“Corre muito a ideia de que, no momento das birras, as crianças estão descontroladas e os pais têm de ficar calmos. Não é realista nem necessário”

Fevereiro 24, 2023 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Entrevista da CNN Portugal de 15 de fevereiro de 2023.

Bárbara Cruz

Laura Sanches, psicóloga clínica e especialista em aconselhamento parental, publica mais um livro, depois de “Amar Não Basta” ou “Mindfulness para Pais”. No novo “Como Educar Crianças Desafiantes” – que chega esta quarta-feira às bancas – quer tirar os rótulos aos “miúdos difíceis” e ajudar os cuidadores a encontrarem a sua própria voz no meio dos coaches e terapeutas de redes sociais. O mais importante, garante, é que os pais tenham confiança e saibam que são a melhor aposta dos filhos

Começo por devolver-lhe a pergunta que dá título ao seu novo livro: como é que se educam crianças desafiantes?

O que o livro tenta transmitir é que existe um equilíbrio entre o amor incondicional, a aceitação, a presença, mas, ao mesmo tempo, alguma firmeza e alguma confiança da nossa parte. Porque, às vezes, ou somos amorosos ou somos firmes. E esquecemo-nos de que as duas coisas precisam de estar juntas.

Existe um meio termo?

Há um caminho do meio, digamos. 

Aborda no livro o conceito da “criança alfa”, que é normalmente descrita como mimada e mandona, e diz que estas crianças são mal compreendidas. Como é que as conseguimos reconhecer? 

Uma criança alfa é uma criança que sente que precisa de estar no controlo e isso vê-se em vários comportamentos do seu dia-a-dia. Dou vários exemplos no livro: as crianças que sentem que tem de ser tudo à maneira delas, a típica criança que chamamos de mandona, que está sempre a tentar orquestrar todas as interações, aquela criança que quer ser a melhor, ter sempre a última palavra, estar sempre à frente. Ao mesmo tempo, vê-se também em coisas mais disruptivas, como o bullying, que é algo que compreendemos muito mal e tem origem num comportamento de defesa, uma criança que a certa altura da sua vida foi tão ferida que sentiu que precisava de adotar esse comportamento para se defender.

Mas como é que uma criança se torna alfa? Tem a ver com o passado, com as interações com os pais, com os cuidadores, com os que a rodeiam?

É importante explicar, antes de mais, que criança alfa não é um conceito meu, é de um autor que refiro muito no livro, o Gordon Neufeld, foi ele quem cunhou esta expressão. E isto não é uma personalidade, não é uma característica que a criança terá sempre, é uma consequência das dinâmicas que se instalaram na vida daquela criança. Acontece em função do ambiente em que a criança vive e é consequência do comportamento que os adultos têm com ela. 

Também diz que os pais têm de resgatar o “instinto alfa” para aprenderem a lidar com filhos alfa. Como é que isso se faz?

Primeiro, é preciso que os pais confiem em si mesmos, algo que hoje é cada vez mais difícil porque há cada vez mais especialistas, cada vez mais conselhos, cada vez mais influencers que nos dizem que devemos fazer assim ou assado. É muito difícil encontrarmos a nossa própria voz, o nosso próprio caminho. E não há receitas para a parentalidade, aquilo que resulta numa casa pode não resultar, de todo, noutra. É importante termos esta noção. Os pais têm de saber que eles são a melhor aposta para os filhos deles. São eles quem os conhece e têm a chave para o futuro dos seus filhos, para o bem-estar dos seus filhos. 

E há alguma estratégia para os pais se relacionarem com os filhos em momentos desafiantes, sejam crianças alfa ou não? 

As pessoas vêm muito à procura de estratégias, na consulta fazem-me essa pergunta diariamente. E as estratégias que já usam passam muito pelos castigos, as punições, mas querem o “faça assim ou assado”. Não gosto de oferecer estratégias, gosto de falar em atitudes e gosto que as pessoas compreendam o que está na base das dinâmicas que se instalam para saberem como as podem resolver, porque algumas estratégias podem funcionar no imediato, mas têm consequências negativas a longo prazo. Mais do que uma estratégia, precisamos de saber que o que tem de estar na base da educação que damos aos nossos filhos é o amor incondicional e temos de saber transmitir-lhes esse amor incondicional. Precisamos de saber de que forma é que os nossos filhos se sentem mais amados, mais aceites, mais seguros. 

É importante para si desconstruir esta ideia das crianças mimadas, impossíveis ou com mau feitio?

Sim, ainda se faz muito a atribuição desse rótulo às crianças. Até foi criada uma patologia, que se chama perturbação de oposição, como se os problemas de comportamento das crianças viessem de características intrínsecas delas. Isto não é verdade. Temos de ver para além disso, porque as crianças funcionam em função das características que construímos com elas. Não são as crianças que são mimadas ou difíceis. Há algumas características de personalidade, é o caso das crianças altamente sensíveis, de quem também falo no livro, que podem ser mais desafiantes, mas isso é uma parte mínima do comportamento da criança. É muito importante desconstruir a ideia da criança mal-educada, porque a criança pode ser muito mal-educada numa circunstância e ser muito bem-educada noutra circunstância, dependendo da forma como os adultos estão a lidar com ela em cada momento. 

Mas como é que os pais devem, então, lidar com as birras dos filhos?

Com aceitação. Um ponto-chave desses momentos de frustração intensa que as crianças às vezes expressam é percebermos que temos de aceitar as emoções que estão na base disso, mesmo que não gostemos do comportamento. Ou seja, temos todo o direito de dizer aos nossos filhos que não podem bater, que não podem partir coisas, mas não temos o direito de os julgar na emoção que estão a sentir, porque isso eles não controlam. Ninguém é responsável pelas suas emoções, as emoções simplesmente acontecem-nos, isto é um ponto essencial. E outro ponto essencial é que sejamos capazes de lidar com as nossas emoções, porque as birras das crianças despertam em nós emoções com que, muitas vezes, não sabemos lidar. E se não sabemos lidar com as nossas emoções, também vai ser muito difícil aceitar as dos nossos filhos. 

Os pais devem fazer algum trabalho de introspeção?

Sim, é importante. 

E como é que, nos momentos de frustração, os cuidadores conseguem encontrar a calma para aceitar e acolher a birra do filho?

Corre muito a ideia de que, no momento das birras, as crianças estão descontroladas, explosivas, e os pais têm de ficar calmos. Isto não é muito realista e não é exatamente necessário. É suposto que as emoções dos outros também tenham algum eco em nós: se eu tenho um filho aos berros, descontrolado, é suposto que também fique um bocadinho alterada, no mínimo! E é desejável porque eles também querem ver o efeito que as emoções deles têm em nós, querem esse espelho, precisam de um eco. O que é preciso é que esse estado e alteração não me levem para um nível de descontrolo e rejeição das minhas emoções, tão grande, que eu fique incapaz de acolher as emoções deles. Se já estou irritada, frustrada, zangada, mas consigo integrar isso, tudo bem, também lhes transmito que é possível que eles integrem as emoções deles. Agora, se a minha frustração me faz entrar num estado de defesa tão grande, ou num estado de descontrolo tal, que já não consigo lidar com as coisas, aí já não vamos ajudá-los. No fundo, temos de mostrar que temos a capacidade de integrar aquelas emoções, ou seja, mostrar que as emoções deles nunca são tão intensas ao ponto de nos fazerem descontrolar completamente, ao ponto de nos assustarem, ao ponto de nos intimidarem. É mostrar “isso foi intenso, eu fiquei aborrecida, nervosa, fiquei irritada”, está tudo certo. Apesar de tudo, no meio desta irritação, eu estou no controlo da situação. Mostrar que aquilo não nos desestabiliza.

E tem de haver firmeza também? Acolher a birra, mas, se for preciso dizer não, ser capaz de o manter?

Exatamente. Nunca termos tanto medo das emoções das crianças que precisemos de mudar de ideias. Se eu decidi que o não era o mais indicado, vamos acolher a frustração, o choro, a tristeza, a zanga, mas não precisamos de mudar de opinião. E acontece muitas vezes os pais ficarem tão aflitos com as manifestações da criança que imediatamente cedem. Isso transmite à criança que aquela emoção é tão perigosa que os pais fizeram tudo para a evitar.

Escreve no livro que os pais devem estar atentos aos sinais de alarme na relação com os filhos. Que sinais são estes?

O principal sinal de alarme acontece quando o exercício da parentalidade já se torna tão esgotante e tão cansativo que sentimos que não conseguimos relaxar na presença dos nossos filhos. Este é um grande sinal de alarme, quando sentimos que já é tudo tão difícil, que é tudo uma luta constante, que estamos permanentemente exaustos. Claro que há dias em que as crianças são mais cansativas, cuidar de uma criança da maneira como temos a vida estruturada hoje é exigente, temos muitas frentes para cuidar e perdeu-se aquela aldeia que antigamente nos ajudava, quando as crianças eram criadas em comunidade. Hoje estamos muito sozinhos e, claro, que há fatores de cansaço que são inevitáveis. Mas quando já nem sequer temos prazer em estar com os nossos filhos, é um grande sinal de alerta. 

