Batia na filha de 4 anos e chamava-lhe “porca”. Relação de Évora ilibou-o

Maio 8, 2024 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , , ,

Notícia do Notícias ao Minuto de 29 de abril de 2024.

Os juízes consideraram que “o direito penal não pode ser colocado ao serviço da evolução das mentalidades no que diz respeito a questões pedagógicas”, apontando que “só assume relevância criminal o castigo que, por se revelar desproporcionado e imoderado, ultrapassa o poder/dever de correção dos pais sobre os filhos socialmente aceite”.

Um homem que, em 2023, foi condenado por violência doméstica contra a companheira e contra a filha de 4 anos, que esbofeteava e chamava de “porca”, foi ilibado pelo Tribunal da Relação de Évora, que considerou que o propósito do arguido “era pedagógico e situava-se ainda dentro do dever de correção”.

“Nunca resultaria, a nosso ver, que, com as expressões que dirigiu à filha ou com a bofetada que, numa concreta circunstância lhe desferiu, o recorrente pretendesse ofendê-la, ameaçá-la ou maltratá-la corporalmente. De outra sorte, estamos convencidos que o propósito que o recorrente visava alcançar com tais condutas era pedagógico e situava-se ainda dentro do dever de correção, independentemente dos juízos valorativos que possamos fazer acerca da adequação da linguagem utilizada ou dos métodos educacionais postos em prática”, lê-se no acórdão, datado de 20 de fevereiro deste ano.

Os juízes consideraram inclusivamente que “o direito penal não pode ser colocado ao serviço da evolução das mentalidades no que diz respeito a questões pedagógicas”, apontando que “só assume relevância criminal o castigo que, por se revelar desproporcionado e imoderado, ultrapassa o poder/dever de correção dos pais sobre os filhos socialmente aceite”.

“As condutas imputadas ao recorrente na sentença – consubstanciadas em chamar à sua filha de quatro anos ‘porca’, em dizer-lhe ‘vais levar nas trombas, porca’ e em ter-lhe desferido uma bofetada, que não lhe deixou quaisquer marcas, quando a mesma saiu a correr de casa em direção à estrada – passam os crivos da moderação e da proporcionalidade, pelo que sempre se encontrariam abrangidas pelo poder/dever de correção, devendo considerar-se socialmente adequadas, o que as tornaria penalmente atípicas”, lê-se ainda.

É que, no dia 17 de junho de 2021, “o arguido desferiu uma estalada na cara da menor”, depois de a menina ter saído em direção à estrada, por ter visto a avó no exterior.

Para a Relação, o contexto do episódio, que é “revelador da situação de perigo em que a criança se colocara, […] pode perfeitamente indiciar que a atitude do pai tenha sido impulsiva e que tenha revestido caráter pedagógico”.

No entanto, o homem “sempre” terá mantido “um comportamento agressivo e austero com a menor”. Se a criança sujasse a roupa, a mesa ou o chão a comer, chamava-lhe ‘porca’. E mais: se entrasse em casa e não trocasse de sapatos, o pai “começava aos gritos com ela e a dizer-lhe ‘vais levar nas trombas, porca’”.

A mãe da menina, que viveu com o arguido entre 2016 e 18 de junho de 2021, também era alvo de ameaças por parte do companheiro. Quanto o chamava à atenção pela forma agressiva como falava com a filha, o homem respondia-lhe: “Não te metas, senão quem leva és tu.”

De acordo com o documento, o arguido referia-se frequentemente à mulher como “má mãe”, considerando que não sabia “fazer nada”.

“Na sequência de discussões ocorridas entre o casal dizia à ofendida ‘és uma puta, uma porca’. Tais situações ocorriam quer na residência do casal como à frente dos familiares de ambos. Depois do nascimento da menor DD, se a ofendida não quisesse ter relações sexuais, o arguido dizia-lhe ‘és uma puta’ e insinuava que era porque tinha outra pessoa. Com o deteriorar da relação, e sempre que o arguido e a ofendida falavam de se separar, aquele dizia-lhe ‘sais, mas os meninos ficam’ e que ‘lhe retirava os filhos’”, complementou.

