Desconstruindo masculinidades através dos X-Men: os jovens em centros educativos em Portugal

Junho 11, 2024 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Público de 1 de maio de 2024.

Assim como os mutantes são frequentemente marginalizados e discriminados, muitos jovens em centros educativos enfrentam o estigma e a exclusão.

Tatiana Moura, Haydée Caruso e Marta Mascarenhas

Nos corredores e pátios dos centros educativos em Portugal, onde as identidades juvenis se moldam e se confrontam, podemos pensar numa metáfora poderosa que ecoa: a metáfora dos X-Men. Estes personagens fictícios, marcados pela sua diferença e ostracização pela sociedade, oferecem um prisma possível de interpretação das dinâmicas de masculinidade entre os jovens.

Num país onde as normas tradicionais de masculinidade ainda persistem, estes (e outros) jovens enfrentam ainda a pressão para se conformarem a estereótipos rígidos de virilidade e força. No entanto, ao explorar a metáfora dos X-Men, podemos encontrar um caminho possível para desafiar e desconstruir essas expectativas.

Assim como os mutantes da saga, os jovens em centros educativos frequentemente se vêem como diferentes, seja pela sua origem socioeconómica, lugar de pertença, orientação sexual, identidade de género ou outras características que os colocam à margem da norma. Essa experiência de alteridade coloca-os muitas vezes em conflito com as narrativas dominantes de masculinidade.

O líder carismático dos X-Men, o Professor Xavier, representa uma forma alternativa de masculinidade: uma que valoriza a empatia, a inteligência e o compromisso com o bem comum. Em contraste, o antagonista Magneto encarna uma masculinidade mais tradicional, baseada na força bruta e na busca pelo poder. Essa dicotomia reflecte os diferentes caminhos que os jovens podem seguir ao confrontarem as pressões sociais para se conformarem a determinados modelos de masculinidade.

No entanto, a verdadeira essência dos X-Men reside na diversidade dos seus membros. Cada mutante possui poderes únicos e uma história de vida singular. Mas todos estão unidos por um objectivo comum: proteger um mundo que muitas vezes os rejeita. Da mesma forma, os jovens em centros educativos podem encontrar força na sua diversidade, reconhecendo que não precisam encaixar-se num modelo único de masculinidade para serem valorizados e respeitados.

A metáfora dos X-Men oferece, ainda, uma oportunidade para explorar questões de inclusão e aceitação. Assim como os mutantes são frequentemente marginalizados e discriminados, muitos jovens em centros educativos enfrentam o estigma e a exclusão. Ao abraçar a diversidade e promover um ambiente de respeito mútuo, podem ser criados espaços onde todos os jovens se sintam validados e incentivados a serem eles mesmos.

À medida que navegamos por um mundo em constante mudança, é crucial repensar as narrativas de masculinidade que moldam as experiências dos jovens. A metáfora dos X-Men desafia-nos a questionar as normas estabelecidas e a valorizar uma visão mais inclusiva e cuidadora da masculinidade. Ao fazer isso, podemos contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa para as gerações futuras. Esse questionamento levou-nos a investigar e a desenvolver um programa sobre masculinidades, empatia e não violência. Sobre Vidas em Suspenso e Entre Lugares, sobre poderes e super-poderes que serão apresentados ao público a partir de 6 de Maio, em Coimbra.

Investigadora CES/UC; Co-coordenadora do Observatório Masculinidades.pt

Dia Internacional da Rapariga

Outubro 11, 2022 às 7:00 pm | Publicado em Divulgação | Deixe um comentário
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Todos os dias, em todo o mundo, existem mais de mil milhões de raparigas que lutam contra estereótipos e quebram barreiras.

O IAC, tal como as Nações Unidas, acredita que é preciso “defender e respeitar a igualdade de direitos das raparigas… [e que estas] … podem ser poderosos agentes de mudança e nada deve impedi-las de participarem plenamente em todos os aspetos da vida.” Promovemos, em todas as nossas ações, a igualdade de género e o verdadeiro respeito pelos direitos das mulheres.

Azul para meninos, rosa para meninas. Não tem de ser assim

Fevereiro 16, 2022 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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leonel castro

Liliana Pimentel e Nelson Moura com as gémeas Joana e Francisca, que usam roupa de todas as cores e brincam com bolas e bonecas (Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)

Reportagem do Notícias Magazine  de 9 de fevereiro de 2022.

Desconstruir estereótipos de género dá trabalho, é necessário desmontar preconceitos e atitudes, mostrar às crianças que a igualdade não é uma utopia. É preciso começar cedo. O projeto Kinder anda no terreno a apoiar profissionais que estão nas escolas desde a primeira infância e a criar novos materiais e ferramentas.

As meninas não podem jogar à bola, os meninos não podem brincar com bonecas. Cor-de-rosa num rapaz não fica bem. Uma rapariga não deve ser canalizadora. A mãe trata dos afazeres domésticos, o pai muda os pneus do carro. Há profissões masculinas, há profissões femininas. Um homem não chora e não lava a louça. Uma mulher passa a ferro e vai às compras. E por aí fora. Como desmontar tudo isso na cabeça das crianças?