Recebe no consultório muitos pais que chegam a esse ponto?

Cada vez mais. Vivemos verdadeiramente uma epidemia de crianças alfa que têm pais completamente esgotados e perdidos. Muitas vezes num estado de quase desespero.

São pais à procura da “normalidade”, querem saber se os comportamentos dos filhos são “normais? E isso existe na parentalidade?

O normal é muito relativo. A verdade é que, antigamente, os adultos conviviam com muitas mais crianças, muitos tinham sido irmãos mais velhos, havia sempre tios, sobrinhos, primos, as crianças estavam mais presentes na nossa vida. E os adultos, quando se tornavam pais, já tinham visto muitas crianças crescer e isso dava-lhes uma ideia mais natural daquilo que era o desenvolvimento infantil. Hoje, muitos adultos, quando se tornam pais, nunca conviveram de perto com uma criança, não fazem a mínima ideia do que é suposto, do que é esperado. E isso vem com uma certa angústia. As redes sociais, depois, também amplificam muito certas situações: os filhos dos outros fazem isto, será que o nosso também devia fazer? Há muito ruído à nossa volta. Mas não há normal, as crianças são todas diferentes, o seu desenvolvimento também se desenrola de maneiras muito diferentes, não há que ter essa preocupação. 

A multiplicidade de terapeutas, coaches, especialistas das redes sociais, gera mais ansiedade?

Sim. Às vezes, dou comigo na consulta a dizer que não nos podemos esquecer de que as pessoas nunca põem as partes más nas redes sociais: quando estamos num momento de crise não nos filmamos a gritar com os nossos filhos. As pessoas só filmam aquilo que é bom e é muito fácil criarmos a ilusão de que nas outras casas corre tudo bem, menos na nossa. E também há muitos influencers sem o mínimo de formação a darem receitas, mas aquilo que resulta para eles pode não resultar para outras pessoas. 

Na introdução do seu livro defende que, mais do que proteger os filhos das quedas, devemos ser o colo que os ampara depois de caírem. Não é rever o que aprendemos da chamada educação tradicional?

Sim, acabámos por cair nesse excesso de proteção. Em Portugal, sofremos mais desse mal até do que noutros países, principalmente ao nível físico, não deixamos as crianças andarem muito livremente. E as crianças precisam de aprender a cair, aqui em sentido metafórico, mas precisam de ter espaço para cometerem os seus erros. Obviamente, não vamos deixá-las atirarem-se de uma janela, tem de haver balizas e limites, mas esses limites não podem ser tão grandes que lhes transmitam a sensação de que o mundo é perigoso.

Continuando na educação chamada tradicional: porque é que ainda há tantos pais que acreditam nos benefícios da chamada palmada pedagógica?

É uma questão cultural. Foi assim que fomos educados e é muito duro olharmos para trás e aceitarmos que os nossos pais podiam ter feito melhor. Falta essa capacidade para aceitar que não tivemos pais perfeitos e que também falharam nalgumas coisas. Também tem a ver com correntes educativas: hoje temos cada vez mais consciência, até ao nível da fisiologia, cada vez mais estudos e evidências da forma como os maus-tratos afetam o cérebro e o desenvolvimento das crianças. Outra coisa que ainda vigora nos nossos dias tem a ver com o comportamentalismo, ainda olhamos para a educação como “se eu fizer X acontece Y”, se eu der uma palmada a uma criança que está a fazer um disparate ela assusta-se e vai sentir-se inibida de o repetir. Não se veem as consequências que isso tem a longo prazo, o que acontece dentro da criança quando fazemos isso repetidamente. Os castigos, as palmadas, as consequências, se olharmos de forma superficial, parece que funcionam porque têm resultado imediato: a criança assustou-se e parou. O que não vemos é que, se ela se assustou, ativou o seu sistema de alerta e isso terá consequências a longo prazo se a palmada for repetida.

Dedica um capítulo do livro à educação na era digital. Que nos desafios nos traz?

Um dos grandes desafios dos pais, sobretudo a partir de uma certa idade das crianças, é a questão dos ecrãs, que são cada vez mais omnipresentes e com resultados muito nefastos. Há uma coisa que é fundamental percebermos: antes da adolescência as crianças precisam de ter regras relativamente rígidas em relação aos ecrãs. E têm de ser os pais a definir essas regras, porque é algo que tem um enorme potencial aditivo. Hoje há um consenso cada vez maior de que, até aos dois anos, os ecrãs deviam ser proibidos na vida das crianças. Creio que em Taiwan, por exemplo, quem expuser crianças com menos de dois anos a ecrãs é multado, a consciência dos danos que isto provoca está a crescer, apesar de tudo. E uma coisa que também é fundamental, sobretudo na adolescência, onde já não é tão fácil os pais definirem regras rígidas, é dar o exemplo. Os pais são os primeiros a estar agarrados ao telemóvel por tudo e por nada. É fundamental que os momentos de refeição, por exemplo, sejam livres de ecrãs e que as pessoas conversem. Temos de mostrar aos nossos filhos que o alimento principal é a relação humana, a relação que criam connosco. Se tiverem relações sólidas, com pessoas presentes e disponíveis, terão menos necessidade de fugirem para as redes sociais e ecrãs.

 

 

É essencial ensinar as crianças a sentirem-se gratas. Mas como?

Janeiro 24, 2023 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Texto da Sapolifestyle de 11 de janeiro de 2023.

É imprescindível ensinarmos as crianças a praticar a gratidão, para que se tornem capazes de apreciar tudo aquilo que têm de bom em seu redor.

Sentirmo-nos gratos pelas coisas boas do nosso dia a dia e pelas nossas conquistas permite-nos alcançar níveis mais elevados de tranquilidade e de felicidade. No entanto, regra geral, optamos por focar-nos no negativo e em tudo aquilo que parecemos não ter, ou não conseguir fazer. E com as crianças acontece o mesmo, muitas vezes, parecem ser incapazes de se sentir gratas por tudo aquilo que têm e parecem estar permanentemente insatisfeitas.

Sempre que isto acontece, temos crianças mais agitadas, com níveis mais elevados de frustração e, por consequência, menos felizes. É, por isso, imprescindível, ensinarmos as crianças a praticar a gratidão, para que – gradualmente – se tornem capazes de apreciar tudo aquilo que têm de bom em seu redor e que se tornem capazes de aumentar os seus níveis de bem-estar interior.

Desta forma, para ensinar as crianças sentirem-se gratas, devemos começar por:

  • Ser um modelo para a criança – se formos capazes de ser gratos no nosso dia a dia, naturalmente, as crianças vão observar esse comportamento e tentar reproduzi-lo. Se os adultos de referência da criança se tornarem gratos, mais facilmente teremos crianças capazes de praticar a gratidão.
  • Ser grato na relação com a criança – sempre que a criança se torna capaz de realizar uma tarefa, ou que tem uma atitude que nos deixa felizes. Esse sentimento deve ser colocado por palavras, por exemplo: “estou mesmo feliz de me teres ajudado, obrigada!”, ou, “estou tão contente com as tuas boas notas, obrigada pelo teu esforço”. Ao fazê-lo, promovemos a capacidade da criança de perceber que pode gerar gratidão nos outros e de ela própria se sentir grata.
  • Construa o pote da gratidão – construa com a criança o pote da gratidão e crie o hábito de diariamente escreverem uma coisa pela qual estejam gratos. Enquanto escrevem e guardam as gratidões no pote, permitem-se a refletir sobre elas e a deixar que elas ganhem espaço no dia a dia da criança.
  • Promova momentos de interação em que a criança possa ser útil para os outros – por exemplo, oferecendo a outras crianças coisas que já não utiliza, participar em ações de voluntariado, ou simplesmente preparar uma refeição especial para alguém importante. Assim, quando a criança se sente útil para os outros, recebe a gratidão como resposta e, naturalmente, deixa-se envolver por ela.

Desta forma, enquanto a criança cresce, permitimos-lhe a apreciar aquilo que de bom tem no seu dia a dia e, de forma prática, a sentir-se grata e feliz por todas as suas conquistas e por tudo aquilo que a rodeia. Com a certeza de que uma criança grata, será sempre uma criança mais tranquila, com mais bem-estar e mais feliz.

Um artigo das psicólogas clínicas Cátia Lopo e Sara Almeida, da Escola do Sentir.

Cinco frases que nunca devemos dizer aos nossos filhos

Janeiro 23, 2023 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Artigo de opinião de Clementina Almeida publicado no Público de 11 de setembro de 2022. 

A forma como falamos com os nossos filhos influencia a forma como eles veem o mundo ao seu redor e a si próprios enquanto pessoas. No limite, o “abuso verbal” crónico com humilhação, crítica ou ameaça podem causar danos na arquitetura cerebral da criança.