A situação foi corroborada pelos pais da vítima. Contudo, na ótica do Tribunal da Relação de Évora, os avós da menina “apenas descrevem situações normais de qualquer relacionamento pai/filho no que à educação diz respeito”.

“Relatam episódios referentes a alimentação e, a tentativa do progenitor de que a menor desse primazia a alimentos saudáveis em detrimento de outros menos saudáveis; episódios em que o pai tenta fazer a criança compreender a figura de autoridade e impor regras de forma compreensível para a criança e adequada. Manifestam estas testemunhas uma visão bastante permissiva dos comportamentos da menor, sem a imposição de regras, nem respeito pelas regras imposta pelo progenitor”, lê-se.

Assim, o homem, que tinha sido condenado a uma pena única de dois anos e 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de três anos, e ao pagamento de uma indemnização de 1.500 euros à ex-companheira e de 1.250 euros à filha, foi absolvido dos crimes.

O Acórdão de 20 de fevereiro de 2024 pode ser consultado aqui

Bebé abandonado com queimadura de cigarro

Maio 6, 2024 às 12:00 pm | Publicado em O IAC na comunicação social | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , , ,

Notícia do Record Europa de 26 de abril de 2024.

Por Catarina Caseirito

Menino de cinco meses foi acolhido no Hospital de Santa Maria.

Não se sabe há quanto tempo aconteceu, mas a história não deixa de ser comovente pelo final feliz que teve.

Foi agora divulgada pela Unidade Local de Saúde do Santa Maria.

Na publicação chamam-lhe Nuno, um nome fictício para se referirem a um bebé de apenas cinco meses, que não teve um começo de vida fácil.

Foi deixado pelos pais biológicos a um casal vizinho envolto num saco de plástico que lhe substituía a fralda.

Apresentava uma mancha debaixo do olho esquerdo, marca de uma queimadura de cigarro que por pouco não o cegou.

Filho de um pai toxicodependente e de uma mãe que se ausentava para se prostituir, foi tratado no hospital de Santa Maria.

A história deste bebé foi apresentada como exemplo pelo Instituto de Apoio à Criança, numa conferência realizada pelo Hospital de Santa Maria no âmbito do mês da prevenção dos maus-tratos na infância. 

O trabalho do Núcleo de Apoio à Criança e Jovens do Hospital permitiu que a família que acolheu o bebé encontrasse apoio para avançar no processo da sua custódia e segurança. 

O hospital escreve no comunicado que hoje o bebé vive com os novos pais, que lhe trocaram o saco de plástico por uma fralda e as queimaduras de beatas de cigarros por amor.

Criado em 1990, o Núcleo de Santa Maria foi pioneiro em Portugal. Em 2023, foram a eles sinalizadas 258 casos.

Bebe abandonado em saco plástico e queimado com cigarro

Maio 3, 2024 às 8:00 pm | Publicado em O IAC na comunicação social | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , , ,

Notícia do Correio da Manhã de 26 de abril de 2024.

Violência na Infância

Abril 24, 2024 às 12:00 pm | Publicado em O IAC na comunicação social, Vídeos | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , , , , ,

Reportagem do Jornal da Tarde de 3 de abril de 2024. Visualizar o vídeo aqui a partir do minuto 32.50

 I Jornadas da CPCJ de Alenquer, 12 de abril

Abril 4, 2024 às 12:00 pm | Publicado em Divulgação | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , ,

Mais informações aqui

II Encontro “Violência – Situações Prevalentes e Emergentes” 19 de abril em Torres Novas

Abril 2, 2024 às 6:00 am | Publicado em Divulgação | Deixe um comentário
Etiquetas: , , ,

Mais informações aqui

ONU alerta para iminente fome infantil em Gaza e reforça pedido de cessar-fogo

Março 26, 2024 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , , , , ,

Notícia da ONU News de 21 de março de 2024.

Com crianças em risco de fome e aumento dos danos em Gaza, ONU pede ação urgente; secretário-geral reforça necessidade de cessar-fogo e condena violações de direitos humanos; agência das Nações Unidas aponta aumento significativo na destruição de edifícios.

