Esta escola é um farol de esperança

Janeiro 15, 2016 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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texto do site Educare de 28 de dezembro de 2015.

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A EB 1.º, 2.º e 3.º ciclos com pré-escolar de Curral das Freiras, na Madeira, é a escola pública com a melhor média nos exames nacionais do 9.º ano. Esta escola está numa das zonas mais pobres da ilha e 92% dos alunos beneficiam da Ação Social Escolar. Nesta escola, trabalham-se sonhos, competências, confiança, expectativas dos alunos e famílias.

Sara R. Oliveira

A EB 1.º, 2.º e 3.º ciclos com pré-escolar de Curral das Freiras, na Madeira, teve a melhor média no exame de Português do 9.º ano, 4,4 valores. Nos rankings, esta é a escola pública com a melhor média nos exames nacionais do 9.º ano. Só três escolas públicas estão nos primeiros 50 lugares: a EB do 1.º, 2.º e 3.º Ciclos com Pré-Escolar do Curral das Freiras na 31.ª posição, a Escola Secundária Infanta D. Maria de Coimbra em 41.º lugar, e a Escola Secundária com 3.º Ciclo Dr. Mário Sacramento de Aveiro em 48.º.

A escola da Madeira tem 305 alunos – 9 na creche, 27 na pré, 55 no 1.º ciclo, 62 no 2.º Ciclo, 64 no 3.º ciclo, 39 nos Cursos de Educação e Formação, 28 nos cursos profissionais, 12 no ensino recorrente e 9 na Educação e Formação de Adultos. Nesta escola 92% dos alunos beneficiam da Ação Social Escolar (ASE) e no ano letivo 2014/2015 a taxa de retenção era de 27,75%. A escola tem 74 professores, 30 são docentes de quadro de nomeação definitiva e 44 são contratados. Curral das Freiras, no concelho de Câmara de Lobos, fica no fim de uma única estrada sem saída que liga a freguesia ao Funchal. Tem cerca de 2000 habitantes e 25 quilómetros quadrados de área. A agricultura é a atividade principal. Com a crise no setor das obras públicas, a população tem abandonado a localidade. As famílias estão maioritariamente desempregadas e quem tem trabalho está na hotelaria, na agricultura ou aguenta-se na construção civil. Há um ano, Dina Camacho Ascensão estava no 9.º ano da escola de Curral das Freiras, onde estudou cinco anos. “No meu último ano nesta escola, desconhecida ou até mesmo desprezada por muitos, eu e a minha turma alcançámos um excelente lugar entre as escolas públicas nos exames do 9.º ano. Com isto, só viemos recordar e provar às pessoas que não interessa de onde viemos, mas sim onde nos leva a nossa persistência”, refere ao EDUCARE.PT. Dina recua ao 9.º ano. “Éramos uma turma pequena, mas posso garantir que se não tivéssemos trabalhado isso não nos serviria de nada. O facto de sermos uma turma unida fez-nos estar lá para as dificuldades de todos e a nossa amizade ajudou-nos a ultrapassar essas mesmas dificuldades”, diz. O lugar no ranking é, na sua opinião, resultado do empenho, esforço e dedicação de várias pessoas e os professores foram essenciais por terem acreditado nos alunos, por nunca terem desistido deles.

Dina sabe que nem todos os alunos gostam da escola. Há cansaço, pressão, conflitos. Mas há outras coisas também. “Com a escola, nós crescemos e isso devia ser o que deveríamos ter em conta, acima de tudo. Crescemos tanto a nível cognitivo como a nível pessoal, aprendemos coisas novas, mesmo que pensemos que não nos servirão de nada no futuro, e aprendemos a viver em sociedade, a afirmarmo-nos e a lutar por uma vida e um mundo melhor.” “Saber não ocupa lugar e talvez um dia nos surpreendamos com a utilidade do que aprendemos. No futuro, ao refletirmos sobre a pessoa em que nos tornámos, vamos olhar para trás e reconhecer a influência que a escola teve em nós. É isto que mais gosto na escola, a ligação entre o presente e o futuro”, acrescenta.