Clementina Almeida

Expressões que todos ouvíamos na nossa infância, do género “quando o teu pai chegar, vais ver!”, e que provavelmente muitas mães/pais ainda utilizam com os seus filhos, podem provocar muitos mais danos do que aquilo que pode imaginar.

Acredite ou não, essas frases que muitas vezes usamos sem pensar podem fazer mais mal do que bem. Desde o dia em que as crianças nascem e à medida que crescem e se desenvolvem são verdadeiras “esponjas”. Por isso, tudo aquilo que lhes dizemos fica com eles para toda a vida. Daí a importância de termos consciência desse impacto, para que possamos garantir que eles não saem feridos pelas nossas palavras.

A forma como falamos com os nossos filhos influencia a forma como eles veem o mundo ao seu redor e a si próprios enquanto pessoas. No limite, o “abuso verbal” crónico com humilhação, crítica ou ameaça (frases como “és sempre o mesmo, não fazes nada de jeito”, “podias ser um pouco mais como o teu irmão”, “se não te portas bem, vais ver o que te vai acontecer…” ou “és sempre o mesmo bebé”) podem causar danos na arquitetura cerebral da criança, levando-as a desenvolver transtornos de ansiedade, agressividade ou dificuldades nos relacionamentos sociais.

Compreendo que esteja a pensar que não tem esse género de discurso com o seu filho, mas acredite que muitas vezes não temos plena consciência do impacto não intencional de algumas coisas que dizemos.

Dou-lhe aqui alguns exemplos das consequências que algumas frases do nosso quotidiano, aparentemente sem importância, podem ter na autoestima, autoconfiança e no bem-estar emocional das crianças:

“Tu pões-me louca(o)”

Em primeiro lugar, as crianças não são responsáveis ​​pelo nosso bem-estar emocional, mas sim ao contrário. Nós, pais, somos responsáveis pelo bem-estar deles e por sermos capazes de manter a calma, mesmo quando estamos com raiva ou a sentirmo-nos frustrados com o comportamento deles.

“Não faças isso” ou “não mexas aí”

Esta frase é supercomum nos nossos discursos, mas, se pensar bem, ela não orienta a criança para o comportamento que nós queremos que ela tenha, deixando-a confusa e provocando uma onda de frustração de ambas as partes. Será sempre melhor orientar para o comportamento desejado. Por exemplo, em vez de “não te segures aí”, dizer: “Coloca as tuas mãos nos bolsos, por favor.” Ou em vez de “não batas no teu irmão” usar “as nossas mãos são para ser usadas assim” (e dar o exemplo pegando na mão da criança e fazendo festas no irmão).

“Para de chorar!”

Quando dizemos isto a uma criança, estamos a transmitir-lhe a ideia de que não devemos demonstrar as nossas emoções, que isso é errado! Até porque a infância é um tempo agitado onde as crianças recebem empurrões, caem e se magoam com alguma facilidade. E por isso naturalmente assistimos a algum melodrama que da nossa parte não justifica a constante “abertura das torneiras”. No entanto, será sempre mais positivo confortar a criança do que ridicularizar a sua dor. Vai ajudá-la a ganhar confiança e a confiar em si quando algum evento de maior lhe provocar a mesma dor.

“Tem cuidado”

Dizer isto a uma criança, quando ela está a tentar dar o seu melhor a equilibrar-se nas barras ou a tentar superar o seu medo ao entrar no mar, na verdade, só a vai tornar mais vulnerável… e, portanto, é provável que algo corra mal. Para além deste efeito a curto prazo, não podemos esquecer o facto de que as crianças (embora muitas vezes possa não parecer) se esforçam por corresponder ao que gostaríamos que elas fossem enquanto pessoas. Ouvir continuadamente “tem cuidado”, “vê lá se te magoas” ou “é melhor não, que te podes magoar” vai criar nelas uma imagem interior de si própria de alguém que não é capaz! E naturalmente vai aumentar a sua insegurança e torná-lo numa pessoa insegura no futuro. Se as aventuras do seu filho tocam na sua ansiedade e insegurança, aproxime-se dele para estar lá se ele cair, mas fique o mais quieto(a) e calado(a) possível!

“Eu bem te disse” ou “eu bem te avisei”

Na verdade, esta frase é daquelas que ninguém quer ouvir, nem mesmo os adultos! Porquê? Porque não ajuda em nada ninguém, quando algo de errado acontece. Até pode ser que esteja certo acerca do facto de ter alertado o seu filho, mas confortá-lo e estabelecer uma ligação com ele nesse momento vai contribuir para que no futuro ele não se sinta envergonhado de vir falar consigo acerca de outra coisa mais importante que lhe tenha corrido mal!

Bom, na realidade ninguém é perfeito, muito menos nós, pais! E por isso já todos nós dissemos estas e outras frases mais vezes do que as que gostaríamos de ter dito. Mas quando se sentir em “piloto automático” e perceber que vai novamente cair na tentação, respire e faça uma pausa! Mesmo que sem querer lhe saia alguma pela boca fora, peça desculpa. “Desculpa por aquilo que eu te disse” é uma frase que nunca irá fazer mal ao seu filho, tal como “eu gosto tanto de ti!”. Desta forma, ajudamo-los a desenvolver a sua auto-regulação e estamos a ajudar-nos a nós próprios e a toda a família.

Psicóloga clínica especialista em bebés e fundadora da ForBabiesBrain by Clementina. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

 

 

Laços sociais: Somos a versão 2.0 dos nossos pais?

Janeiro 23, 2023 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Podcast da FFMS de 30 de dezembro de 2022. 

Ouvir podcast aqui

Porque é que nos sentimos responsáveis pelo sucesso ou insucesso dos nossos filhos?

Porque é que nos sentimos culpados quando não sabemos tratar um filho ‘como deve de ser’ (e, já agora, o que é isso)?

Porque é que andamos nesta cruzada da sobre-estimulação das crianças?

Queridos pais: este episódio vai ajudar-vos muito. A Ana Markl vai confessar-se uma mãe ansiosa e por isso irá fazer inúmeras questões à Luísa Lima sobre o tema que assola muitos daqueles que têm filhos: como podemos ser a versão melhorada dos nossos pais, conseguiremos ser uma versão 2.0? Vai ver que a parentalidade pode ser descomplicada e que, um dos ‘segredos’ é perceber que, na verdade … não somos assim tão determinantes da vida das nossas crianças.

 

Como ajudar uma criança quando a doença de um irmão consome a família

Janeiro 16, 2023 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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publico

Notícia do Público de 6 de janeiro de 2023. 

A doença crónica de uma criança pode ter um grande impacte nos seus irmãos saudáveis. Eis algumas formas de os pais os poderem apoiar durante um período difícil para toda a família.

Amy McHugh

A minha filha mais velha tinha 6 anos quando a sua irmã, de 4 anos, foi diagnosticada com cancro. Alguns meses após o tratamento de Emily, a enfermeira da escola telefonou-me para me dizer que Isabelle tinha molhado as calças. Do hospital, visualizei-a a comer bolachas na segurança do gabinete da enfermeira, protegida do caos doméstico.

Em casa, Isabelle estava com um pai que estava distraído com o que estava a acontecer no hospital. Tomou banhos e leu livros sem o seu ajudante favorito e tinha perdido o desejo de brincar na rua, optando por ver desenhos animados e pedindo pudim de chocolate para o jantar. “Quando é que a Emmy volta para casa?”, perguntava frequentemente.

Contudo, quando a Emily estava em casa, o que poderia ser por alguns dias ou algumas semanas, a vida não era muito melhor. A Emily precisava de injecções, medicamentos de hora a hora e visitas de uma enfermeira. Perdeu o cabelo, alimentava-se por um tubo e não conseguia andar sem ajuda. Isabelle colocou-se à margem e viu a sua família desfazer-se até que se tornou demasiado e a sua dor foi derramada nas suas calças na escola.

A experiência de Isabelle não era incomum. Num estudo recente, os irmãos de crianças com uma condição de risco de vida tiveram uma taxa 68 a 70% mais elevada de consultas, diagnósticos e prescrições de medicamentos em comparação com os irmãos de crianças sem uma condição de risco de vida.

Embora a doença crónica de um irmão possa ter um impacte significativo em crianças saudáveis (o termo para estas crianças que utilizaremos neste artigo; os especialistas utilizam a abreviatura HK, do inglês health kids), existem formas de as apoiar, que podem ser adoptadas até por pais sobrecarregados que lutam para se cuidarem a si próprios e não sabem para onde se virarem.

Não evite conversas difíceis

Antes de falar com o seu filho saudável, Becky Kennedy, psicóloga clínica e autora de Good Inside: A Guide to Becoming the Parent You Want to Be, sugere que “se lembre que vai ser difícil e que consegue lidar com coisas difíceis”. Os pais dão o tom para a forma como a situação se vai desenrolar, pelo que estar focado ajudará o seu filho saudável a sentir-se à vontade.

