação no nosso país”, reforçou Íris Damião ao mesmo jornal.

A Provedoria de Justiça recebeu uma queixa por discriminação e o anterior governo fala em extrapolação de competências e repudiou decisão da Junta de Arroios.

Para que serve uma convenção de jogos de tabuleiro?

Maio 15, 2024 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Artigo de opinião publicado no Público de 9 de maio de 2024.

Estar com pessoas que partilham a mesma paixão ou testar novas criações: estes são alguns dos motivos que levam aficcionados a convenções de jogos de tabuleiro.

Micael Sousa

Engenheiro apaixonado por história, que gosta de aplicar jogos de tabuleiro a tudo.

Algumas convenções de jogos de tabuleiro, especialmente as mais famosas do mundo, fazem-se há décadas. No nosso caso, também temos algumas, sendo a mais antiga de todas a Leiriacon, que assinalou este ano a sua 17.ª edição. Mas as convenções do Porto (Invictacon) e Aveiro (Riacon) seguem pelo mesmo caminho, com a convenção de Viana do Castelo (Vianacon) a ser uma das que mais rapidamente cresceu. Outras desapareceram, enquanto novas vão surgindo mais a Sul. Depois temos eventos semelhantes, com nomes que podem variar entre os encontros e os festivais de jogos.

Para além destes eventos de maiores dimensões, alguns com centenas de participantes, muitos outros, mais pequenos, acontecem todas as semanas em associações, colectividades, espaços públicos, cafés e muito mais. O fascínio pelos jogos de tabuleiro, especialmente os modernos, vai crescendo em Portugal.

Mas afinal porque se fazem estes eventos? Qual a razão para participar nestes encontros? Eu aponto dois motivos principais.

Primeiro porque se quer estar com pessoas que partilham a mesma paixão, num ambiente dedicado a este passatempo. Sendo uma comunidade que se espalha por todo o território nacional, por vezes são estes certames os únicos momentos para estar com outros aficionados. E jogar com certas pessoas, certos tipos de jogos, justifica fazer as viagens. Uma experiência de jogo pode gerar memórias que ficam para sempre e uma conversa apaixonada tem valor incalculável.

Depois, porque também é uma forma de conhecer novidades, pois estão constantemente a ser publicados novos jogos. Ainda assim, nem só de novidades vivem estes jogadores. As trocas, vendas e compras de usados assumem um papel relevante. Estes jogos, ao contrário dos jogos digitais, não ficam obsoletos. Alguns valorizam pela raridade até.

Existe depois um outro lado. Nas convenções, especialmente na Leiriacon, surge a oportunidade de estar com alguns dos mais conhecidos designers mundiais de jogos, de os conhecer pessoalmente e testar as suas novas criações. Mas, um pouco por todas as convenções, podemos experimentar os protótipos, podendo dar a nossa opinião aos criadores e editoras de jogos. É quase um processo de co-criação. Por outro lado, as convenções de jogos começam a ter também espaço para o lado mais sério dos jogos de tabuleiro, especialmente para os projectos aplicados (game-based learningserious games, gamificação). Dentro das conferências, especialmente na Leiriacon e na Vianacon, existem palestras, debates e workshops que mostram como os jogos estão a ser estudados, desenvolvidos e aplicados para áreas de educação, saúde, ambiente e muitas outras.

Três impactos negativos de ficar numa relação conflituosa pelo bem-estar dos filhos

Maio 10, 2024 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Delas de 4 de maio de 2024.

CARLA BERNARDINO

Sair para um divórcio ou para uma separação é sempre uma decisão muito difícil, ainda mais quando há filhos em comum. Mas ficar, ao contrário do que se possa pensar, pode ser tudo menos a melhor solução. Especialista explica três razões que podem ter impactos nas crianças a longo-prazo

Fim de um projeto de vida em comum, de um sonho ou de uma construção, mergulhar na decisão de uma separação ou divórcio é um processo árduo que implica confrontos com o outro, mas também consigo própria.

Se há filhos em comum, então ainda mais a decisão se torna pesada. Afinal, pretende-se o melhor para eles, mesmo sabendo que o projeto a dois ruiu. Não é por isso raro ouvir casais a adiar a separação, mesmo mediante uma relação conflituosa, infeliz ou mesmo em total rutura, sob o argumento de que é “melhor para o bem-estar dos filhos”. Mas será mesmo assim?