Rita Constança tem dois filhos, João de 13 anos e Manuel de dez. Andam no conservatório de música, João aprende oboé, Manuel trombone. Usam cabelo comprido, vestem roupas das cores que querem, João andou no ballet, mas não quer ser bailarino, gosta muito de música. Manuel não liga muito ao futebol. Rita, enfermeira, separada, já ouviu comentários de que devia cortar o cabelo aos filhos “à homem”. Não liga, não se perturba. Esses assuntos estão bem resolvidos lá em casa.

“O João nunca abdicou das atividades de que gostava em prol da pressão dos colegas”, conta Rita, que defende que os temas da igualdade, preconceitos e estereótipos de género “devem ser abordados ao longo do percurso educativo, desde o pré-escolar”. Em várias frentes e não apenas numa disciplina. “É muito importante, mesmo em termos de futuro. Não podemos dizer que há profissões de homens e profissões de mulheres porque as crianças acabam toldadas na criatividade, acabam por não desenvolverem as suas capacidades, a fazerem outras escolhas na vida porque a pressão social é grande.”

Liliana Marques Pimentel, investigadora e professora na Faculdade de Economia de Coimbra, e Nelson Moura, engenheiro eletrotécnico, têm duas filhas gémeas, Joana e Francisca, de três anos. Andam na creche, em setembro entram no pré-escolar, têm roupa azul e de outras cores, brincam com bolas e com bonecas. Se fossem meninos, garante a mãe, seria igual. “Vamos dando o melhor contexto possível. Nas brincadeiras, nunca fazemos diferença de brincadeiras de meninas e de meninos. E tenho a certeza de que o faríamos da mesma forma se fossem meninos”, assegura Liliana Pimentel que, confessa, fica satisfeita quando vê cada vez mais mulheres nas suas aulas ligadas à Gestão e Contabilidade. “Não tem de haver essa construção de que há brincadeiras mais propícias para os meninos e mais propícias para as meninas. Não fazemos uma educação, à partida, tendenciosa. Não temos discursos estereotipados”, reforça.

Luís Gonçalves é professor de Cidadania e Desenvolvimento e de Educação Moral e Religiosa Católica no Agrupamento D. Infante D. Pedro, em Penela, fez parte do grupo de trabalho da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, tem turmas dos 5.º ao 9.º anos, dá aulas de Cidadania ao 7.º. A igualdade de género entra na sua sala e, ao desinteresse inicial, porque os estereótipos estão tão enraizados que tudo parece normal, segue-se o envolvimento dos alunos que questionam o que parecia certo e fazem perguntas.

Quando o assunto é o empoderamento das mulheres, por exemplo, Luís Gonçalves vê que há rapazes que sentem que querem tirar os homens do topo da hierarquia profissional e social. É preciso, portanto, falar destes temas nas escolas. Daí que, no seu entender, seja essencial partilhar experiências, falar de dificuldades, fazer perguntas, debater, refletir. “Ajudar rapazes e raparigas a perceberem o seu lugar no Mundo, a relação consigo e com os outros, o respeito perante as outras pessoas.”

Capacidades e possibilidades

“O João queria ir com as unhas pintadas para a pré-escola, uma de cada cor.” Rita Constança pintava-as aos padrões, como o filho lhe pedia. No 1.º Ciclo, entrou no ballet. “Fez as provas de admissão, não havia lista de espera, entrou de imediato.” A professora de então integrou essa dança como atividade artística. “Nunca sofreu muito por andar no ballet, não tinha preferência de jogar à bola nos intervalos.”

No 5.º ano, a mãe notou diferenças, mais reparos, mais observações, meninas para um lado, meninos para o outro. “Na educação pré-escolar, essas questões não estavam muito presentes, estavam diluídas, não havia muita separação do que é de menina e do que é de menino. Nunca senti que isso fosse significativo até ao 2.º Ciclo. Nessa altura, havia ali algum desconforto e não só pelo facto de andar no ballet, havia algum bullying também”, lembra. “Acaba por haver uma pressão de aculturação silenciosa que se manifesta.” O ambiente em casa ajuda e na escola é preciso colocar esses temas na ordem do dia até para, sublinha Rita, “minimizar o impacto social e cultural”.

Liliana Pimentel é sensível às questões de género, investiga, informa-se, estuda estas temáticas, que considera “extremamente importantes”. A educação é fundamental, em casa, na escola, ao longo de vida. “O que esperamos é estimular as nossas filhas e que elas percebam que não é o facto de serem meninas que as vai limitar neste ou naquele tipo de desportos ou de atividades. Deixá-las explorar para verem quais as suas preferências”, especifica. Liliana Pimentel e Nelson Moura estão e estarão atentos, sabem que há projetos e atividades neste âmbito. Ainda assim, Liliana deixa um reparo: “Há claramente uma desigualdade de género nas tecnologias de informação”.

Rita aponta algumas incongruências, inconsistências. Por vezes, o discurso da igualdade de género não bate certo quando se abrem os livros da escola. “Muitas vezes, os manuais escolares mostram os meninos com bolas, as meninas com bonecas e tarefas domésticas. Esses manuais não podem seguir padrões nem estereótipos”, comenta.