Quando falar com o seu filho saudável, use palavras reais, e não eufemismos. E faça uma pausa para perguntas e para perceber se está tudo bem. Eu e o meu marido cometemos o erro de dizer a Isabelle que Emily estava “doente”. A nossa intenção de a poupar à pesada palavra “cancro” criou o pânico, naquele Inverno, quando a minha mãe apanhou gripe e Isabelle pensou que ela estava “doente” como Emily.

Quando se senta para uma conversa inicial com o seu filho saudável, Kennedy sugere que se comece por aí: “Quero falar contigo sobre algo que se passa e que provavelmente nos levará a todos a ter muitos sentimentos.” Lembre-os de que não estão sozinhos e descreva como o seu dia-a-dia pode mudar devido à doença do irmão.

Muitas vezes, os pais querem evitar conversas duras para poupar dor aos seus filhos, mas pode sair-lhes o tiro pela culatra. “Os pais são os guardiões da informação”, diz Emily Holl, directora do Sibling Support Project, uma organização dedicada às preocupações de irmãos e irmãs de crianças com problemas de desenvolvimento e saúde mental. “Quando os pais retêm informações, deixam o seu HK à espera de outra inevitabilidade. A família inteira recebe o diagnóstico, e os HK precisam de saber o que esperar.”

Reconheça e valide os sentimentos

Durante anos, Isabelle deu um desconto a Emily porque a irmã mais nova tinha problemas médicos crónicos. A sua declaração de “sei que Emily está doente, mas…” fez-nos entender o conflito interior entre ser um bom soldado e coexistir com uma irmã que poderia ser má ou exigir sempre o melhor lugar no sofá.

Uma estratégia chave para ajudar as crianças saudáveis a sentirem-se vistas e a regularem as suas emoções é reconhecer, validar e permitir os seus sentimentos. Quando o seu filho saudável diz: “Estou tão zangado com a Emily porque ela recebe tanta atenção”, Kennedy sugere responder com: “Estás zangada com a tua irmã porque ela recebe muita atenção no hospital. Compreendo. Faz sentido que te sintas assim. Podes sentir-te zangada. Estou aqui para conversar.”

Os irmãos operam frequentemente a partir de um lugar de culpa, diz Holl. Lamentam o seu comportamento em relação aos conflitos normais de irmãos e não querem agitar as águas. As crianças que parecem estar bem e relutantes em falar podem ser as que mais precisam de apoio.

“Há muitas vezes muita coisa a acontecer sob a superfície, e pode ser terreno escorregadio”, alerta Holl. “Saber que eles podem ser eles próprios e ter falhas é reconfortante.”

Permita-lhes ver os seus sentimentos

Falar com o seu filho saudável pode desencadear as suas próprias emoções. Kennedy diz que não há problema. Basta explicar-lhes dizendo: “As lágrimas significam que algo importante está a acontecer no nosso corpo.” É importante enfatizar que a culpa nunca é deles quando choramos e que ainda somos os seus pais fortes que podem tomar conta deles, ressalva.

Em retrospectiva, apercebo-me que esconder as minhas emoções da Isabelle provavelmente a fez sentir-se sozinha. Fui rápida a dizer-lhe: “Está tudo bem, tu estás bem.” Sentar-me consigo na lama das emoções, em vez de tentar evitá-las, teria sido mais útil.

Chris Feudtner, um pediatra do Hospital Infantil de Filadélfia que conduziu o estudo dos irmãos, diz que é um erro tentar tirar o fardo a uma criança saudável. Em vez disso, aconselha, concentre-se em ajudá-los a crescer através da adversidade: “O trabalho de um pai não é proteger as suas HK do diagnóstico, mas sim estar com elas na situação difícil e ajudar a construir resiliência emocional.”

A psicoterapeuta Heather Genovese diz que os pais que precisam de apoio devem procurar outros adultos, membros da família ou profissionais: “Não faz mal partilhar sentimentos com os seus filhos, mas tenha cuidado para que eles não se transformem no seu terapeuta.”

Crie uma estrutura e dê tempo de qualidade sempre que possa

As crianças prosperam na estabilidade, algo que muitas vezes falta às famílias com uma criança doente. Para crianças mais novas, Kennedy sugere fazer um calendário de dias verdes (em que estará em casa), dias amarelos (não tem a certeza) e dias vermelhos (não estará em casa). Assim, saberão com antecedência que os receberá na escola na segunda-feira ou que um familiar lhes fará o jantar na terça-feira.

Partilhar um diário com o seu filho saudável pode ser uma forma de o acompanhar quando não está em casa, diz Holl. A troca de fotografias e notas pode ajudar as crianças a expor pensamentos que podem não ser capazes de expressar pessoalmente.

Encontrar tempo para estar sozinho com o seu filho saudável pode ser um desafio. Holl recomenda levá-lo quando vai ao supermercado ou incluí-lo na preparação de refeições. Isabelle ajudava-me a limpar enquanto cantávamos Taylor Swift. “Eles estão apenas felizes por estar consigo”, diz Holl, acrescentando que “esses pequenos momentos fazem uma grande diferença”.

Considere toda a família

Para algumas crianças saudáveis, os grupos de apoio podem ser uma tábua de salvação. Descobrir o que funciona é muitas vezes um processo de tentativa e erro. “Pense no que toda a família precisa em termos de apoio”, aconselha Kennedy.

Videochamadas, terapia familiar, noite de jogos, jantares temáticos e ler em família são algumas ideias. Quando passámos longas horas no andar de oncologia, conhecemos uma família cuja receita era brincar com Nerf. Ver filmes juntos era mais a nossa cena. No final do tratamento, arranjámos um cão, um Goldendoodle, que nos ajudou a todos.

Celebre todas as pequenas vitórias

Ao longo da doença de Emily, Isabelle tornou-se ferozmente protectora da sua irmã e compassiva para com as pessoas que lutam contra deficiências físicas e mentais. Ao longo do tempo, tornou-se mais aberta sobre o que sente acerca desse tempo das nossas vidas.

Se pudesse voltar atrás, teria sido mais honesta com Isabelle e mais clemente comigo. Apesar das minhas falhas, ela confiou-me o seu bem-estar e encontrou formas de satisfazer as suas necessidades. Deixei de ficar na defensiva quando um amigo ou membro da família me lembra: “As crianças são resistentes.” Com uma comunicação aberta e pequenos actos de amor, elas podem certamente ser.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Carla B. Ribeiro

 

Os pais não podem querer ser os melhores amigos dos filhos. Isso é o papel dos amigos, alerta psicoterapeuta

Janeiro 5, 2023 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social, Vídeos | Deixe um comentário
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Notícia do Magg de 12 de novembro de 2022.

Ou deverão os pais assumir-se como educadores e figuras de autoridade, estabelecendo barreiras bem definidas? Uma psicóloga responde.

Corria o ano de 2004 quando a comédia “Giras e Terríveis” estreou. O filme, protagonizado por Lindsay Lohan e Rachel McAdams, parecia, à primeira vista, ser apenas mais um blockbuster de verão dirigido ao público juvenil — afinal, o argumento centrava-se num liceu e na chegada de uma nova aluna ao ambiente, por vezes cruel, do ensino secundário.

No entanto, para além de se ter tornado num filme referência para as vítimas de bullying, a comédia também abordou outro tema importante: a necessidade de muitos pais quererem ser os melhores amigos dos filhos, de forma a ficarem mais próximos. Numa cena de “Giras e Terríveis”, a personagem de Mrs.George (interpretada por Amy Poehler), mãe da vilã Regina, cai no ridículo ao usar calão, fatos de treino iguais aos das adolescentes e ainda oferecer álcool às menores numa tentativa destas a acharem a mãe mais porreira e jovem de sempre.

Esta é uma dúvida que assombra muitos pais: será a relação com os filhos melhor se adultos e jovens forem os melhores amigos ou deverão os pais assumir-se como educadores e figuras de autoridade, estabelecendo barreiras bem definidas?

Segundo Beatriz Matoso, psicóloga clínica e psicoterapeuta, o papel fundamental dos pais é o de protetores. “Os pais devem procurar compreender os filhos, ajudando-os no seu processo de autonomia e realização pessoal, de acordo com a fase da vida em que se encontram, oferecendo-se como um possível modelo de identificação”, conta à MAGG.

Os filhos não têm de contar tudo aos pais — e não há mal nenhum nisso

De acordo com a especialista, existem várias razões que podem levar os pais a quererem que os filhos os identifiquem como amigos. “A confirmação do desejo que têm de ser bons pais é um dos motivos, mas também é possível que os pais queiram conhecer mais detalhes da vida dos filhos, na perspetiva de melhor os poderem acompanhar ou mais facilmente os controlar.”