Uma opção desta natureza pode, como afirma a professora da Universidade do Iowa, nos Estados Unidos da América, e investigadora na área das relações interpessoais e comunicação familiar, Sylvia Mikucki-Enyart, “ter consequências a longo prazo, e muitas vezes negativas, que repercutem muito além da infância”.

Entre elas, a especialista – que estudou os impactos das relações conflituosas e separações de pais junto de filhos já adultos – enumera três consequências nefastas.

A primeira delas tem que ver com as alianças que os pais, sem se aperceberem, obrigam os filhos a fazerem. “Os progenitores muitas vezes não fazem um bom trabalho em esconder o desprezo que sentem pelo cônjuge quando estão mergulhados num casamento infeliz. Além disso, muitas vezes olham para os filhos como aliados, envolvendo-os em conflitos e criando uma aliança com eles, uma dinâmica ‘nós contra o outro progenitor”, refere Mikucki-Enyart no texto publicado na revista Psychology Today. Ora, defende a professora que tal leva a que “os filhos se sintam ‘presos’ entre os dois”, promovendo uma permanente sensação de traição e levando ao afastamento físico de ambos”. “Os investigadores descobriram que as crianças em famílias/casamentos altamente conflituosos e que se mantêm sentem-se muitas vezes apanhados neste meio”, refere a especialista.

Por outro lado, a professora associada alerta para uma parentalização das crianças, “fazendo com que os filhos assumam muitas vezes os papéis de adultos”, antes de tempo, claro. “Ora, devem por isso ser evitadas informações desadequadas, discussões, conversas entre ambos e, claro, o desprezo”. “Não é de surpreender que a parentalização emocional tenha efeitos negativos e duradouros nas crianças, incluindo falta de equilíbrio emocional, relacionamentos difíceis com colegas, dissociação e depressão”, alerta Sylvia Mikucki-Enyart.

Por fim, no terceiro eixo, o exemplo que é dado a um menor daquilo que devem ser os relacionamentos para o futuro. “Quando os pais permanecem num casamento infeliz ‘pelos filhos’, é criado de forma inadvertida um modelo de como são as relações e o amor, preparando os filhos para o fracasso, incluindo a permanência em relacionamentos infelizes porque ‘é assim que as coisas acontecem”.

Modelos que arriscam uma repercussão mais tardia porque as crianças que crescem nestes ambientes “não dispõem” dos mesmos mecanismos de “resolução de conflitos e de comunicação deficiente”, levando a “impactos duradouros e a influenciar a capacidade das crianças de desenvolverem e, sobretudo, de manterem relações saudáveis e satisfatórias com parceiros românticos e amigos”, conclui a investigadora e professora norte-americana.

Mais de metade dos crimes sexuais contra menores em 2023 foram cometidos por familiares

Maio 9, 2024 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Diário de Notícias de 6 de maio de 2024.

Os números chegam a cerca de 65% quando incluídas outras pessoas do círculo próximo das crianças, como vizinhos, professores ou treinadores, avança diretor nacional adjunto da PJ. Primeiro trimestre deste ano indicia um aumento de casos face ao ano anterior.

No que toca ao abuso sexual de crianças e jovens, o maior inimigo continua a estar “dentro de portas”. Mais de metade (cerca de 51%) dos crimes sexuais contra menores investigados pela Polícia Judiciária em 2023 foram cometidos no seio da família, segundo dados avançados ao Diário de Notícias pelo diretor nacional adjunto da PJ, Carlos Farinha. Se acrescentarmos a esses os casos a envolver vizinhos, professores, treinadores ou outras pessoas dos círculos habituais das crianças, constata-se que cerca de 65% da criminalidade sexual contra menores no ano passado aconteceu em contexto de proximidade.  

“Há uma percentagem muito elevada de crimes encetados em contexto de proximidade, seja familiar, geográfica ou funcional. Mais de metade dos crimes acontecem em contexto familiar, seja o contexto familiar direto, os próprios pais, ou indireto mas próximo, como sejam avós ou tios. Depois há o chamado grupo de proximidade geográfica, como vizinhos, e o grupo de proximidade funcional, onde se incluem professores, treinadores, orientadores, líderes de grupo, etc. Ou seja, na maior parte dos crimes existe uma relação prévia à situação abusiva”, descreve o diretor nacional adjunto da PJ, responsável pelo Observatório da Criminalidade Sexual, inserido no seio daquela polícia.