Nada acontece de um dia para o outro, há estereótipos que se perpetuam, até de forma inconsciente, portanto, é preciso começar por algum lado. “Mudar mentalidades, às vezes, demora gerações. É fundamental abordar estes assuntos, quem está no terreno sabe o quão importante é. Rapazes e raparigas são iguais no sentido de capacidades, possibilidades”, realça Luís Gonçalves. E não se pode baixar os braços. “São pequenas sementes que se vão lançando, que esperamos que caíam em terreno fértil e floresçam”, refere o professor, que é defensor de uma estratégia articulada, concertada nas escolas e nas famílias. “É importante que este trabalho seja feito com calma, com serenidade, com abertura, trabalhar com toda a comunidade para chegar a todos. Entre o perfeito e o possível, temos de agarrar pequenos possíveis para chegarmos ao perfeito.”

O projeto “Kinder – Combater estereótipos de género na educação e na primeira infância: Construir uma pedagogia inclusiva na educação infantil”, do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, foca-se nestas questões. O objetivo central é apoiar a formação de profissionais do setor da educação, docentes e não docentes, educadores e professores, que trabalham com crianças do pré-escolar, dos três aos seis anos, e dos primeiros ciclos do Ensino Básico, dos sete aos 12 anos. Com conhecimentos, aptidões e atitudes para uma pedagogia sensível ao género. Tatiana Moura, coordenadora do Kinder, professora e investigadora do CES em áreas como masculinidades e prevenção de violência de género, salienta que as escolas e as famílias têm um papel fundamental em contrariar a perpetuação de estereótipos de género. “Bastava não reproduzir desigualdades, ir a tempo de não construir esses estereótipos.” Mas essa não é a realidade. “O que estamos a fazer bem é mostrarmos às meninas que podem ser o que quiserem, engenheiras, astronautas. O que não temos feito tão bem é dizer aos meninos que podem fazer o que quiserem, não estando assim a desconstruir masculinidades que podem ser violentas no futuro”, resume. As crianças devem crescer a saber que têm várias opções. No entanto, enfatiza Tatiana Moura, “há muito poucos materiais e ferramentas para trabalhar em idade infantil”.

Histórias, livros, jogos, animações

O Kinder, que envolve mais dois países, Espanha e Croácia, fornece ferramentas nesta área, vai elaborar um manual focado nos processos de ensino e aprendizagem a partir de uma perspetiva de igualdade de género, e está a aplicar questionários a profissionais de educação e responsáveis parentais para recolher informação, trabalhá-la e direcioná-la para as necessidades reais das escolas. E está a realizar ações de formação na Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC). “A estratégia Kinder é de, para e com todos. Promove a partilha que visa eliminar a segregação de género”, adianta Sofia Gonçalves, professora na ESEC, investigadora nas áreas de organização do ensino e gestão escolar. “Há vontade, mas não há recursos suficientes”, acrescenta. O que está a ser resolvido. Cerca de 200 alunos dos cursos de Educação Básica e de Comunicação, Design e Multimédia e do mestrado em Ensino de Língua Gestual Portuguesa da ESEC estão, neste momento, a elaborar materiais e recursos pedagógicos para as escolas: histórias, jogos didáticos, desafios, animações, canções.

O combate aos estereótipos, assinala Sofia Gonçalves, não deve acontecer apenas dentro das salas de aula, mas também nos recreios, corredores, zonas de convívio. “Estas temáticas são prioritárias, esta sensibilidade é fundamental, não é só em Cidadania e Desenvolvimento, mas em todas as áreas do saber.” E adiciona: “A temática da igualdade de género é prioritária, mas, muitas vezes, não é tornada prioritária nos contextos educativos. É necessário criarem-se espaços e tempos de partilha, reflexão, sobre dinâmicas e decisões. Decisões democráticas, fundamentalmente.”

O Estado tem obrigação, segundo a Constituição, de promover a igualdade entre mulheres e homens. É, aliás, um dos princípios fundamentais, recorda Sandra Ribeiro, presidente da CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. “Educação, cidadania, igualdade e direitos humanos, não são uma mera associação de palavras, são conceitos alicerçados na Constituição da República Portuguesa e no regime jurídico nacional, mas também da União Europeia e nos tratados internacionais”, observa.

A educação tem um papel determinante para “a construção de uma sociedade mais inclusiva, menos preconceituosa, menos discriminatória”, defende. “Esta questão deve ser tratada e explorada o mais cedo possível. Os preconceitos vêm desde a nascença como pequenas bactérias que atacam. É fundamental dar às crianças ferramentas para que possam pensar livremente.” Sandra Ribeiro fala num trabalho de fundo no ambiente escolar para uma mudança comportamental estruturada. Desde cedo, quando tudo começa, quando os mais pequenos seres descobrem o Mundo.

Mais informações:

 
 

Curso de Educação Sexual Escolar: BEM-ME-QUERES na Adolescência _Estereótipos de Género em meio escolar – Janeiro e fevereiro de 2022

Dezembro 26, 2021 às 4:00 am | Publicado em Divulgação | Deixe um comentário
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A formação decorrerá nos dias 26 de janeiro, 02, 09, 16 e 23 de Fevereiro de 2022, sempre às 4asF, das 15h às 20h.

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Na adolescência não chega, estereótipos de género têm de ser desconstruídos mais cedo

Novembro 22, 2020 às 2:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia  da TSF de 11 de novembro de 2020.

O projeto Crescer + IGUAL – Primeiros Anos vai começar por chegar a quase mil crianças.

Travar os estereótipos de género desde a infância é o objetivo do projeto Crescer + IGUAL – Primeiros Anos. Inicialmente a iniciativa incidia em turmas do sétimo ano, mas Ana Paixão, da associação Questão de Igualdade rapidamente percebeu que era preciso atuar mais cedo.