Com crianças enfrentando fome iminente no norte e outras em toda a Faixa de Gaza em perigo de insegurança alimentar catastrófica, o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança emitiu uma declaração nesta quinta-feira repetindo seu apelo por um cessar-fogo imediato. 

O texto aponta que o “poder ocupante” bloqueou ou restringiu severamente o fornecimento de alimentos e outros suprimentos e ajuda essenciais. Os autores lembram que já foram registradas 27 mortes de crianças por desnutrição e desidratação  na região, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.

Proteção dos civis

Em Bruxelas, o secretário-geral da ONU, António Guterres, também destacou a necessidade de cessar-fogo em Gaza. Ele falou à imprensa após encontro com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. 

Em rápida declaração, o chefe da ONU voltou a condenar os “ataques terroristas de 7 de outubro” e “outras violações do direito internacional humanitário por parte do Hamas”. Ele também condenou o número de vítimas civis em Gaza, que afirma ser “sem precedentes” em seu tempo como secretário-geral.

Guterres adicionou que “o princípio básico do direito internacional humanitário é a proteção dos civis”. 

Fome em Gaza

Alertando que o número real de mortes por inanição deve ser “significativamente maior” e pode aumentar, o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança cita dados que apontam que uma em cada três crianças com menos de dois anos de idade no norte da Faixa de Gaza sofre de desnutrição aguda, um aumento acentuado em relação aos 15,6% registrados em janeiro.

Com a última projeção dos especialistas da Classificação da Fase de Segurança Alimentar Integrada, IPC, os autores alertam para o agravamento da situação com a intensificação do conflito, especialmente com o aumento da violência em Rafah, na região do sul de Gaza, 

O comitê aponta que “ações deliberadas, como o bloqueio e a restrição da ajuda humanitária, parecem ser calculadas para provocar a destruição física das crianças palestinas”.

Assim, o texto faz referência à decisão provisória da Corte Internacional de Justiça, CIJ, em 26 de janeiro de 2024, que considerou “plausíveis” algumas reivindicações de direitos da África do Sul nos termos da Convenção sobre Genocídio. 

Segundo a declaração, desde a ordem da CIJ até 19 de março, uma média de mais de 108 palestinos foram mortos e outros 178 ficaram feridos todos os dias em Gaza, entre eles crianças. A possível invasão de Rafah colocaria a vida de 600 mil menores em risco imediato e atingindo rapidamente o ponto de ruptura da fome.

Negociações para cessar-fogo e apoio humanitário

Ao mesmo tempo em que reitera seus apelos para que as demais crianças mantidas como reféns sejam libertadas imediatamente, o Comitê também pede a todas as partes, incluindo a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança, um cessar-fogo humanitário imediato para proteger a vida de centenas de milhares de crianças inocentes. 

Nesta quinta-feira, o Conselho de Segurança deve voltar a debater o assunto e deliberar sobre uma proposta de resolução apresentada pelos Estados Unidos. De acordo com agências de notícias, a diplomacia americana apresenta no texto um pedido de “cessar-fogo imediato”.

Enquanto isso, seguem os relatos de bombardeios no enclave, inclusive em Rafah, onde cerca de 1,5 milhão de pessoas buscam refúgio desde outubro. No norte, há relatos de combates nas imediações do hospital Al Shifa. 

Financiamento da Unrwa e investigações

O Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança ainda pede aos Estados que retomem e reforcem o financiamento da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina, Unrwa, e solicitam a abertura de várias passagens de fronteira terrestre para permitir o aumento maciço da entrega de ajuda em toda a área, inclusive no norte de Gaza.

Nesta semana, o secretário-geral da ONU, António Guterres, recebeu conclusões preliminares de um painel independente que conduziu uma avaliação da Unrwa. A avaliação segue sérias alegações sobre o suposto envolvimento de funcionários da agência no ataque a Israel em 7 de outubro pelo Hamas, que estão sendo investigadas pelo Escritório de Serviços de Supervisão Interna da ONU.

Em nota, o escritório do chefe da ONU afirma que a Unrwa tem em vigor um “número significativo de mecanismos e procedimentos para garantir a conformidade com o Princípio Humanitário da neutralidade”.