E se a criminalidade sexual, no seu todo (adultos e crianças), representa já cerca de 10% dos crimes investigados pela PJ, “65% a 70% desses casos dizem respeito a abusos sexuais de menores”, revela. Um tipo de crime que, admite, “tem uma dimensão preocupante, que nos envergonha e que gostávamos de ver reduzida substancialmente”.

Nos últimos dois anos, adianta, a média do número de menores vítimas de crimes sexuais “andou na ordem dos 2300 por ano” e, segundo informação disponibilizada pela Polícia Judiciária em relação ao primeiro trimestre de 2024, ainda sem dados oficiais consolidados, a tendência registada denota um aumento relativamente a período homólogo do ano passado.  

“A criminalidade sexual que investigámos andará muito próxima da criminalidade sexual total que está sinalizada pelo sistema, porque todos os crimes de natureza sexual são investigados pela PJ. Outra questão é saber se esta realidade compreende cifras negras muito acentuadas”, diz o diretor nacional adjunto da PJ. Por “cifras negras” entendam-se as “situações que não chegam ao sistema”. “Por exemplo, os crimes sexuais na Igreja estiveram durante muitos anos nas cifras negras, não estavam sinalizados”, ilustra.

Desde 2007, “quando houve alteração da natureza legal do crime de abuso sexual de menores e este passou a ser um crime público”, a investigação de crimes sexuais contra crianças e jovens não carece de queixa, apenas de sinalização pelo sistema. “E obrigatoriamente é aberto processo e investigação criminal”, lembra.

Isso permitiu que as sinalizações destes casos tenham origens cada vez mais diversificadas. “Antigamente, eram reportados sobretudo pelas mães das vítimas menores, por vezes pelos pais. Mas hoje as sinalizações estão muito mais pulverizadas, vêm de todas as partes do sistema”, vinca Carlos Farinha.

 “Desde família a escola, hospitais, vizinhança ou até de forma anónima”, o que alargou os canais de denúncia. A PJ, garante, está “atenta a todas as sinalizações, mesmo que indiquem apenas a possibilidade de crime e não probabilidade de crime. Essa prova depois decorrerá da investigação”. Para ajudar a gerir de forma mais eficiente e rápida as sinalizações recebidas, a PJ está “a desenvolver um instrumento que permita categorizar a perigosidade das sinalizações, uma tabela de risco para caracterizar as situações e as acompanhar melhor”, revela.

Perfil das vítimas e dos abusadores

Carlos Farinha alerta que neste domínio da criminalidade sexual contra menores estão incluídas “vítimas de grupos etários muito baixos”. Cerca de 3% a 5% dos casos dizem respeito a crimes cometidos contra bebés ou crianças até aos três anos. Mas a maioria dos casos ocorre com crianças entre os 8 e os 13 anos. “No perfil das vítimas, há duas características predominantes: o sexo feminino e essa faixa etária dos 8 aos 13.”

Já quanto aos agressores sexuais de menores, embora seja um leque que contempla vários perfis diferentes, o retrato tipo está também identificado: “Tipicamente do sexo masculino e entre os 31 e os 50 anos.” Quanto à estratificação social deste tipo de crime, o diretor nacional adjunto da PJ refere que “há um perfil transversal, não é exclusivo ou maioritário desta ou daquela classe”.

Aumento dos crimes online

Uma tendência evidente nos últimos anos – e que sofreu um aumento exponencial no primeiro ano da pandemia de covid-19, com os confinamentos a que obrigou – é o aumento dos crimes sexuais no ambiente virtual. “Se os abusos cometidos em contexto familiar continuam a ser os predominantes, os crimes no contexto digital têm vindo a ganhar muito terreno”, sublinha Carlos Farinha.

“Há alguns anos esse tipo de situações estava muito circunscrito a imagens de pornografia infantil. Aos poucos isso deixou de ser a ameaça exclusiva, ou principal, e hoje temos uma explosão de casos de partilha de intimidade online por parte dos jovens que podem gerar situações de coação e extorsão”, constata, realçando a massiva utilização das redes sociais por parte de menores que muitas vezes não estão cientes dos “cuidados de utilização a ter” e acabam por ser presas fáceis para “predadores sexuais online”. “Neste ambiente, há também o fenómeno de jogos onde os utilizadores vão sendo seduzidos a conquistar poderes através de partilhas de imagens. E do outro lado, muitas vezes, não está um mero jogador como eles, mas sim um predador sexual”, alerta, realçando a importância da cooperação internacional para detetar em ambiente virtual situações de conteúdos que possam ser considerados pedopornográficos: “Europol, FBI e Polícia brasileira, sobretudo, são parceiros importantes.”