Tal como explica a psicóloga, apesar de uma aproximação entre pais e filhos ser essencial, de forma a que estes se conheçam e se compreendam mutuamente, bem como também útil para quebrar barreiras de comunicação, há que entender que as crianças e jovens também têm de ter outros amigos, sendo estes figuras de confiança com quem se possam identificar e partilhar sentimentos e informações — e os pais têm de aceitar que outros jovens, pares dos seus filhos, possam ser os melhores amigos destes.

Todo o ser humano tem direito a fazer as suas escolhas, ainda que posteriormente possa vir a reconhecer que não foram as melhores”, conta Beatriz Matoso, que acrescenta que é natural que os filhos não contem tudo aos pais e “procurem entre os amigos da sua faixa etária, alguém que os compreenda e aceite com as suas qualidades e dificuldades”.

Hoje em dia, as relações entre pais e filhos são mais descontraídas e muitas barreiras caíram por terra. Afinal, de acordo com a psicoterapeuta, mesmo para desempenhar o seu papel fundamental de educadores, os pais precisam de ter uma boa relação com os seus filhos.

No entanto, é preciso saber que “não há pais perfeitos, assim como não há filhos perfeitos. Os pais devem colocar-se no seu papel de pais e educadores para poderem proteger e orientar os filhos no seu processo de crescimento. Na medida em que há uma diferença de gerações e experiências de vida em contextos socioculturais, com características distintas, é natural que pais e filhos tenham pontos de vista diferentes”, explica Beatriz Matoso.

A especialista acrescenta que o confronto entre modos diferentes de pensar pode ser enriquecedor. Porém, é possível que também possa originar conflitos, principalmente “quando não há suficiente flexibilidade e respeito pelo pensar do interlocutor. Para os evitar, é natural que os filhos não contem tudo aos pais e procurem entre os amigos, como colegas de escola por exemplo, esse apoio fundamental”.

*texto originalmente publicado em 2018 e atualizado a 12 de novembro de 2022.

 

“Estamos num nível de exagero que dar só uma prenda não chega”. Como lidar com a frustração dos miúdos no natal

Janeiro 4, 2023 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Magg de 20 de dezembro de 2022.

Seja por não terem recebido aquilo que queriam ou devido ao número de presentes ser menos do que o esperado, o Natal também pode ser sinónimo de frustração para os miúdos. Falámos com uma psicóloga sobre o que fazer nestes casos.

Vamos diretos ao assunto. Se é verdade que o Natal ganha com a alegria das crianças, existe uma probabilidade igualmente grande de a noite acabar com birras e lamentos acerca das prendas. Ora se queixam de ter recebido poucas, ora não tiveram aquilo que realmente queriam, e nem sempre é fácil lidar com a frustração dos mais pequenos que, irremediavelmente, estende-se aos adultos.

Mas será que estas birras são algo do momento, que passa facilmente, ou podem estar ligadas a algo mais profundo, como associar a quantidade ou qualidade de presentes ao amor e valor que os filhos têm para os pais? “Nas crianças mais novas não acontece tanto, mas quando falamos de pré-adolescentes e adolescentes, o não receberem algo que queriam muito e que, possivelmente, deram a entender querer receber durante semanas, pode levá-los a pensar que os pais não lhes prestam atenção”, refere à MAGG a psicóloga clínica Catarina Graça.

“Há pais pouco atentos, que acabam por comprar ao ‘lado’ das verdadeiras necessidades dos filhos, ou que estão alheados daquilo que estes realmente gostam”, diz a especialista, que assume que os adolescentes ficam mais frustrados com a falha na prenda do que propriamente com a quantidade. Já as crianças mais novas, e principalmente se foram assim habituadas, podem ter uma reação mais negativa se receberem menos prendas do que o habitual.

“Há pais que compensam a falta de atenção com bens materiais”

É inegável que o ritmo de vida está cada vez mais alucinante e quem tem um trabalho a tempo inteiro, uma casa para organizar e filhos para cuidar pode, por vezes, sentir que está numa rodinha de hamster interminável. E, nestes casos, a atenção dada aos miúdos pode ser reduzida.

“Há pais com um ritmo de vida cada vez mais cheio e que acabam por descurar algumas necessidades dos filhos. E depois chega o Natal, e há pais que compensam a falta de atenção com bens materiais”, refere Catarina Graça, que acrescenta que isto é particularmente verdade com casais divorciados.

“No caso de um divórcio, a atenção é repartida. Por isso, em alturas como o Natal, as prendas acabam por ser uma tentativa de de demonstrarem que estão presentes, quer seja através da quantidade ou da qualidade”, diz a especialista.

Amor não é igual a presentes

Num mundo ideal, os miúdos estavam habituados desde cedo a receber uma ou outra prenda e e dar mais valor aos momentos em família do que propriamente ao que se desembrulha. Mas utopias à parte, todos sabemos que é uma tarefa bastante infrutífera limitar o número de presentes durante a infância, seja porque achamos aquele brinquedo que sabemos que o nosso filho vai adorar ou porque os avós e tios surgem sempre com mais qualquer coisa.

“Claro que a frustração que os miúdos vão sentir se acharem que receberam menos prendas ou se não receberam aquilo que queriam está sempre ligada ao estilo de educação que tiveram e ao que estão habituados. Se forem habituados desde cedo a dar valor ao que o Natal realmente significa, que o que conta é a partilha e não os presentes — pode parecer cliché, mas é verdade—, será tudo mais fácil se receberem menos presentes no que no ano anterior, por exemplo”, diz Catarina Graça.

Nos restantes casos, em que devido a que motivo for (seja menos disponibilidade financeira ou o querer parar com o mau hábito do consumismo), os pais tentam limitar o número de prendas, a resposta para lidar com a frustração é sempre a mesma: diálogo.

“É claro que é mais fácil explicar determinadas coisas a crianças mais velhas, mas o mais importante é salientar que o número de prendas não está ligado ao amor que os pais sentem pelos filhos. Os adultos podem tentar que as crianças encarem a época de outra forma, salientar o verdadeiro objetivo, e explicar que até podiam não dar-lhes nada e iam continuar a gostar muito delas. Reforçar que o carinho não se mede pela quantidade de prendas que recebem. Acho que estamos num nível de exagero que dar só uma prenda não chega, e é preciso travar essa lógica”, diz a psicóloga clínica.

Já nos adolescentes, a lógica de receberem menos prendas também pode ser explicada com o amadurecimento. “Explicar-lhe que agora que são mais crescidos podem receber menos em quantidade, mas que podem ser prendas mais úteis, com mais qualidade, prendas mais adultas”, acrescenta Catarina Graça.

No entanto, a especialista refere também que não podemos ignorar a comparação entre pares e defende que os pais devem preparar os filhos em casa para esses “tiros”.

“Se os miúdos não tiverem qualquer conversa com os pais e chegarem à escola e começarem a comparar prendas e quantidades, e forem expostos a uma situação em que um colega recebeu seis ou sete coisas enquanto esta criança recebeu uma só prenda, o pensamento pode ir novamente para uma lógica de ‘os meus pais não gostam de mim, por isso é que só recebi isto ou não recebi nada’. É importante que os pais reforcem novamente que muitas prendas não são sinónimo de amor, e os eduquem para o que realmente importa.”

E quando não há prendas porque não há dinheiro? Devem os pais falar abertamente com as crianças das dificuldades?

No Natal, não. É esta a opinião da psicóloga clínica Catarina Graça, que apesar de salientar que cada caso é um caso, considera que trazer para esta quadra temas menos felizes pode colocar uma tensão acrescida em crianças e adultos e até tornar a época mais triste.

Acho que será mais positivo ter a tal conversa do verdadeiro significado do Natal, e optar por colocar o ônus no positivo, do que passar essa pressão para cima dos miúdos que os pode entristecer e também causar frustração, bem como aos adultos. É inegável que este foi um ano de grande choque para muitas famílias, mas acho importante não trazer essa pressão negativa para o Natal”, refere a especialista.

“Será mais proveitoso chamar novamente a atenção para o momento familiar e tentar que a noite não seja apenas focada no momento de abrir os presentes”, diz Catarina Graça. Optar por ter na mesa uma comida ou um doce preferido dos mais novos (mesmo que não seja propriamente natalício), ver filmes em família a seguir ao jantar ou optar por diversos jogos podem ser alternativas para desviar o foco dos presentes e tornar a noite em algo divertido sem o ónus totalmente nos presentes.

 

Quando os pais não gostam dos namorados dos filhos

Janeiro 2, 2023 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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nm

Notícia do Notícias Magazine de 12 de dezembro de 2022.

Embirrações sem sentido, aquele medo do ninho vazio, uma preocupação natural, um torcer de nariz fundamentado. O que é, afinal, este desagrado no amor? Que causas e que motivos podem pôr uma família zangada e em lágrimas?

neA maneira de vestir. Aquelas calças com a cintura quase nos joelhos, as camisolas amarrotadas, aquela minissaia muito minissaia e aqueles tops demasiado tops com a barriga à mostra. A idade. Demasiado nova, demasiado velho. Imaturidade a mais, experiência a mais. Fuma? Bebe? Sai muito à noite? Com os amigos? Com as amigas? A conversa, a educação, a forma de estar e de se apresentar. De onde vem? Para onde quer ir? Quem é a sua família? É de confiança? O que quer, afinal? Aqui tudo importa. O que se vê e o que não se vê. O que se sabe e o que não se sabe, certezas e suspeitas. Por que razão os pais torcem o nariz ao namorado da filha ou à namorada do filho? Há justificações para uma pergunta complexa. Respostas para o que pode bater à porta de qualquer família.