O grupo de revisão agora desenvolverá recomendações sobre como abordar essas áreas críticas para fortalecer e melhorar a agência. O secretário-geral recebeu oficialmente o relatório provisório ainda nesta quarta-feira. A versão final será apresentada em 20 de abril e será tornada pública. 

35% dos edifícios afetados na Faixa de Gaza

Também nesta quinta-feira, o Centro de Satélites das Nações Unidas, Unosat, divulgou uma avaliação atualizada dos danos infligidos aos edifícios na Faixa de Gaza. Essa análise, baseada em imagens de satélite de altíssima resolução coletadas em 29 de fevereiro de 2024, revela um aumento significativo na destruição em comparação com as anteriores.

Na avaliação da agência, 35% de todos os edifícios na Faixa de Gaza foram danificados. Houve um aumento de quase 20 mil estruturas danificadas em comparação com a avaliação anterior realizada em janeiro de 2024.

As províncias de Khan Yunis e Gaza registraram o aumento mais significativo nos danos. Além do número de edifícios deteriorados, a atualização estima 121,4 mil unidades habitacionais afetadas pela destruição na Faixa de Gaza. 

Mais crianças mortas em quatro meses em Gaza que em quatro anos de conflitos no mundo

Março 24, 2024 às 4:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , , , ,

Notícia do Comunidade Cultura e Arte de 13 de março de 2024.

Mais crianças foram mortas na Faixa de Gaza em quatro meses de guerra com Israel que em quatro anos de conflitos em todo o mundo, afirmou ontem o diretor da Agência da ONU para os Refugiados Palestinianos (UNRWA).

“É impressionante. O número de crianças presumivelmente mortas em apenas quatro meses em Gaza é superior ao número de crianças mortas em quatro anos em todos os conflitos do mundo”, escreveu Philippe Lazzarini na rede social X (antigo Twitter), condenando uma “guerra contra as crianças”.

A sua mensagem refere-se aos dados das Nações Unidas, segundo os quais 12.193 crianças foram mortas em conflitos em todo o mundo entre 2019 e 2022.

O responsável da UNRWA comparou esses números com os divulgados pelo Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo movimento islamita palestiniano Hamas, indicando que mais de 12.300 crianças foram mortas no território palestiniano entre 07 de outubro do ano passado e o fim de fevereiro deste ano.

“Esta guerra é uma guerra contra as crianças. É uma guerra contra a sua infância e o seu futuro”, declarou Lazzarini.

A 07 de outubro do ano passado, combatentes do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) – desde 2007 no poder na Faixa de Gaza e classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel – realizaram em território israelita um ataque de proporções sem precedentes desde a criação do Estado de Israel, em 1948, fazendo 1.163 mortos, na maioria civis, e cerca de 250 reféns, 130 dos quais permanecem em cativeiro, segundo o mais recente balanço das autoridades israelitas.

Em retaliação, Israel declarou uma guerra para “erradicar” o Hamas, que começou por cortes ao abastecimento de comida, água, eletricidade e combustível na Faixa de Gaza e bombardeamentos diários, seguidos de uma ofensiva terrestre ao norte do território, que depois se estendeu ao sul.

A guerra entre Israel e o Hamas, que hoje entrou no 158.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza pelo menos 31.184 mortos, mais de 72.000 feridos e cerca de 7.000 desaparecidos presumivelmente soterrados nos escombros, na maioria civis, de acordo com o último balanço das autoridades locais.

O conflito fez também quase dois milhões de deslocados, mergulhando o enclave palestiniano sobrepovoado e pobre numa grave crise humanitária, com toda a população afetada por níveis graves de fome que já está a fazer vítimas, segundo a ONU.

Sessão de Abertura do Mês da Prevenção dos Maus Tratos na Infância, 2 abril no Pavilhão do Conhecimento

Março 21, 2024 às 6:00 am | Publicado em Divulgação | Deixe um comentário
Etiquetas: , , , ,

Inscrições aqui até 29 de março

A criança como vítima de violência doméstica – o colo da lei

Março 20, 2024 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
Etiquetas: , , ,

Artigo de opinião de Paulo Guerra publicado no Ponto SJ de 11 de março de 2024.