Carlos Farinha apela a pais e educadores para “criarem o mais possível canais de diálogo com os menores, para não os deixar em situações de segredo e silêncio, em circunstâncias de isolamento online, sem acompanhamento vigilante ou atenção aos comportamentos do menor. Esse é o terreno onde se alimentam os casos de abusos”.

Submissão química: cuidado com as bebidas

Outro tipo de criminalidade sexual contra jovens a aumentar de incidência, adverte o diretor nacional da PJ, é “aquilo a que os espanhóis chamam submissão química”. Ocorre sobretudo em “ambientes de festas de jovens e envolve a utilização de substâncias químicas, geralmente colocadas nas bebidas das vítimas com intencionalidade e estratégia”, para deixar as vítimas “num estado de quase inconsciência, em que não têm controlo das suas ações nem da sua vontade”.

Sem avançar números, refere que “tem havido alguns casos e com ligeira tendência de aumento” neste tipo de criminalidade sexual. “É importante os jovens terem controlo constante sobre as bebidas que consomem”, acrescentando que estas situações têm um problema acrescido para investigação, “pois a janela para detetar a presença toxicológica é de apenas algumas horas”. “E com toda a evolução que tem existido na investigação e no contacto com as vítimas sabemos que quanto mais rápido for a sinalização das situações de criminalidade sexual melhor pode ser a investigação. A recolha de indícios e sinais biológicos é muito importante nas primeiras horas.”

Entrevista a Rute Agulhas, psicóloga

“A relação prévia de confiança torna mais difícil às crianças revelarem a agressão”

Nos abusos sexuais de menores, o facto de em grande parte dos casos o perigo estar dentro de portas, no ambiente familiar, leva a que seja mais difícil a vítima expor/denunciar o caso?

Sim, na maior parte das situações o agressor é uma pessoa próxima da criança, com quem esta mantém uma relação de confiança e familiaridade. A existência desta relação prévia de confiança acresce as dificuldades da vítima em revelar, na medida em que também potencia conflitos de lealdade. Para além dos sentimentos de culpa e de vergonha que são muito frequentes nestas situações, as vítimas também receiam eventuais consequências negativas para si mesmas, para terceiros e também para o agressor. 

Como podemos perceber que algum menor está a ser vítima de abuso sexual? A que sinais devemos estar atentos?

No que respeita à sintomatologia do trauma, são frequentes sinais e sintomas persistentes, disruptivos e patológicos, físicos, emocionais, cognitivos e comportamentais. No entanto, importa destacar que muitas crianças são assintomáticas, ou seja, não evidenciam alterações significativas no seu padrão de funcionamento.
A nível físico, destacam-se as alterações nos padrões de sono e alimentares, a inibição/lentidão de movimentos, náuseas, alterações gastrointestinais, arrepios, tensão muscular, tremores, dores no corpo, alterações na forma de respirar, alteração no ritmo cardíaco e tonturas.
A nível emocional surgem frequentemente sentimentos de tristeza, medo, preocupação, culpa, raiva, vergonha e ansiedade. Muitas crianças evidenciam ainda alterações de humor. Do ponto de vista cognitivo, observa-se com elevada frequência uma sensação de desesperança e confusão mental, pensamentos negativos, autocrítica e baixa perceção de controlo e eficácia, a par de dificuldades de atenção e concentração, alterações na memória, dificuldade em tomar decisões e distorções cognitivas. São especialmente frequentes e disruptivas as memórias recorrentes e intrusivas do evento traumático.
Por fim, a nível comportamental surgem frequentemente crises de choro, evitamento de atividades que antes geravam prazer e também de novas atividades, incapacidade em lidar com tarefas diárias, comportamentos de maior passividade ou agressividade, isolamento social e comportamentos autolesivos.

É um tipo de crime mais frequente em algum estratos social ou transversal a todas as camadas sociais?
É transversal às camadas sociais.