Há, todavia, retoques a fazer. Dina faria algumas alterações, ou seja, reduzia o número de alunos por turma e emagrecia os custos com os estudos para que mais jovens tivessem oportunidade de continuar na escola. Hoje, em seu entender, as atenções recaem essencialmente no cumprimento de metas e programas curriculares, em vez de se apostar numa “aprendizagem livre e cativante”. Neste momento, está no 10.º ano na Escola Secundária Jaime Moniz, no Funchal. Ainda não tem certezas do que quer seguir. Sabe, porém, que quer ajudar a melhorar o mundo. Medicina, gestão, investigação criminal são opções que lhe parecem apelativas. Dina acredita no que aí vem. “Espero que o futuro que nos espera seja um fruto saudável e suculento, resultado do nosso presente, e que nos salve a todos da desgraça. Prefiro acreditar que os jovens trarão consigo para a vida adulta inovação, dedicação, esforço, novos horizontes e mentalidades, esperança, cooperação e paz.”

A escola como fator de equidade social

Na escola de Curral das Freiras, há apoio específico para a recuperação de competências a Português, Matemática e Inglês, há modalidades desportivas e artísticas e desenvolvem-se vários projetos: de solidariedade como o akiEUconto, de incentivo à participação cívica como o EUcidadão pensante, de prevenção rodoviária e de promoção ambiental. “Com excelência formamos homens e mulheres para e com a sociedade” é o lema do projeto educativo. Joaquim Sousa, diretor da escola há seis anos, olha para os rankings como mais uma ferramenta de avaliação do trabalho e da evolução enquanto entidade formadora de qualidade. “Mais do que nos preocuparmos com os rankings, temos procurado cumprir o nosso Projeto Educativo de Escola.” “Entendemos que os resultados dos alunos desta escola podem e devem motivar todas as crianças que vivem fora dos grandes centros, ou em situação de pobreza, que efetivamente a escola pode ser o grande fator de equidade social, pois cada um, pelo seu valor, pode, desde que devidamente orientado e acompanhado, superar barreiras sociais que infelizmente ainda se mantêm no nosso país”, realça.

Os alunos são acompanhados desde o primeiro momento. Durante os vários momentos do percurso, trabalham objetivos e capacidade de resiliência para que consigam atingir os seus sonhos. “A escola assume esse mesmo compromisso com uma educação de qualidade e de continuidade”, refere o diretor. E como se trabalha num contexto tão desfavorecido, numa das zonas mais pobres do arquipélago da Madeira? “Acreditando verdadeiramente que a educação ainda é uma janela de oportunidade para um melhor futuro individual e coletivo de todos e de cada um de nós”, afirma. A escola ainda é olhada como um dos poucos espaços, em meios mais pobres, em que é possível acreditar num futuro melhor. “Acreditamos que o professor ainda é, na sociedade, um fazedor de sonhos. Olhamos para os nossos alunos e cuidamos deles como gostaríamos que tratassem os nossos filhos, com rigor e com responsabilidade, incutindo o trabalho como elemento fundamental para o futuro, e procurando desenvolver nos alunos o conceito de trabalhar hoje para colher os frutos amanhã”, sublinha o responsável.

Naquele meio, muitos pais estão desempregados ou sem expectativas profissionais. “A Internet, os computadores, uma biblioteca em casa e uma mesa farta são hoje autênticas miragens para muitas destas crianças e, ainda assim, terem os resultados que têm, é verdadeiramente motivo de orgulho para uma equipa de trabalho que tem desenvolvido nos últimos cinco anos este projeto, que pode ser a nível nacional um farol de esperança para todos, para abandonarmos as constantes desculpas que Pessoa tão bem soube descrever: ‘Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” E como se ensina a ter expectativas de futuro num meio socialmente desfavorecido, complicado? “Passo a passo, trabalhando diariamente a confiança, os sonhos, as competências e as expectativas dos alunos e das famílias, cuidando quando necessário de outras dimensões como a alimentação, o vestuário, higiene oral e promovendo sessões de motivação/superação com os discentes”, responde. Maximizam-se competências, recuperam-se fragilidades. Há um acompanhamento diário através do Projeto Individual do Aluno, com diferentes momentos de verificação da aquisição das competências. “Neste contexto, os exames nacionais são pontos de verificação importantes para que este trabalho continuado e interminável que é o ato de aprender, que começa no assumir de responsabilidade por parte dos alunos, seja fundamental para o seu futuro e para o futuro das suas famílias, que sentem que a formação que é ministrada na escola é rigorosa e de qualidade.” “Para os professores, os exames nacionais são o resultado palpável da valência do ensino ministrado e da administração escolar, que garante que o sonho persiste e que o futuro se constrói dia a dia”, refere Joaquim Sousa.

