O efeito da idade relativa é um fenómeno amplamente estudado desde 1960, apontando para uma vantagem das crianças nascidas entre janeiro e março relativamente aos aniversariantes no último trimestre do mesmo ano. O ensino e o desporto são as áreas mais evidentes em que se regista este efeito, que se vai esbatendo com o tempo: uns meses não representam nada se estivermos a falar de um adulto, mas podem fazer a diferença no desenvolvimento físico e psicológico em tenra idade.
Uma palavra para quem nasceu em janeiro e que, ao ler o título deste artigo, pensou imediatamente que a sua data de nascimento é um passaporte para o sucesso: calma. Uma mensagem também para os aniversariantes em dezembro: não desespere, você não é um caso perdido e não precisa de recorrer imediatamente a um life coach. Para os leitores mais descrentes, nada há de esotérico na vantagem que pessoas nascidas no início do ano podem ter no ensino e no desporto em relação a quem nasceu no último trimestre. Não é preciso saber ler as cartas ou olhar para o posicionamento dos astros para perceber o fenómeno. É apenas ciência e há uma vasta investigação académica sobre o tema: Efeito da Idade relativa (EIR).
“Em várias áreas da atividade humana, o mês de nascimento tem sido mencionado como um dos fatores que mais condicionam o processo de seleção e o caminho para a excelência”, começa por explicar, ao Expresso, Júlio Garganta, professor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP). “É conhecido que indivíduos agrupados na mesma categoria etária apresentam considerável variação no crescimento e na maturação biológica. Essa diferença entre indivíduos de uma mesma categoria etária é denominada Efeito da Idade Relativa”, define o antigo coordenador do Gabinete de Futebol da FADEUP. “Trata-se, portanto, de uma vantagem maturacional, que pode ter repercussões importantes no desempenho humano, bem como na avaliação que se faz do mesmo”, observa o doutorado em Ciências do Desporto, focado nesta temática ao longo da última década, sobretudo no âmbito do futebol.
O Efeito da Idade Relativa, aclara Júlio Garganta, é mais acentuado “sobretudo no final da infância e na adolescência”, uma vez que “tende a esbater-se” na transição para a vida adulta.
“Trata-se de um efeito ilusório que tem a ver não com o indivíduo, nem com a sua capacidade de aprendizagem, ou em última análise com a sua proficiência, mas é algo que resulta de se ter nascido primeiro”
Júlio Garganta, doutorado em Ciências do Desporto, autor da tese “Modelação tática do jogo de Futebol”
Pense-se num exemplo simples: duas crianças nascidas no mesmo ano, uma em janeiro e outra em dezembro, com apenas 11 meses de diferença na idade. Contudo, isso fará com que a mais velha entre para o primeiro ciclo do ensino básico já com seis anos feitos, enquanto a mais nova – inscrita com matrícula condicional – terá ainda cinco. Uma clivagem de 11 meses pode não representar nada se estivermos a falar de um adulto, mas também o tempo é relativo e, proporcionalmente, tem uma influência muito maior no desenvolvimento físico, intelectual, emocional, social e psicológico durante a primavera da vida. Ou seja, essas duas crianças podem não estar, à partida, no mesmo patamar. Os primeiros estudos sobre o EIR, que surgiram no início dos anos 1960, “chamavam também à atenção para o facto de a variação de meses em crianças e adolescentes poder originar claras diferenças no desempenho escolar”, alude Júlio Garganta.
Alguns autores sugerem que crianças condicionais – nascidas entre 16 de setembro e 31 de dezembro – podem obter piores resultados, têm uma maior probabilidade de necessitar de serviços de educação especial ou de apoio psicológico e são mais frequentemente diagnosticadas com hiperatividade/défice de atenção, tudo por causa do dito Efeito da Idade Relativa.
Alunos mais novos têm mais tendência para o abondono escolar e para chumbar
O relatório “Mês de nascimento e desempenho académico: diferenças por género e nível de educação”, elaborado por Pilar Beneito e Javier Soria, demonstra que o Efeito da Idade Relativa “vai para além dos primeiros anos de formação escolar” e encontra “evidências de um efeito significativo do mês de nascimento nas últimas etapas do ensino secundário e da universidade, ou seja, uma vantagem no prestação académica dos alunos mais velhos pelo menos até ao final da adolescência”. Porém, a vantagem do EIR é mais notada nas raparigas, que apresentam “mais 0,75 pontos na média de entrada para a faculdade” em comparação com as colegas mais novas, e um “avanço de 0,15 pontos nas notas universitárias”. No caso dos rapazes, não foi detetada uma variação significativa.