Que tipo de impactos/consequências são mais frequentes na vida de uma pessoa que foi abusada sexualmente em criança? 
A violência sexual em crianças tem frequentemente um impacto negativo, a curto, médio ou longo prazo, quer na vítima, quer na sua família e comunidade. As vítimas de violência sexual são, no entanto, um grupo muito heterogéneo, variando entre vítimas assintomáticas (estima-se que as vítimas assintomáticas na infância e adolescência variem entre 10% e 53%) e outras que evidenciam diferentes tipos de sequelas de severidade variável, que podem manifestar-se durante curtos períodos de tempo e resolver-se sem necessidade de intervenção ou, pelo contrário, persistir durante a adolescência e a fase de vida adulta. De uma forma geral, podemos afirmar que o trauma afeta a sensação de segurança, a estabilidade e a confiança, ao mesmo tempo que destrói a compreensão que a pessoa tem do seu meio ambiente. Algumas crianças que vivenciam um evento traumático apresentam apenas alguns sinais ou sintomas passageiros, enquanto outras preenchem critérios de perturbação pós-stresse traumático [PPST]. 

Como se recupera uma criança vítima desta situação?
A intervenção psicoterapêutica com crianças vítimas de violência sexual deve decorrer em paralelo com uma intervenção junto dos pais/cuidadores ou outros elementos do sistema familiar, não agressores, sendo que a capacidade parental em lidar eficazmente com a situação traumática é um forte preditor de resultados positivos após a exposição a um evento traumático. O envolvimento parental ativo é uma variável mediadora do processo de ajustamento das crianças e permite-lhes sentirem-se acreditadas, reconhecidas e apoiadas como vítimas, recuperando a confiança nos adultos e no meio envolvente. 

Papa lembra menores que são vítimas da guerra

Maio 8, 2024 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia da Agência Ecclesia de 14 de abril de 2024.

Francisco convoca «todos» para Jornada Mundial das Crianças, que vai decorrer a 25 e 26 de maio

Cidade do Vaticano, 14 abr 2024 (Ecclesia) – O Papa recordou hoje, no Vaticano, todos os menores que são vítimas da guerra, na Ucrânia, Palestina, Israel, Myanmar e “noutras partes do mundo”.

“Rezemos por elas e pela paz”, pediu aos participantes no encontro dominical de oração, que decorreu na Praça de São Pedro.

Francisco convidou à promoção da primeira Jornada Mundial das Crianças, que vai decorrer em Roma, entre 25 e 26 de maio, em ligação com as dioceses dos cinco continentes.

“Espero por vocês, por todos. Temos necessidade da vossa alegria, do vosso desejo de um mundo melhor, de um mundo em paz”, disse às crianças, deixando um convite a “acompanhar, com a oração, o caminho para este acontecimento”.

A reflexão do Papa, antes da recitação do ‘Regina Coeli’, foi dedicada à importância de partilhar a fé.

“Há uma coisa de que muitas vezes temos dificuldade em falar. É, paradoxalmente, a coisa mais bela de que temos de falar: o nosso encontro com Jesus. Ver como o Senhor nos tocou…. É importante partilhar isso na família, na comunidade, com os amigos”; recomendou.

Francisco destacou que as pessoas são “bombardeadas por milhares de mensagens”, diariamente.

“Muitas são superficiais e inúteis, outras revelam uma curiosidade indiscreta ou, pior ainda, nascem de bisbilhotices e maldade. São notícias que não servem para nada, pelo contrário, fazem mal”, alertou.

O Papa convidou a valorizar as “notícias boas, positivas e construtivas”.

“É bom falar das boas inspirações que nos orientaram na vida, dos pensamentos e sentimentos que surgiram quando nos colocamos diante de Deus, e também dos esforços e dificuldades que enfrentamos para entender e progredir no caminho da fé, talvez até para nos arrependermos e voltar atrás”, indicou.

Francisco convidou todos os presentes na Praça de São Pedro a um momento de silêncio, para lembrar um “momento marcante” da própria vida de fé.

“Que Nossa Senhora nos ajude a partilhar a fé, para tornar as nossas comunidades cada vez mais lugares de encontro com o Senhor”, referiu.

Após a oração, o Papa assinalou o 100.º Dia Nacional da Universidade Católica na Itália, destacando a sua missão na formação dos jovens.

OC

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