Força de vontade, confiança e garra

André Santos tem 14 anos, está no 9.º ano, quer concluir o ensino secundário e seguir para o curso de Medicina. “Espero vir a ser um bom profissional e um cidadão que contribua para boas causas.” Gosta da escola de Curral das Freiras. Na sua opinião, tem tudo o que os alunos precisam. “Vive-se um bom ambiente, há uma boa relação entre os alunos, pessoal docente e pessoal não docente, o que leva a um bom desempenho. Além disso, a minha escola é uma escola que luta por todos os alunos, todos sem exceção, uma escola que não discrimina aqueles que têm mais dificuldades, mas sim uma escola que apoia os seus alunos em tudo.” O trabalho da Direção também é valorizado. “Temos uma excelente direção, bem organizada e que se preocupa com o nosso futuro. Temos um diretor que conversa connosco todos ou quase todos os dias, que se preocupa principalmente com o bem-estar dos alunos, que todos os dias nos diz que vamos conseguir e que temos de acreditar em nós, que somos capazes, que essencialmente confia nos seus e que nunca, mas mesmo nunca, desiste dos alunos independentemente das suas dificuldades”, refere.

O bom lugar no ranking assenta no trabalho feito pelos colegas e pela equipa docente. O aluno conta que tiveram um ano duro e que todos depositaram grande esperança nesse empenho. O resultado está à vista. “O sucesso tem sempre origem num grande trabalho e a minha escola ofereceu todas as condições para os meus colegas conseguirem o que conseguiram. A chave para o sucesso da escola foi a força de vontade e a garra que os meus colegas tiveram durante o ano letivo anterior.”

André Santos gosta muito de uma frase de Einstein. “O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.” Acredita que o esforço dá frutos e, se mandasse, teria algumas mudanças a propor. Ou seja, aumentar o número de turmas para ter turmas mais pequenas, cursos de educação e formação e cursos profissionais mais práticos, mais parcerias com empresas para permitir o contacto com o mundo do trabalho – em vez de um estágio anual, um trabalho contínuo desde o início até ao fim do curso – e intensificar a orientação vocacional no 3.º ciclo para ajudar os alunos nas suas escolhas para o futuro.

Maximizar competências, superar dificuldades

Américo Sá tem 18 anos e foi aluno da escola de Curral das Freiras. Quer ser agente da GNR, quer continuar a estudar para cumprir o seu desejo e cumprir todas as metas traçadas. Ficou contente com as boas notícias do ranking. “Houve muito esforço, trabalho, responsabilidade. Com isto e muito mais conseguimos bons resultados. Os objetivos são cumpridos quando somos unidos, quando somos uma equipa, e claro se nos ajudarmos uns aos outros tudo se torna mais fácil.” Não mudaria nada na escola. “Está bem assim, é uma escola muito acolhedora e tenho orgulho em dizer que estudei na escola de Curral das Freiras que se situa no coração da ilha da Madeira.”

Ninguém trabalha sozinho e a escola não funcionaria sem uma equipa dedicada, sem o trabalho do diretor pedagógico e dos coordenadores dos departamentos, sem a abnegação dos funcionários e a atenção dos pais e dos encarregados de educação. O projeto educativo definiu qual o futuro que pretende para os seus alunos. Joaquim Sousa revela qual é esse futuro: “excelência académica e social, objetivos que representam o ideário da própria entidade formadora, o qual assenta no incremento da corresponsabilização dos alunos no processo de ensino-aprendizagem – mormente com a adoção de princípios como o trabalho, o esforço, a dedicação e o querer no seu léxico, de modo a serem elementos ativos no processo de ensino-aprendizagem, sem desculpas, nem motivos para um certo determinismo social, que condenaria a maioria dos nossos alunos à emigração ou a trabalhos no setor primário”.

Há alegrias neste processo como, por exemplo, criar oportunidades para os jovens e suas famílias para que “os mais capazes possam maximizar as suas valências e os menos adaptados possam superar as suas fragilidades de modo a que possamos quebrar o círculo da pobreza e da exclusão”. Joaquim Sousa vê um sistema de ensino com medidas avulsas, desprovidas de uma estratégia nacional. Muda o Governo, muda tudo. Há exames, desaparecem exames, os programas passam a metas, cursos vocacionais que aparecem e desaparecem, sem avaliação, debate ou reflexão. “Em educação nada pode ou deve depender da visão do momento, mas antes fazer parte de um compromisso real com o futuro, envolvendo poder político, pais, professores, alunos, sociedade em geral, em prol de um objetivo superior: um melhor

 

 

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