“Quando chegamos a uma escola com alunos a partir dos 13/14 anos percebemos que os estereótipos já estão bastante enraizados nas respostas que nos dão, na forma como fundamentam, por exemplo as questões da violência no namoro, que são assustadoras, e pensámos que seria importante começar a trabalhar com as crianças a partir dos três/cinco anos”, explica, acrescentando que se não se for “desconstruindo os estereótipos que estão na base, não estamos a agir no futuro”.

O projeto Crescer + IGUAL – Primeiros Anos vem ajudar a construir esse futuro até porque estas ideias enraizadas desde cedo pode afetar o desenvolvimento das crianças. “Os jogos que oferecemos aos meninos, os puzzles, estimulam muito mais o pensamento crítico e o raciocínio, enquanto as bonecas nos levam para uma área do cuidar”, refere, apelando que o desejável seria que ambos tivessem acesso aos dois mundos.

“Numa escola perguntava a que é que gostavam de brincar e, em jeito de provocação, perguntei se os meninos não iam à casinha das bonecas. Uma menina respondeu logo ‘eles não podem'”, conta, apontando que a questão dos estereótipos de género “não está resolvida, ao contrário do que muita gente diz”.

O projeto trabalha junto das crianças, mas também dos pais e dos educadores e Ana Paixão insiste que é preciso lembrar que esta temática não se trabalha só em dias temáticos, deve-se “trabalhar transversalmente na leitura de uma história, na composição da sala, nas cores que escolhemos, nos brinquedos”.

Após cinco ações de formação, o projeto está agora a trabalhar com as criações em várias ações desde leituras de histórias a peças de teatro, mas tudo muito adequado à temática e faixa etária. Nas sessões com as famílias são ainda desconstruídas as questões das tarefas domésticas e das profissões porque “as crianças são um espelho do que veem em casa”.

A associação quer mostrar que a igualdade de género não é um papão, por enquanto junto de 900 crianças e 75 profissionais de 19 jardins de infância no concelho da Amadora.

mais informações no link:

Projeto “Crescer + IGUAL – Primeiros Anos”

Retrato da masculinidade: “Tentar estar à altura de estereótipos conduz a que muitos rapazes ponham em perigo as suas vidas”

Abril 4, 2020 às 1:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Entrevista de Tatiana Moura ao Expresso de 27 de março de 2020.

Nelson Marques

Tatiana Moura, socióloga e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, reflete sobre o que é “ser homem” hoje e a necessidade de adotar um paradigma de masculinidade mais saudável. Este sábado, na Revista do Expresso, leia a reportagem “Os homens também choram”

Homem que é homem é viril, é confiante, é dominante, é um líder. Homem que é homem não chora. Não sofre. Não mostra debilidade. Não fraqueja. Não é mole. Não é “maricas”. Não é “gaja”. Andam a contar-nos estas mentiras há tanto tempo que não faltam homens que acreditem nelas. E, ao fazê-lo, magoam-se a si e a todos à sua volta. Tatiana Moura é investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, onde coordena projetos sobre masculinidades, igualdade de género, paternidade e cuidado. É responsável também pelo Promundo Portugal, parte de um consórcio global de promoção de masculinidades não violentas e equitativas. Nesta conversa, lembra que a luta das mulheres por uma sociedade mais equitativa precisa de aliados homens e de melhores modelos de masculinidade. Para o bem de todos.

Os pais ainda condicionam socialmente os filhos, contribuindo para perpetuar estereótipos de género?
Ainda. Alguns sim. Desde que nascemos – e até antes, durante o período da gestação –, somos colocados em caixinhas diferentes. Somos socializados para nos comportarmos, agirmos, vestirmos e brincarmos dentro do que é socialmente aceite. Como se, desde muito cedo, nos colocassem em duas linhas de comboio distintas, paralelas, que nos levam, a homens e mulheres, por caminhos diferentes e sem nunca se cruzarem, ficando cada um confinado àquele caminho ou papel. Azul e rosa. Forte e delicada. Provedor e cuidadora. E por aí seguimos. Na verdade, estamos a projetar as expectativas que muitos adultos têm sobre essas construções, moldando o que realmente queremos ser e limitando a nossa liberdade e autodeterminação.

Como é que o fazem?
Vemos isso, por exemplo, nas cores e nos brinquedos que se atribuem aos diferentes sexos: cor-de-rosa, brinquedos de tratar da casa, de cuidar de bebés e maquilhagem se formos meninas; e azul, armas, castelos e construções se formos meninos. Mas também o vemos nos comportamentos e nas atitudes que transmitimos de forma diferenciada a um rapaz e a uma rapariga: eles têm de ser fortes, corajosos, não chorar e não recuar perante um desafio; elas têm de ser delicadas, sensíveis e gostar de brincadeiras calmas e que não são atribuídas aos rapazes. Como chamamos a uma menina que gosta de jogar à bola e de subir a árvores? Pois, “Maria Rapaz”. Isso pode acontecer tanto em casa como na escola. Podemos ter em casa uma abordagem que não seja assente em distinções binárias de género, desiguais e estereotipadas, e na escola esse tipo de abordagem pode surgir. Ou vice-versa.