Rute Agulhas, psicóloga clínica, psicoterapeuta, terapeuta familiar, começa pela questão geracional para enquadrar modos de estar e de pensar. “Pais e filhos pertencem a gerações diferentes e têm vivências diferentes, o que os faz, naturalmente, valorizar coisas diferentes. Pensam, sentem e agem de forma diferente, o que é expectável.” Certíssimo. “Neste contexto, é também muito provável que os pais não gostem dos(as) namorados(as) dos filhos(as).” Certo.

Importa escavar mais fundo e perceber o que está em causa, o que é explícito e implícito, o que está mais à tona ou na profundidade. Até porque, realça Rute Agulhas, “esse não gostar pode relacionar-se com numerosas situações, desde a idade ou modo de vestir, os hábitos e comportamentos ou a família de origem, passando ainda pelos sonhos e projetos ou pela forma como interage naquela relação afetiva.” Há vários fatores em jogo.

Embirrações sem sentido, aquele medo do ninho vazio, uma preocupação natural, um torcer de nariz fundamentado. O que é, afinal, este desagrado no amor? Que causas e que motivos podem pôr uma família zangada e em lágrimas?

neA maneira de vestir. Aquelas calças com a cintura quase nos joelhos, as camisolas amarrotadas, aquela minissaia muito minissaia e aqueles tops demasiado tops com a barriga à mostra. A idade. Demasiado nova, demasiado velho. Imaturidade a mais, experiência a mais. Fuma? Bebe? Sai muito à noite? Com os amigos? Com as amigas? A conversa, a educação, a forma de estar e de se apresentar. De onde vem? Para onde quer ir? Quem é a sua família? É de confiança? O que quer, afinal? Aqui tudo importa. O que se vê e o que não se vê. O que se sabe e o que não se sabe, certezas e suspeitas. Por que razão os pais torcem o nariz ao namorado da filha ou à namorada do filho? Há justificações para uma pergunta complexa. Respostas para o que pode bater à porta de qualquer família.

Rute Agulhas, psicóloga clínica, psicoterapeuta, terapeuta familiar, começa pela questão geracional para enquadrar modos de estar e de pensar. “Pais e filhos pertencem a gerações diferentes e têm vivências diferentes, o que os faz, naturalmente, valorizar coisas diferentes. Pensam, sentem e agem de forma diferente, o que é expectável.” Certíssimo. “Neste contexto, é também muito provável que os pais não gostem dos(as) namorados(as) dos filhos(as).” Certo.

Importa escavar mais fundo e perceber o que está em causa, o que é explícito e implícito, o que está mais à tona ou na profundidade. Até porque, realça Rute Agulhas, “esse não gostar pode relacionar-se com numerosas situações, desde a idade ou modo de vestir, os hábitos e comportamentos ou a família de origem, passando ainda pelos sonhos e projetos ou pela forma como interage naquela relação afetiva.” Há vários fatores em jogo.

As escolhas de uma filha e de um filho numa relação amorosa não passam ao lado dos pais. Seja na concordância, seja na discordância. Quando se aceita, tudo bem, não se implica, não se embirra. Quando assim não é, tudo muda de figura. Para Margarida Crujo, pedopsiquiatra, é essencial perceber as causas deste desagrado que abana a estrutura familiar. As explicações têm diversos níveis, caminhos feitos ou por fazer. “Há vezes em que a relação entre pais/filhos não assenta em moldes saudáveis, e o descontentamento perante uma escolha específica dos filhos é habitual: os pais não apreciam a roupa que os filhos escolhem ou o estilo que apresentam, não apreciam as amizades, e também não apreciam os namorados(as)”, refere. Trata-se, portanto, de uma continuidade do que habitualmente acontece na dinâmica familiar. E uma coisa leva a outra.

“Há outras vezes em que a ligação pais/filhos é de grande proximidade, eventualmente excessiva, e surgir um namorado ou namorada pode provocar nos pais a sensação de estarem a ‘perder’ os filhos”, observa Margarida Crujo. “Ao mesmo tempo, pode traduzir a confrontação com a ideia de o filho(a) estar crescido, o que pode ser aceite com dificuldade em determinadas famílias”, sublinha a pedopsiquiatra.

Bater as asas, perda ou ameaça

Os filhos crescem, ganham autonomia, o amor desponta e acontece, o namoro começa. Os pais ficam com o coração nas mãos por tudo e mais alguma coisa. E a saída de casa aproxima-se. “Sim, pode ser um sinal de angústia perante o processo de crescimento do filho e perante um ninho familiar que se antecipa vazio”, comenta Rute Agulhas. “A entrada dos filhos na adolescência é uma etapa do ciclo familiar que exige algumas tarefas de desenvolvimento, nomeadamente uma maior abertura ao exterior e a renegociação de regras e de limites”, indica a psicóloga clínica. Quando isso não acontece, a vida complica-se, não se operacionalizam tarefas, o modelo de funcionamento familiar pode mesmo tornar-se disfuncional. Não se comunica e ninguém se entende.

Margarida Crujo acrescenta mais uma possibilidade. “Pode acontecer ainda que pais e filhos tenham uma relação saudável, mas existirem, ainda assim, particularidades específicas no namorado(a) que não deixem os pais satisfeitos. Portanto, perceber a causa é importante, principalmente porque a escolha dos filhos tem de ser respeitada.” E há o óbvio, mesmo que não se queira ver. “Nenhum pai e nenhuma mãe podem viver a vida pelos filhos”, sustenta a pedopsiquiatra.

O torcer de nariz às escolhas amorosas dos filhos até pode parecer inevitável por vários medos e diversas explicações. Mas, seja como for, os pais têm de refletir sobre os motivos associados a esse não gostar. Há matérias a deslindar. Por exemplo, aponta Rute Agulhas, em que medida esse não gostar “se relaciona com aspetos centrais que podem ter um real impacto na vida e bem-estar do seu filho.” O(a) namorado(a) consome drogas, não estuda, nem trabalha, exibe comportamentos desviantes, é tóxico na relação. São aspetos pertinentes. Ou então são outras coisas menos densas. “Ou, pelo contrário, se aquilo que os pais sentem se relaciona com aspetos mais secundários e menos impactantes na vida do seu filho?”, questiona Rute Agulhas. Como a forma de vestir, o penteado que usa, a música que ouve, os livros que lê. “É fundamental que os pais façam este exercício de reflexão antes de manifestar de forma mais clara aquilo que pensam e sentem”, alerta. Pensar antes, extravasar depois.

Há um misto de sensações, na verdade. Lidar com o desconhecido, proteger as crias, amaciar o futuro. Há tanta coisa que passa pela cabeça de quem cuida e educa. O problema é quando se olha para esses acontecimentos, para relações que acontecem naturalmente, na perspetiva de uma perda ou de uma ameaça. Rute Agulhas toca nesse ponto. “Como se o papel parental se esvaziasse e os pais se sentissem perdidos, sem rumo e sem um foco. Ameaçados pelo que vem do exterior.” Há ainda outro ponto crucial que, muitas vezes, passa despercebido. “Não podemos esquecer também que muitos pais se anulam enquanto pessoas ou casal, passando a viver apenas em função dos filhos. Quando estes crescem e tentam ‘bater as asas’, é natural que sejam ativadas emoções mais desagradáveis e que tudo ou todos os que são associados a esta situação sejam encarados de modo negativo”, diz a psicóloga clínica. Por isso, destaca, é importante que “os pais não se anulem enquanto indivíduos, cônjuges ou profissionais, e que consigam integrar estes vários papéis com o desempenho do papel parental.”

O que fazer então quando não se gosta mesmo do namorado da filha ou da namorada do filho? “O diálogo sereno, com escuta atenta das várias opiniões, parece-me a única maneira de gerir desagrados e eventuais conflitos consequentes”, responde Margarida Crujo.

Entrar e tentar experimentar outra pele. “Tentarmo-nos colocar na posição do outro (progenitor ou filho), respeitá-la e deixar uma porta aberta para a comunicação, o que é essencial para uma possível atualização de opiniões: por assumirmos uma postura em determinado momento, não quer dizer que tal não se modifique ao longo do tempo.” As opiniões também mudam, sim, hoje pode ser assim, amanhã pode ser diferente. “O mesmo é dizer: não aceitarmos a posição dos nossos pais não significa que não lhes demos razão mais tarde, e não gostarmos dos namorados(as) dos nossos filhos(as) também não impede que venhamos a gostar deles”, afirma a pedopsiquiatra.