  1. «No princípio era o Verbo».

Ou o número.

Que reproduz os rostos e a realidade nua e crua da espuma dos dias.

Partimos sempre dos dados estatísticos que nos envergonham e nos devem preocupar pois só teorizamos porque há sujeitos envolvidos e casos reais.

Crianças e jovens assistiram a mais de 84 mil casos de violência doméstica em oito anos – nos últimos oito anos 13.133 crianças foram tocadas pela violência doméstica e muitas mais assistiram a situações de violência na família.

Mas falamos aqui nesta sede de que tipo de vítimas?

  1. Exatamente, porque sofrem maus tratos físicos e psíquicos e estão sujeitas a comportamentos que afetam gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional, as crianças tocadas, mais de longe ou mais de perto, pela violência doméstica são crianças em perigo [à luz do artigo 3º/2, alíneas b) – sofre maus tratos físicos e psíquicos – ou f) – fica sujeita a comportamentos que afetam gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional – da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, doravante LPCJP].

Se a criança presenciou violência, está em perigo à luz do artigo 3º/2 b) – mal estar psíquico – e f) da LPCJP.

Se a criança foi batida, bastará para classificar o perigo a alínea b) do artigo 3º, n.º 2 da LPCJP.

O objetivo primordial tem de ser, pois, a proteção destas crianças.

Sabemos que muitas vítimas de violência doméstica, incluindo crianças, sofrem traumas profundos.

A sua vida, se o evento traumático não for tratado, passa a ser organizada de forma condicionada, como se o que causou o trauma ainda estivesse a acontecer, sem alteração e com a mesma intensidade. É isso que define, de forma simples, um evento traumático.

Como alguém já escreveu, cada nova experiência é contaminada pelo evento passado, como se uma gota de petróleo tivesse caído numa bacia de água límpida.

E temos por adquirido que a violência doméstica interfere negativamente na parentalidade, designadamente (como bem nos ensina o psicólogo Mauro Paulino), face ao facto de os cuidadores vítimas se apresentaram emocionalmente distantes, indisponíveis ou incapazes de satisfazer as necessidades dos seus filhos (como forma de evitar a violência, as mães – usualmente as mais violentadas – priorizam a satisfação das necessidades dos parceiros.

Porque os danos físicos se curam mas o sofrimento emocional tende a permanecer toda a vida e porque a criança necessita de uma vinculação segura, assentemos de vez que a exposição à violência afeta o seu saudável desenvolvimento, quer seja violentado em termos físicos, quer assista a tais cenas violentas.

Como bem acentua António Castanho:

Ao contrário de experiências traumáticas de episódio único, como acidentes, catástrofes naturais e outras em que o estímulo ocorre e a vítima pode ter uma resposta adaptativa adequada (fugir/enfrentar/congelar) que pode ser desativada, após o perigo passar, na violência doméstica isso não acontece.

No caso da violência doméstica, a vítima é constantemente “bombardeada” com estímulos que ativam os mecanismos associados ao stress e não pode acionar os mecanismos de fuga/enfrentamento ou congelamento, pois está aprisionada, sem possibilidade de procurar solução imediata.

Isto é particularmente grave nas crianças, pois a constante ativação dos mecanismos de resposta ao stress pode causar danos na estrutura cerebral, em desenvolvimento, com todas as consequências associadas.

E ensina-nos a Ciência, com aturados e rigorosos estudos empíricos:

Crianças que crescem em famílias afetadas por violência e abuso doméstico têm:

  • Um risco maior de problemas de saúde mental ao longo da vida;
  • Risco aumentado na saúde física;
  • Risco de abandono escolar e outros desafios educacionais;
  • Risco de envolvimento em comportamentos criminais e dificuldades interpessoais em relacionamentos e amizades futuras;
  • São também mais propensos a sofrer e a praticar bullying e são mais vulneráveis ao abuso e exploração sexual, além de maior probabilidade de se envolverem em relacionamentos violentos.