É um fenómeno que se acentua na adolescência?
Na adolescência dilui-se um pouco o papel dos pais e da família e acentua-se o papel dos amigos e dos grupos. Os adolescentes querem naturalmente ser aceites no seu grupo de pares e aí vêm ao de cima as “caixinhas” em que somos colocados mal nascemos e as que o grupo espera de nós. Um rapaz colocado na caixinha da masculinidade considerada dominante terá vantagens no seu grupo se se comportar exatamente como o que é esperado dele, porque “rapazes serão sempre rapazes”. Dá menos trabalho, os resultados são imediatos. Tem vantagens como ser reconhecido e valorizado, ser mais atraente aos olhos das raparigas, ser líder e por isso ser imitado, etc.

Como é que se desconstrói isso?
Transmitindo aos jovens que existem desvantagens em ficar retido dentro dessas caixas: somos limitados nas formas como nos podemos e devemos comportar; sofremos pressão dos pares para agir de certa maneira, mesmo quando não o queremos fazer fazemos; e há impactos em termos da saúde física e mental. Mas devemos ensinar-lhes e mostrar-lhes, também, que há vantagens em “sair das caixas”, nomeadamente em não nos conformarmos com as ideias que outros têm sobre nós e sobre o que realmente somos, e manter ligações mais fortes com outras pessoas, entre outras. Dessa forma minimizamos os impactos negativos na vida, na saúde, nos relacionamentos e na felicidade dos adolescentes e evitamos comportamentos e atitudes não igualitárias equitativas e desiguais.

Esses impactos podem ser devastadores tanto para homens como para mulheres. Muitos investigadores defendem, por exemplo, que há uma linha direta entre a ideia tradicional do “ser homem” tradicional e a violência sobre as mulheres.
A violência, especialmente e nomeadamente a de género, é uma das consequências. E é-o numa tentativa de demonstração ou de reposição de poder em relação a uma pessoa que é considerada subalterna. As formas de expressão de violência ocorrem em cascata – psicológica, doméstica, sexual, homicida – e, não afetando exclusivamente mulheres e raparigas, afetam-nas de forma significativa e frequente, é transversal a todas as sociedades. No entanto, homens e rapazes são igualmente vítimas desta construção de masculinidade “tradicional” ou dominante deste tipo de violência e a violência que ocorre entre homens ou rapazes está muitas vezes associada a normas de género rígidas e a dinâmicas de poder. Esta é uma questão que precisa de estar no centro dos debates, pelas circunstâncias.

Esse é um debate ainda pouco explorado: as consequências do que muitos chamam de “masculinidade tóxica” fazem-se também sentir nos homens.
As mulheres continuam a ser as mais afetadas pelos comportamentos ligados à chamada masculinidade tóxica, mas os homens também sofrem com isso. Tentar estar à altura de ideias e imagens estereotipadas acerca dos homens e da masculinidade conduz a que vários rapazes ponham em perigo a sua saúde e a sua vida ao adotar comportamentos de risco. Uma descoberta importante de estudos realizados com jovens revela que existe pressão para estarem constantemente a provar que merecem “ser homens” e “são homens” perante outros e perante si próprios. Isso tem como consequência colocarem a sua vida e a de outros e outras em causa.

Historicamente, os homens têm ocupado o lugar cimeiro enquanto vítimas de homicídios, suicídios, mortes acidentais, consumo excessivo de álcool e outras substâncias nocivas, bem como enquanto autores de assaltos e furtos, de agressões físicas em espaços públicos e privados. 90% dos homicidas são homens, mas 90% das vítimas também. Em grande medida em resultado disso, os principais ocupantes de estabelecimentos prisionais no mundo e os que tendem a ter uma esperança média de vida mais baixa são homens.

O silêncio emocional a que muitos se votam, por exemplo, muito por culpa da ideia de que “homem que é homem não chora”, está a matar muitos homens.
Em Portugal, a probabilidade de suicídio é superior entre os homens: três vezes superior à de uma mulher, sendo que pelo menos uma em cada dez mortes de indivíduos do sexo masculino com idades compreendidas entre os 15 e os 39 anos resulta de suicídio. Os homens morrem mais do que as mulheres e em idades mais precoces. Os óbitos entre os indivíduos de sexo masculino com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos correspondem a, pelo menos, duas vezes os óbitos nas mulheres na mesma faixa etária.

Central a este debate está a questão do autocuidado. Os homens também recorrem menos aos serviços de saúde do que as mulheres, têm hábitos de consumo menos saudáveis e são mais atingidos pelo excesso de peso do que as mulheres. Embora pratiquem mais exercício físico e recorram com menor frequência a fármacos, designadamente ansiolíticos e antidepressivos.

Todos estes números e factos são resultado destas expectativas, diferentes, complexas e pressionantes, das várias interpretações sobre “o que significa ser homem” e do comportamento que se espera que homens e rapazes tenham. Têm um traço comum, que pode ser simplificado e generalizado da seguinte forma: um homem tem de ser forte, corajoso, não pode falar sobre os seus sentimentos ou, simplesmente, dizer a um amigo ou a uma amiga que se sente triste e deprimido. Assim, procuram pouco a ajuda especializada para problemas físicos e psicológicos porque tal significa que não são autossuficientes para tratar dos seus problemas, o que pode em último caso conduzir à morte.

