Peter Hunt, professor: ‘Toda literatura infantil tenta controlar a criança’

Janeiro 4, 2016 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Entrevista do site http://oglobo.globo.com a Peter Hunt no dia 27 de novembro de 2015.

Leo Martins Agência O Globo

Para Hunt, os padrões para livros adultos e infantis são completamente diferentes – Leo Martins / Agência O Globo

Pioneiro do estudo do gênero na academia britânica, premiado pesquisador e escritor inglês veio ao Rio falar e evento da Casa de Rui Barbosa

por Emiliano Urbim

“Sou da cidade de Bristol, na Inglaterra, perto de Londres. Criei e ministro a disciplina de Literatura Infantil na Cardiff University, no País de Gales, a primeira do gênero na Grã-Bretanha . Na infância, minha escola era bem diferente do que retratam os livros. Assim como a própria infancia e a vida”

Conte algo que não sei.

Toda literatura infantil é sobre poder e tenta controlar a criança. O escritor adulto está sempre impondo sua visão de mundo ao leitor mais jovem.

Como funciona na prática?

Bom, na maioria destas histórias há um final feliz e os caras bons vencem os caras maus, ainda que na vida real seja bem diferente.

O autor adulto mostra uma infância melhor que a real?

Mesmo que o autor não tenha tido uma infância feliz, vende a ideia de que é a melhor fase da vida. Mas a infância é cruel! “Peter Pan”, o menino que não quer crescer, é uma ideia de adulto. Assim como a escola maravilhosa de “Harry Potter”. Não sei você, mas minha escola não era nenhum paraíso.

Isso está mudando?

Sim. Hoje há até uma moda de distopias, estilo de “Jogos vorazes”. Parte-se do princípio de que o mundo é um lugar ruim.

Quais são os melhores livros para crianças?

Aqueles que os adultos não apreciam, não entendem e nem querem saber do que se trata. Aqueles de que só as crianças gostam e são ignorados pela crítica literária. Eu mesmo não saberia dizer quais são…

Livros infantis e para adultos deveriam ser avaliados pelos mesmos critérios?

Absolutamente não. Regras diferentes devem ser aplicadas. Vocabulário limitado pode ser tedioso para você e, ao mesmo tempo, ser o que um garoto quer. Ilustrações podem ser redundantes para o adulto, mas preencher lacunas de conhecimento para o menino.

Mas há livros escritos para crianças e celebrados pelos adultos, como “Alice nos país das maravilhas”.

Sim. Mas a infância muda. A infância de 100 anos atrás não é a mesma infância de hoje. O fato de que esses livros eram para crianças não significa que ainda sejam. Pais e professores que não entendem isso tornam sua vida muito difícil.

Melhor evitar os clássicos?

A maioria das pessoas não sabe dizer exatamente porque um livro é bom. Na falta de uma explicação concreta, recorre-se ao cânone, uma lista pré-aprovada (lembre-se, feita por adultos) de livros supostamente bons. E o que acontece? A garotada se entedia.

A culpa nunca pode ser da própria garotada?

Se a criança não gosta do livro, a culpa é do livro.

Livros tradicionais podem ser atraentes para crianças cercadas de tecnologia?

Precisam mudar, e mudam. Clássicos são reescritos, menores e com mais ilustrações. A ideia não é simplificar, mas adaptar para quem não pensa como eu e você. Aprendemos a pensar de forma linear. As crianças pensam em zigue-zague.

Você escreveu ficção infantil. Funcionou?

É impossível esquecer o que pesquisei, as histórias que li. Decidi não seguir regras, criar narrativas ousadas, surpreender. Eu gostei do resultado. Os editores, nem tanto — eles tendem a preferir mais do mesmo.

Você diz : “Livros infantis terminam com pontos finais. Histórias infantis, não”. Como assim?

É impossível saber como uma criança vai interpretar uma narrativa. A fantasia deles é muito maior que a dos adultos — e muito menos comportada.

 

 

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