De acordo com o mesmo estudo, publicado em 2020, “os alunos mais novos não só obtêm notas mais baixas, como têm uma maior probabilidade de repetir um ano letivo e uma maior tendência para o abandono escolar”.
À conversa com o Expresso, a psicóloga educacional Diana Alves começa por reparar que “a lei e a sociedade olham muito para o cronológico”, o que “torna a equação muito simples”. No entanto, “quando falamos de idade mental, que está mais próxima do conceito de idade relativa, a equação é bem mais complicada e tem bem mais variáveis do que a mera diferença na data de nascimento”.
A professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, que acompanha crianças e adolescentes na prática clínica, além de integrar projetos de intervenção em contextos escolares, afirma que “há uma pressão social muito grande da sociedade em geral para que as crianças avancem na aprendizagem formal”. Todavia, vinca, “aprendizagem e desenvolvimento não são sinónimos” e “em crianças com cinco ou seis anos é muito mais notório [o EIR]”.
É por isso que Diana Alves sugere um modelo de ensino “mais individualizado, adequado ao ritmo e às competências de cada criança, que olhe para o desenvolvimento e para a aprendizagem como um processo contínuo”, “menos focado em resultados” padronizados e quantitativos, até “porque o perfil típico de uma criança de cinco e de seis anos é extremamente diferente”.
Para a psicóloga de 46 anos, “a aprendizagem pode alavancar o desenvolvimento, mas isso só vai acontecer se as situações de aprendizagem estiverem próximas das competências desenvolvimentais adquiridas”. Caso contrário, conclui, “vai ter repercussões negativas, desmotivando a criança”.
Efeito “ilusório” que pode dar “falsos positivos” e “falsos negativos”
O mesmo pode acontecer no desporto de formação, levando ao abandono. “Em modalidades desportivas como o futebol, em que as categorias são organizadas num intervalo de dois anos, as disparidades resultantes da data de nascimento criam uma diferença expressiva entre jogadores nascidos no início do ano e os jogadores nascidos no final do mesmo ano, fundamentalmente devido ao distinto desenvolvimento físico”, nota Júlio Garganta. “Repare-se que no mesmo escalão ou categoria poderemos encontrar jovens com a mesma idade cronológica, apesar de uns terem nascido em janeiro e outros em dezembro do mesmo ano, o que representa uma diferença de quase um ano”, sublinha o especialista, que já colaborou com o FC Porto, o Sporting e com a Seleção Nacional de Portugal na observação e interpretação do jogo.
O Efeito da Idade Relativa confere, assim, uma discrepância nas valências de natureza física, “nomeadamente o peso, a altura e o perfil hormonal”, aponta o membro do Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto (CIFI2D), para quem a diferença de idades “acaba também por fazer emergir uma vantagem de ordem psicológica, pelo menos a curto prazo”.
Júlio Garganta orientou a dissertação, elaborada por Hélder Fonseca, intitulada ‘O Efeito da Idade Relativa no Futebol: Estudo realizado em jovens Internacionais nos Campeonatos do Mundo de Sub-17’. “As conclusões revelaram que, em todos os campeonatos do mundo de futebol de sub-17 analisados, se verificou uma clara sobrerrepresentação de jogadores nascidos no primeiro trimestre em contraste com uma sub-representação de jogadores nascidos no terceiro e quarto trimestres”, sintetiza o professor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
Tais diferenças nas datas de nascimento, diz, “revelaram-se mais significativas no futebol masculino do que no futebol feminino”. Além disso, complementa, “o Efeito da Idade Relativa é mais evidente nas seleções do continente europeu e da América do Sul”. E há posições específicas em campo nas quais o EIR é ainda mais “perverso”, principalmente aquelas que estão diretamente “relacionadas com o tamanho corporal”, como a função de guarda-redes, defende o docente da FADEUP.
Isto pode ser um problema e fazer com que muitos talentos passem despercebidos nos escalões de formação se os treinadores não pesarem devidamente as “vantagens ilusórias relacionadas com a maturação” ou “se não forem suficientemente competentes para perceber o potencial de progressão dos praticantes e não apenas o desempenho presente”, adverte Júlio Garganta. É por isso que é preciso “estar alerta”, realça, porque “não é rara a proliferação de ‘falsos positivos’ e de ‘falsos negativos’”.