O movimento #MeToo pôs a masculinidade debaixo do microscópio e veio reabrir o debate sobre a necessidade de redefinir o que é “ser homem”. Nada será como dantes?
Foi um ponto de não retorno, de esforço de luta coletiva de denúncia. E foi um momento de profunda reflexão e autorreflexão sobre estas práticas. Permitiu que se abrisse a discussão sobre tipos e formas de atuação de masculinidades que se consideravam impunes. Sendo um movimento iniciado sob holofotes, abriu portas a que quotidianos silenciados pudessem ganhar coragem e voz para denúncias. E nessas vozes ouvimos também vozes masculinas, aliadas, que não se conformam.

Como é que se podem criar melhores homens?
Reproduzindo boas práticas e desconstruindo as más: nem todos tivemos pais exemplares; nem todos tivemos pais agressores. A reflexão sobre o que nos faz ser melhores, mais equitativos, mais cuidadores e auto cuidadores deve ser um exercício central na construção da nossa identidade e forma de agir. Especialmente em momentos de crise, que exigem, como agora, um esforço coletivo.

Depois transmitir que a autodeterminação, a liberdade e a felicidade se constroem e se alcançam de uma forma plena e completa se sairmos das “caixas” em que nos colocam desde a nascença.

Devemos também olhar para as questões da masculinidade de forma relacional, sob uma perspetiva feminista e com a noção de que o caminho pela igualdade foi iniciado, continuado e lutado pelos movimentos feministas ao longo dos tempos. De que o abordarmos a partir do prisma das masculinidades não pode servir para uma nova forma de hegemonia dos homens, dando-lhes mais holofotes e atenção, mas sim para que estes alterem comportamentos e atitudes de forma a serem aliados e estarem de facto envolvidos na igualdade social de género e na justiça de género social.

Por fim, participando ativamente na transformação de mentalidades, comportamentos e atitudes, seja no dia-a-dia, seja no trabalho de investigação com jovens, famílias e pais, em projetos que realmente alterem e mudem as formas de pensar e agir e que tenham como objetivo a erradicação da violência em todas as suas formas e no cumprimento de uma igualdade de género pura e abrangente de todas as áreas da sociedade.

O lugar onde menina veste azul e menino veste rosa

Outubro 20, 2019 às 1:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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A escola é o lugar ideal para questionar as desigualdades de gênero
(© Keystone / Christian Beutler)

Notícia e imagem do site Swissinfo de 11 de outubro de 2019.

“Quando eu estava na escola, a aula de economia doméstica só era feita por meninas, elas aprendiam a costurar meias ou cozinhar”, lembra uma suíça de 60 anos. Uma aluna de 15 anos, que mora no mesmo bairro da senhora suíça, não consegue imaginar tal segregação: “Com a gente, nas aulas de economia doméstica, meninas e meninos cozinham e aprendem a trocar lâmpadas juntos”.

No entanto, a igualdade de gênero na educação ainda está longe de ser alcançada na Suíça. O desenvolvimento ainda depende muito do fato de você ser uma menina ou um menino. No final da escolaridade obrigatória, as mulheres tendem a escolher empregos que pagam menos e oferecem menos oportunidades de carreira.

Na verdade, o modelo de família tradicional, onde o homem trabalha e a mulher cuida das crianças, ainda é bem popular. Os dados do Departamento Federal de Estatística mostram que, em 2018, entre a população ativa com filhos menores de 25 anos, a proporção de mulheres que trabalham a tempo parcial atingiu 78,8%, contra apenas 11,7% para os homens.

Estereótipos implícitos

Como em todos os outros lugares onde as crianças são socializadas, a escola também transmite mensagens sobre a diferença de gênero. De acordo com uma pesquisa realizada em escolas primárias nos cantões da Suíça francesa, o 2e ObservatoireLink externo, um instituto suíço de pesquisa e formação sobre relações de gênero, constatou que os professores nas escolas tendem a se concentrar em:

  • dar mais voz aos meninos
  • ser mais tolerante com o barulho dos meninos
  • chamar os nomes das meninas com menos frequência do que os dos meninos na sala de aula
  • disciplinar menos as meninas do que os meninos

Em seu Guia de PrevençãoLink externo publicado no ano passado, o instituto observa que “os profissionais da primeira infância, como os professores, têm expectativas diferentes e atribuem certas características às meninas e outras aos meninos”.

Na escola, os estereótipos de gênero estão geralmente implícitos na linguagem. “Por exemplo, quando falamos de tudo relacionado à família, como almoço, aventais para trazer para a escola etc., muitas vezes nos referimos a ‘sua mãe’ ao invés de ‘seus pais'”, observa Seema Ney, responsável pelo projeto Escola da IgualdadeLink externo.

Na Escola da Igualdade

“Certamente, as escolas reproduzem certas desigualdades, mas acima de tudo são também um lugar onde essas desigualdades podem ser questionadas”, continua Seema Ney. Um dos objetivos da Escola da Igualdade, uma nova ferramenta pedagógica lançada no início deste ano, é sensibilizar os alunos para os estereótipos de gênero, a fim de lhes permitir identificá-los e ultrapassá-los.

“Com este material didático fácil de usar, esperamos encorajar os professores a introduzir considerações sobre a igualdade de gênero de tempos em tempos, seja através das aulas de francês, matemática, geografia ou história”, enfatiza o professor.