Filhos vs. filhas, a possibilidade de uma gravidez

Há várias formas de comunicar, maneiras de dizer o que vai na alma, o que se pensa, sobretudo quando o assunto é delicado e envolve paixão e amor. Como evitar discussões e lágrimas, amuos e desatinos? Como evitar, no limite, um corte de relações? “Antes de mais, os pais devem realizar um exercício de reflexão, que lhes permita avaliar os reais motivos que os levam a sentir este desagrado. Depois, devem tentar comunicar aquilo que pensam e sentem de uma forma assertiva, sem acusações, críticas destrutivas ou proibições que, no limite, geram sentimentos de zanga e de revolta, podendo mesmo revelar-se contraproducentes”, sugere Rute Agulhas que recorda um velho ditado: “Lembremo-nos de que o fruto proibido é sempre o mais apetecido”.

Os pais são mais velhos, têm outra maturidade e experiência de vida, querem o melhor para os filhos. Uma outra pessoa na família é sempre uma outra pessoa na família. A partilha é essencial. O que se pensa, o que se sente, desejos e preferências. Partilhar e ouvir também. “Dar espaço ao filho para que se pronuncie, escutando-o. Um processo de comunicação claro e funcional é fundamental para que esta situação possa ser gerida de modo adequado”, aconselha Rute Agulhas.

E quando há motivos óbvios e evidentes para tamanho desagrado, quando há argumentos de peso, e não se quer desestabilizar a relação familiar, os pais têm de abordar o assunto de forma clara e direta. Sem esquecer o dever de ajudar e proteger os filhos, fazendo-os pensar sobre diversos assuntos. “Em algumas situações geram-se conflitos entre pais e filhos, é verdade. Mas não fazem parte da vida? O que torna uma família funcional ou disfuncional não é a presença ou a ausência de conflitos, mas sim a forma como estes se abordam e resolvem”, avisa Rute Agulhas.

O desacordo com os namoros tem outras camadas. Haverá preocupações diferentes em relação aos filhos e às filhas? Haverá formas distintas de gerir esta questão para uma mãe e para um pai?

“Em muitas famílias, ainda se assiste a uma forma muito estereotipada de educar os filhos – os rapazes são educados para serem mais autónomos e com direito a maior liberdade, versus as raparigas, que são educadas para serem mais caseiras e recatadas, com menor liberdade”, repara Rute Agulhas.

A possibilidade de uma gravidez na adolescência pode explicar as diferenças de trato, o grau de preocupações. “Em muitas famílias, a possibilidade de uma gravidez na adolescência da filha ainda é sentida com enorme receio, conduzindo a comportamentos mais castradores. Esquecem-se estes pais que os filhos rapazes também podem ser pais durante a sua adolescência”, frisa Rute Agulhas. Os estereótipos associados ao género ainda subsistem em muitas famílias e condicionam a forma como os pais olham para os filhos e respetivos namorados e namoradas.

Margarida Crujo aborda também a questão da gravidez. “Talvez exista uma tendência para uma maior proteção das filhas, pela ideia ainda arreigada na nossa sociedade de que ‘as meninas podem engravidar’. Em boa verdade, havendo uma gravidez não planeada na adolescência, não há apenas um interveniente único.” Em seu entender, há evolução e a diferenciação de comportamentos dos pais em relação aos filhos está cada vez menos dependente do seu género. “Dependerá mais da personalidade de cada um e da dinâmica relacional dos intervenientes”, sublinha a pedopsiquiatra. Até porque cada família é uma família. E o amor é sempre amor.

 

Como os pais devem lidar com as primeiras bebedeiras dos filhos

Janeiro 1, 2023 às 4:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Notícias Magazine de 21 de dezembro de 2022.

A adolescência é uma fase complexa, delicada e sensível, com perguntas e medos. Se os excessos alcoólicos acontecem, é necessário perceber e enquadrar, informar e esclarecer, definir limites. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. A chave está na comunicação, na negociação, na confiança.

Aquela saída à noite e aqueles copos a mais. Aquela festa com os amigos e as amigas e aqueles brindes que não terminam e se repetem pela noite dentro. Uns atrás dos outros, sem conta, sem medida. Aquela vontade de festejar o fim de mais um ano letivo, um aniversário, um jantar em que as bebidas rodam pela mesa. Aquela conversa que se prolonga, depois um bar, a seguir uma discoteca, dançar e beber, beber e dançar, a cabeça a girar, o corpo a bailar. A ressaca no dia seguinte. A primeira bebedeira e suas consequências. Falar ou não falar? Ralhar ou não ralhar? Castigar ou não castigar? Deixar passar ou colocar tudo em pratos limpos? O que fazer, afinal?

Os adolescentes acham que os pais exageram, protegem de mais, não confiam e não dão autonomia. Os pais preocupam-se e estão atentos. “Exigir que os adolescentes compreendam e integrem os riscos do consumo excessivo de álcool, muitas vezes, não é realista. A busca de experiências novas, de riscos, de desafios, de ‘passar a linha’ são características mais ou menos marcadas dos adolescentes”, refere Tânia Gaspar, psicóloga, professora associada com agregação em Psicologia na Universidade Lusófona. Quando acontece, não se deve generalizar e colocar tudo em causa, pode ter sido uma situação pontual. “É importante conversar, tentar mostrar de forma assertiva as preocupações, sem recriminar e sem ser autoritário. Ouvir, compreender e negociar compromissos para futuras situações”, aconselha. Ralhar e castigar? Talvez não. Consequências? “Sim, maior autonomia se os compromissos forem cumpridos, mais restrições se os compromissos não forem cumpridos.” “A chave está na comunicação, negociação e confiança”, destaca Tânia Gaspar.

Intimidar não é o melhor caminho, é fundamental conversar e ter disponibilidade para ouvir os filhos. Segundo Rute Agulhas, psicóloga clínica, psicoterapeuta, terapeuta familiar, há confrontos que não resultam e que até podem ter o efeito contrário. “As ameaças podem ser contraproducentes e levar o adolescente a consumir também para desafiar e fazer frente aos pais, testando os limites”, adianta. Prevenir esse comportamento com diálogo franco e aberto, transmitindo informação, é a melhor maneira. Perceber como e porque aconteceu, o contexto, e se há crenças desajustadas que têm de ser desconstruídas – beber para ser fixe aos olhos dos amigos, beber como forma de se divertir, por exemplo.

“Muitos adolescentes bebem ao sentir-se pressionados pelo grupo, receando sentir-se diferentes, serem gozados ou excluídos”, sustenta Rute Agulhas. “Se esta é a principal motivação para beber, estamos perante uma questão de autoestima, de dificuldades de afirmação e de passividade – áreas que importa compreender, mais do que castigar”, avisa.

Dialogar, dialogar sempre, como primeira abordagem em qualquer assunto na educação e na relação entre pais e filhos. Inês Afonso Marques, psicóloga clínica e psicoterapeuta infantojuvenil, na direção da Oficina de Psicologia, recomenda o diálogo para perceber e enquadrar, informar e esclarecer, e definir limites razoáveis em prol de escolhas conscientes. Uma bebedeira não deve ser vista como algo que acontecerá mais dia, menos dia na vida de um filho, não é desejável, a acontecer que seja uma vez sem exemplo. “O diálogo será sempre um dos principais caminhos para prevenir comportamentos de risco e/ou excesso.” Se se repete, atenção. “Quando começa a surgir de forma reiterada é muito importante contextualizar aquilo que se está a passar, principalmente tentar perceber qual a função que a bebida possa estar a cumprir. E, nesses casos, procurar ajuda especializada pode ser relevante para evitar a cristalização de um comportamento de dependência”, assinala Inês Afonso Marques.

Há perguntas típicas na adolescência que ajudam a perceber e a enquadrar comportamentos e formas de estar. Como se relacionar com os outros? Como se sentir integrado? Como regular emoções? Como expressar opiniões e vontades? Não é fácil lidar com tudo isso. “Adolescentes que tenham desenvolvido mais competências socioemocionais tendem a gerir os riscos e a pressão dos pares de forma mais saudável e mais assertiva, tendo uma maior tendência para adotar comportamentos de proteção”, observa Tânia Gaspar.

Uma coisa é uma bebedeira com amigos, esporádica, outra coisa é um hábito. A intensidade, a frequência, e o impacto separam uma coisa da outra. E pisa-se a linha quando o excesso passa a ser a única forma de diversão e de gerir medos e inseguranças. “Ou seja, o adolescente aprende a usar o álcool como estratégia de gerir as dificuldades e não investe em desenvolver outras estratégias e competências mais saudáveis e adaptativas”, repara Tânia Gaspar.