Por outras palavras, as do investigador: “no primeiro caso, trata-se de jogadores que foram identificados como talentosos devido à vantagem maturacional, mas que, com o evoluir do processo se percebe que não conseguem chegar a níveis elevados de desempenho”; “no segundo caso, incluem-se os jogadores que foram excluídos, por exemplo, devido ao seu menor tamanho corporal, mas que poderiam atingir níveis elevados se fossem mantidos no processo”.
“11 meses de diferença entre jogadores do mesmo escalão podem ser decisivos para a opção do treinador”
Quem conhece de perto o Efeito da Idade Relativa é o treinador Luís Castro, atualmente ao serviço do Al-Duhail SC, no Catar, e que durante sete anos coordenou as camadas jovens do FC Porto. “Dentro do mesmo escalão temos jogadores mais novos e mais velhos. Muitas vezes, em determinado momento da formação de cada jogador, é determinante a dimensão física aos olhos de quem lidera o processo formativo e de quem lidera o processo de treino”, comentou o técnico de 60 anos, quando foi o convidado de um podcast da Federação Portuguesa de Futebol para analisar o tema. “É preciso perceber o talento dos meninos que temos nas mãos, mas também perceber as dificuldades que cada um tem no desenvolvimento das tarefas em treino e em jogo”, sustentou Luís Castro.
“A idade relativa vai sempre condicionar de alguma forma aquilo que é a vida do jogador ao longo de uma época desportiva” e “esses 11 meses de diferença entre jogadores do mesmo escalão podem ser decisivos para a opção do treinador e para opções futuras da continuidade do jogador no clube”, assume o timoneiro. Por isso, advoga, “tem de haver muita atenção da parte de todos para se perceber exatamente o que cada jogador precisa quando está aquém dos outros nessa dimensão física”: “A falta de paciência e o não entendimento da situação muitas vezes é fatal para a tomada de decisão, quer do treinadores, quer dos pais, quer dos agentes que muitas vezes os jogadores têm”.
Estas foram algumas das frases que Luís Castro utilizou para analisar um estudo do “Portugal Football Observatory”, publicado em maio de 2021. Os resultados indicam que, no futebol masculino, 26,6% dos atletas de formação nasceram entre janeiro e março, acima dos 22,8% nascidos no último trimestre. No futebol feminino, a diferença é menos acentuada: há 24,6% de jogadoras nascidas no primeiro trimestre e 23,7% entre outubro e dezembro.
O projeto Dragon Force foi criado em 2008, com o objetivo de descobrir novos talentos para a formação do FC Porto. Ricardo Ramos é quem há 14 anos traça a estratégia para que as 20 ‘escolinhas’, com cerca de 5000 crianças com idades entre os 3 e os 18 anos, possam “ter a melhor formação possível, sem confundir ambição com ganância”. O diretor-executivo conhece bem o Efeito da Idade Relativa, mas relativiza-o.
“É algo que pode acontecer. Estatisticamente tem relevância para alguns, mas na nossa opinião não é nem pode ser uma condição. Não somos condicionados por isso”, assegura o responsável de 38 anos. Para o gestor da Dragon Force, “não se pode avaliar apenas a componente física” e “o essencial é a qualidade que a criança apresenta na sua relação com a bola”. Prova disso, conta Ricardo Ramos, é que “há jogadores que até podem ser mais baixos ou mais gordos mas que têm uma visão de jogo impressionante e conseguem colocar a bola onde querem”.
“Há um impacto ligeiro do Efeito da Idade Relativa nos mais jovens, mas que se vai desvanecendo à medida que sobem de escalão. Acaba sempre por haver um equilíbrio entre jogadores nascidos no primeiro e no último trimestre dentro das turmas e das equipas de competição”
Ricardo Ramos, diretor executivo da Dragon Force
“Percebemos que um miúdo um ano mais velho acaba por ser mais forte fisicamente, mas isso não é algo que coloque em causa o desenvolvimento de um companheiro mais novo. Pelo contrário, até ajuda a dar-lhe outra competitividade para que possa ultrapassar essa adversidade”, remata o diretor-executivo da Dragon Force.