Uma das sequências pedagógicas da primeira cartilhaLink externo, por exemplo, abre a discussão em torno de um e-mail. “Olá vovô, estamos preparando na escola as fantasias para o desfile de fim de ano. O tema é o esporte. Na minha turma, as meninas vão se vestir de bailarinas e os meninos de jogador de futebol. Você sabe que adoro futebol… Mas não me atrevi a dizer que queria me vestir de jogadora… Beijos! Zora”.

Ao ler o texto, e entrando no papel do avô para respondê-lo, os alunos aprendem a escrever um e-mail e a se questionar: por que Zora está frustrada? O que eu poderia dizer para ela? O que eu faria no lugar dela?

O objetivo é abrir a discussão sobre estereótipos para permitir que os alunos, meninas e meninos, façam suas próprias escolhas. Não se trata de incentivar as meninas a se vestirem de jogadoras de futebol, mas de fazê-las entender que elas podem se vestir como jogadoras ou bailarinas, desde que as escolhas não sejam feitas só para combinar com os papéis tradicionais de gênero.

O pátio da escola no centro das questões

As meninas que gostam de futebol não são deixadas de fora só no desfile, mas também na hora do recreio. “Isso me irrita, que os meninos na escola não nos deixam jogar futebol… não é legal… O problema é que eles têm muito espaço no pátio e às vezes eles saem do espaço deles e por isso temos ainda menos espaço…”, diz uma menina de 9 anos no curta “Espace”:

Os estereótipos e desigualdades de gênero são frequentemente expressos em interações entre meninas e meninos. O 2e Observatoire ressalta que as meninas tendem a brincar em espaços restritos, enquanto os meninos se espalham por todos os lados, invadindo o espaço ocupado pelas meninas.

“O pátio da escola é muitas vezes considerado um espaço livre para os alunos e os professores não vão discutir com eles o que pode ser feito durante o recreio”, diz Seema Ney. “Ser capaz de intervir adequadamente levaria, sem dúvida, a uma partilha de espaço que seria mais apropriada para todos”.

Para meninas, mas também para meninos

De fato, no pátio da escola, não só os meninos proíbem as meninas de jogar futebol, mas também as meninas proíbem os meninos de brincar de elástico. Na escola, os meninos também são envolvidos por normas de gênero, que exigem, por exemplo, que eles provem sua masculinidade. “É muito difícil para alguns. E pode levar a consequências graves, como assédio, se não prestar atenção”, diz Seema Ney.

Além disso, de acordo com um relatórioLink externo publicado em 2014, os meninos devem enfrentar mais pressão social do que as meninas se estiverem interessados em profissões “atípicas”. Quando uma menina diz querer ser pilota de caça ou bombeira, sua família e amigos, mesmo que pareçam surpresos à primeira vista, apreciarão a particularidade e a coragem de sua escolha. Ao contrário, se um menino diz querer trabalhar em uma creche, ser enfermeiro ou florista, ele risca de ser considerado uma pessoa sem virilidade ou mesmo sem futuro profissional.

Na Suíça, a maioria dos jovens deve escolher a orientação profissional antes dos 15 anos de idade. Para meninas e meninos, ansiosos para serem aceitos por seus pares e sensíveis a gênero, não é fácil ir contra a definição rígida da sociedade. Portanto, é particularmente importante estabelecer a capacidade de identificar e resistir aos estereótipos de gênero desde a infância.

Na escola da igualdade, a princesa trabalha com madeira, o super-homem leva o bebê para passear. Nas aulas de ciências, os alunos aprendem que “nos pinguins, é o macho que choca o ovo e a fêmea que vai longe para procurar comida”; nas aulas de matemática, os alunos ajudam Rosie, uma garota apaixonada por máquinas de inventar, a contar suas ferramentas ou ajudam o florista Oscar a calcular o número de buquês vendidos.

“As desigualdades de gênero são prejudiciais para meninas e meninos”, diz Seema Ney. “As nossas cartilhas visam promover a igualdade entre meninas e meninos em formação e alcançar uma melhor igualdade de gênero.”


Adaptação: Fernando Hirschy, swissinfo.ch

“Engenharia é só para os rapazes, mãe”. Komal Singh escreveu um livro para quebrar o mito

Setembro 4, 2019 às 6:00 am | Publicado em Livros | Deixe um comentário
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Notícia e imagem do DN Insider de 13 de agosto de 2019.

Cátia Rocha

Komal Singh trabalha na Google e lançou recentemente um livro chamado “Ara, a Engenheira das Estrelas”, para mostrar aos mais jovens (e também aos pais) que o mundo da tecnologia tem espaço para todas e todos. 

Komal Singh cresceu na Índia, numa família ligada à engenharia. Estudou ciências da computação e, há alguns anos, mudou-se para o Canadá, onde diz ter encontrado o “seu emprego de sonho”: trabalha na Google. Mãe de uma menina de cinco anos e de um rapaz de cerca de dois anos, foi a própria filha que fez um retrato diferente daquele que Komal pensava ser a realidade. “Só os rapazes é que podem ser engenheiros, mãe”, explicou-lhe a filha, com a naturalidade das crianças.