Há casos e casos e há os que merecem atenção e preocupação. Há adolescentes que bebem como forma de anestesiar a dor e o sofrimento. O que não é nada bom. “Aqui, o consumo de álcool é, mais do que um problema, o sinal de outros problemas. Pode mascarar um estado mais depressivo ou ansioso”, considera Rute Agulhas. Olhos bem abertos, corações em alerta. “Os pais devem estar atentos à quantidade de álcool ingerida, à natureza das bebidas, à frequência do consumo e ao contexto onde ocorre”, acrescenta.

O exemplo parental, a relação com os amigos

Tânia Gaspar é coordenadora nacional e dos países mediterrâneos do Health Behaviour School-Aged Children (HBSC/OMS), estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde, feito em vários países, que analisa estilos de vida e comportamentos dos adolescentes. Este estudo indica que mais de 80% dos adolescentes não consomem bebidas alcoólicas e cerca de 90% referem não ter tido bebedeiras. “Alguns jovens consomem bebidas alcoólicas de forma recreativa e uma minoria tem bebedeiras regularmente”, constata.

A pergunta que se impõe é porque é que os adolescentes consomem álcool? “A razão principal é sentir-se parte do grupo, fazer o mesmo que os amigos e, em alguns casos, a pressão dos pares. Por outro lado, o experimentar sensações diferentes, desinibição, sentir-se mais confortável na relação com os pares, nomeadamente com o par sexual.” Resumindo: para se sentirem bem, divertidos, livres, autónomos, confiantes, inseridos no grupo. “Em alguns casos, menos frequentes, o consumo de álcool tem o objetivo de não sentir tristeza, ansiedade ou medo. Nestes casos, a atenção dada ao comportamento e a intervenção devem ser mais profundas e especializadas”, defende Tânia Gaspar. Aqui, jovens e famílias precisam de apoio.

O HBSC/OMS revela que os rapazes consomem mais álcool do que as raparigas, mas é uma diferença que se tem vindo a esbater ao longo dos anos. A bebedeira de um rapaz é diferente de uma bebedeira de uma rapariga? “As diferenças são essencialmente sociais e culturais. Ainda se verifica uma maior tolerância social face às bebedeiras dos rapazes do que às das raparigas”, responde Tânia Gaspar, que faz questão de salientar que, mais do que o género, “são os motivos das bebedeiras, a frequência e a intensidade do consumo excessivo que definem o nível de risco”.

A adolescência é uma fase sensível e a questão dos consumos é particularmente delicada, essencialmente por dois motivos, segundo Inês Afonso Marques. “A necessidade de integração num grupo, como tarefa de desenvolvimento da adolescência, com consequente possível pressão dos amigos para a adoção de comportamentos menos desejáveis.” Por isso, é importante conhecer e acompanhar o grupo de amigos dos filhos. O segundo motivo, explica, prende-se com “a dificuldade de autocontrolo, decorrente da interferência de fatores hormonais e da imaturidade do córtex pré-frontal, região cerebral responsável pela capacidade de autocontrolo e regulação emocional.”

O exemplo é sempre importante. “Os filhos aprendem mais com o que observam do que com o que ouvem. Portanto, pais com consumos excessivos de substâncias tendem a apresentar aos filhos um modelo menos saudável”, diz Tânia Gaspar. Rute Agulhas lembra que os pais são os principais modelos para os filhos e que há comportamentos que se podem repetir. Ou não. Há os que replicam o que veem e há os que evitam o que veem devido a más experiências. “Muitos jovens afirmam não querer beber exatamente por terem memórias negativas associadas ao consumo parental. Recordam o pai/mãe bêbado, as discussões, a vergonha social e o que sentiram ou sentem enquanto filhos e, por esse motivo, rejeitam qualquer tipo de consumo. Aqui, o consumo dos pais acaba por ter um efeito dissuasor e aversivo”, indica a psicóloga clínica.

Moderação, autorregulação das emoções, relações interpessoais positivas e baseadas no respeito mútuo são fundamentais no modelo parental quando se fala em álcool. “Mas a prioridade será a prevenção, desenvolver competências para saber lidar e gerir os desafios da vida”, sublinha Tânia Gaspar.

Há mais vida além da família e, portanto, o assunto deve ser falado nas escolas em nome da promoção de adoção de comportamentos saudáveis, da reflexão sobre os riscos e suas consequências, com informações detalhadas e vocabulário adequado à faixa etária. “Ao contrário do que por vezes se pensa, falar abertamente de temas como álcool, drogas ou sexo não incentiva ao comportamento, mas promove tomadas de decisão mais conscientes”, garante Inês Afonso Marques. Falar sem diferenças de género por motivos óbvios. “Uma bebedeira traduz um comportamento de excesso, pelo que os limites do aceitável não deverão estar associados ao facto de se tratar de uma rapariga ou rapaz, até porque o impacto negativo da mesma (nomeadamente no cérebro e, consequentemente, no comportamento) é genericamente análogo em rapazes e raparigas”, remata a psicoterapeuta infantojuvenil. A primeira bebedeira de um filho ou de uma filha é sempre um momento complicado de gerir e de lidar. O importante é ter olhos, ouvidos e braços abertos. E saber escutar corações.

 

A matemática e a família

Dezembro 30, 2022 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Texto da Escola Virtual 

O interesse, as crenças e as atitudes dos pais face à aprendizagem, em geral, e à matemática, em particular, influenciam muito os seus filhos.

A matemática existe em tudo o que nos rodeia. Contudo ela parece assustar muitas pessoas, surgindo como um papão, que desafia mesmo os mais inteligentes. Seria bom que ela deixasse de ser vista e sentida dessa forma e passasse a ser olhada e vivida como um desafio. Se os professores têm um papel importante a desempenhar para que tal aconteça, também os pais podem contribuir fortemente para tal.

A criança começa a aprender logo que nasce. Quando ela vai para a escola, a aprendizagem reparte-se entre o tempo das aulas e o tempo passado com a família. O interesse, as crenças e as atitudes dos pais face à aprendizagem, em geral, e à matemática, em particular, influenciam muito os seus filhos. Uma grande parte da aprendizagem faz-se por modelagem, sendo os pais os principais modelos das crianças.

No quotidiano surgem imensas oportunidades para os pais estimularem e desenvolverem as competências matemáticas dos seus filhos. Vamos ver algumas situações em que, com muita frequência, utilizamos cálculos mentais por estimativa. Podemos envolver as nossas crianças nessa atividade.

O cálculo mental por estimativa utiliza-se para, sem papel e lápis nem calculadora, encontrar rapidamente o resultado o mais aproximado possível de uma ou várias operações. É utilizado em muitas situações do quotidiano, em diferentes contextos, tais como a culinária, as compras ou uma viagem.

Eis alguns exemplos de situações em que se pode resolver os problemas por estimativa, com a ajuda das crianças:

  • 1 euro chega para comprar 30 rebuçados de 3 cêntimos?
  • Na época dos saldos e nas promoções é indicado o preço anterior e a percentagem de desconto, sendo, muitas vezes, necessário fazer o cálculo do preço a pagar.
  • Chegou a altura da festa de aniversário. É preciso calcular o número de garrafas de 1,5 L de Coca-Cola que se vai comprar para encher 20 copos de 2 dl.
  • Chegaram as férias. Quanto tempo se vai demorar a fazer um percurso de 230 km, a uma velocidade média de 90 km/h?

Também a estimativa de medidas e quantidades pode proporcionar situações interessantes:

  • É preciso arrumar os lápis de cor. Quantos vão caber nesta caixa?
  • Quantos palmos medirá a mesa da sala de jantar?
  • Quanto tempo demoro a ler uma página de um livro?
  • Quantos berlindes cabem numa lata de Coca-Cola de 33 cl?
  • Quantos centímetros mede um pau de esparguete?

É necessário que a criança tome consciência de que estas estimativas são fundamentadas e não feitas apenas ao acaso. Por isso é conveniente perguntar-lhe como chegou à conclusão que tiver tirado. É também importante que ela perceba que existem formas diferentes de resolver o mesmo problema. Para que isso aconteça, podem ser comparadas as estratégias utilizadas por várias pessoas.

Há situações em que se requer um cálculo absolutamente exato e outras em que a estimativa aproximada é suficiente. Elas ocorrem no quotidiano de todas as pessoas e de todas as famílias. Os pais podem contribuir para que a criança se vá apercebendo do tipo de cálculo mais adequado às diferentes situações.

Quando a matemática faz, conscientemente, parte do quotidiano da família e até serve de desafio e é fonte de brincadeiras e de passatempos, não será nunca um papão. A criança não só terá expectativas positivas e estará motivada para a sua aprendizagem, como ficará confiante nas suas competências.

ARMANDA ZENHAS
Professora aposentada. Doutora em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Mestre em Educação, área de especialização em Formação Psicológica de Professores, pela Universidade do Minho. Autora de livros na área da educação.
Professora profissionalizada nos grupos 220 e 330. Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, nas variantes de Estudos Portugueses e Ingleses e de Estudos Ingleses e Alemães, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Professora profissionalizada do 1.º ciclo, pela Escola do Magistério Primário do Porto.

Artigo originalmente publicado no Educare.pt

 

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