De acordo com Ana Isabel Sani, os estudos realizados apontam para a seguinte conclusão:

As crianças expostas à violência parental têm mais problemas comportamentais, exibem afeto significativamente mais negativo, respondem menos apropriadamente às situações, mostram-se mais agressivas com os pares (e.g., situações de bullying) e têm relacionamentos mais ambivalentes com as pessoas que delas cuidam do que as crianças de famílias não violentas.

  1. Por tudo isto, é que se impõe uma conclusão que penso ser indubitável e incontornável:
  • Cada vez mais se tem entendido, e BEM, que uma criança deve ser considerada vítima DIRETA – e não só vicariante – de violência doméstica quando é exposta ao crime e não apenas quando é a destinatária principal da violência exercida.


A consequência de se ter inventado algo que são os filhos “vítimas indiretas” é devastadora, havendo, agora, muita, demasiada, injustificada, demora em emendar a mão.

Por isso, o melhor caminho é considerar a criança como vítima (caindo por terra os epítetos «direta» e «indireta») quando assiste a cenas de violência em casa.

A criança que presencia, ouve ou percepciona a violência exercida por um dos progenitores contra o outro, com muito mais acuidade quando esses atos de violência são sistemáticos e se prolongam ao longo de meses e até anos, encontra-se numa situação de vitimização tão ou mais grave do que aquela que é vivenciada pelo próprio progenitor a quem são, em primeira linha, direcionados os atos violentos.

Vem sendo notado que entre testemunhar a violência no seio familiar ou para-familiar e ser vítima de outro tipo de maus-tratos, que lhe sejam diretamente dirigidos, existe uma confluência dos efeitos nefastos para a saúde mental da criança.

Por isso:

  • Quando um homem agride a sua companheira/mulher, mãe de seus filhos, na presença destes, estamos, pois, perante um concurso efetivo de dois crimes de violência doméstica, um em que é vítima o progenitor, agravado pela circunstância de os fatos terem sido cometidos na presença da criança, integrando a previsão do art. 152.º, n.º 1, als. a), b) ou c), consoante o caso, e n.º 2, al. a), e outro em que a vítima é a criança que assiste ao desenrolar dos atos violentos de um progenitor contra o outro, subsumível ao tipo agravado, previsto no art. 152.º, n.ºs 1, al. d), e 2, al. a) do Código Penal.


Quanto ao futuro legislativo, não obstante defendermos que o tipo de crime de violência doméstica, na sua atual redação, comporta tais fatos, seria desejável que a previsão da norma fosse absolutamente inequívoca quanto ao reconhecimento de que as crianças são também vítimas do crime quando vivenciam a violência no contexto familiar de que fazem parte – mesmo quando os atos do agressor não a visam diretamente mas, como espetadoras da violência dirigida a outrem que lhes é familiar e afetivamente muito próxima, figuram como vítimas diretas do ilícito.

  1. E termino em tom operático.

Falando de medo.

O tal medo que, segundo O’Neill, «vai ter tudo, tudo… Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer».

Há muitas crianças a viver com medo.

E, por isso, devemos estar atentos ao que se passa nos casarios e denunciar o que pode aterrorizar a vida de uma criança.

Mas sempre com a ideia de que não podemos nem devemos ignorar as cifras negras e ocultas, pois as aparências são enganadoras – no prato mais bonito serve-se a pior refeição e muitas vezes serve-se a melhor das refeições naquele que dizem, insistentemente, ser um caco falhado.

Como escreveu P. Vries, «quando já não suporto pensar nas vítimas dos lares desfeitos, começo a pensar nas vítimas dos lares intactos».

Façamos todos, em uníssono, o nosso caminho, cada um fazendo a sua parte, não deixando de acudir às crianças, o elo mais fraco em todas as cadeias, quando as virmos envolvidas nestas «guerras de rosas».

Porque falar sobre a INFÂNCIA destas crianças com medo é um acto de AMOR, o mesmo que o Senhor Deus nos deu para ofertar sem saldos ou meias-palavras…

Coimbra, 9.3.2024, ao som de Brahms

  • Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Página seguinte »


Entries e comentários feeds.