“Passei por muitas emoções: senti-me zangada, depois desapontada, triste… E, finalmente, a palavra que uso muitas vezes é chateada, fiquei mesmo aborrecida. Mas acho que, quando processei todas as emoções, percebi que, aos olhos de uma criança, é assim que o mundo é”, explica Singh. “As crianças são muito inteligentes a detetar padrões e gostam de encontrá-los. E se a minha filha consegue vê-los, muitas crianças conseguem”.
Komal Singh percebeu que não tinha sentido ter o seu emprego de sonho e não fazer mais com isso. “Percebi que não fazia sentido trabalhar numa das melhores empresas do mundo, fazer coisas fantásticas, se vivo num mundo em que as raparigas não acreditam que têm a habilidade para fazer este tipo de coisas”.

Começava assim a nascer a ideia deste livro, que já foi publicado em vários países, também com o apoio da Google. Depois do choque da afirmação da filha, Komal Singh escolheu trabalhar nesta ideia do livro como um “projeto 20%”: qualquer trabalhador da Google pode usar parte do seu tempo de trabalho para dedicar-se a um projeto apaixonante, que não precisa necessariamente de estar ligado à sua área de trabalho.

“Este livro começou como o meu projeto 20% e evoluiu ao ponto de haver colegas a querer ajudar, da melhor forma que conseguissem. Alguns ajudaram com edição técnica, há um grupo na Google que trabalha em realidade virtual e eles deram uma ajuda nas experiências de realidade virtual para o livro… Há outro grupo que criou o site, outro que fez o vídeo onde é explicada a ideia do livro, por exemplo”, recorda a autora do livro. “As pessoas decidiram ajudar da melhor forma que conseguissem e foi muito interessante ver o poder da comunidade a entrar em ação”, reconhece.

Não é só neste aspeto que houve participação comunitária. O livro retrata a aventura de Ara, uma menina de seis anos que pretende desenvolver um algoritmo para poder contar todas as estrelas no céu. A tarefa não é fácil e, pelo meio, contará com a ajuda de várias mulheres ligadas ao mundo da ciência, matemática, engenharia e tecnologia, que têm correspondência com o mundo real. Afinal, foram inspiradas em trabalhadoras da Google, que vêem agora a sua profissão ser retratada em livro e traduzida para vários idiomas.

A própria Komal explica que a filha ainda não percebe bem o trabalho envolvido no livro, mas que a pequena já tem novas ambições de profissão: autora e engenheira. “Não percebe que é difícil publicar um livro, acha que isto é só um trabalho de artes manuais que fiz para ela, mas já a levei a algumas apresentações do livro, levo-a a escolas e vê as crianças a ouvir a história do livro. E isso já tem impacto nela, porque percebe que um livro pode ter influência e mudar as ideias de muitas crianças”.

A autora explica que já recebeu desenhos de crianças inspirados no livro ou até criações de “algoritmos para alimentar um gato ou ir à escola, com todas as ações detalhadas”, diz, com um sorriso. “É bom ver que as crianças olham para o livro não só como algo de entretenimento mas também de aprendizagem”, reconhece. Mas o livro não é só para os mais pequenos, já percebeu.

“Ao início, achava que este livro era só para crianças, mas depois percebi que não, que também era para os pais. Aliás, tenho recebido muito feedback de pais, de muitas mães referem que passaram a estar mais expostas à área da programação e ao mundo tecnológico, porque leram o livro e sentiram-se inspiradas. Viram o livro e o tema como algo acessível, algo que toda a gente pode fazer, que não são precisos super-poderes para programar”.

No entanto, Komal Singh reconhece que, apesar de ser importante despertar a curiosidade para o mundo da tecnologia e engenharia, ainda há muito trabalho a fazer. “Mostrar este mundo não é suficiente, é preciso fazer muito mais, claro, mas a parte de mostrar este mundo às raparigas, despertar-lhes a curiosidade e imaginação já é um princípio. Acho que nenhum rapaz ou nenhuma rapariga deve ser pressionado a fazer aquilo que não quer, mas acho que esta é uma forma de gerar curiosidade e talvez acordar a inclinação natural para uma carreira ou área”.

Komal Singh explica ainda que gostaria de lançar mais livros – também já a pedido de outros pais. “Quero muito lançar mais livros, para explicar questões do panorama tecnológico, abordando também as pioneiras que trabalham nessas áreas”, indicando que a inteligência artificial tem sido um dos assuntos mais pedidos, tanto por miúdos como graúdos.

https://www.arastarengineer.com/pt

Escola espanhola retira “Capuchinho Vermelho” e outros contos por considerar histórias sexistas

Abril 25, 2019 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Observador de 11 de abril de 2019.

Ao todo, a escola Táber decidiu retirar 200 livros da sua biblioteca para crianças até aos seis anos por considerar que eram sexistas. Há outras escolas espanholas a seguirem o mesmo caminho.

A escola Táber, em Barcelona, decidiu fazer uma revisão ao catálogo de livros que fazem parte da sua biblioteca infantil e mandou retirar 200 obras — cerca de 30% de todos os livros — que considera “tóxicas” e “sexistas” para crianças até aos seis anos. Entre elas estão histórias como a “Bela Adormecida”, o “Capuchinho Vermelho” e a Lenda de Sant Jordi, o santo padroeiro da Catalunha, noticia o El País.

Anna Tutzó, uma das mães que constituem o comité que avaliou o catálogo, não referiu os títulos dos livros que foram retirados, mas assegura que os livros tradicionais foram “uma minoria” entre os livros afastados. Para a responsável, o problema está no facto de estes contos associarem determinadas características ao género, como a masculinidade a valores como a coragem e a competitividade. “Também em situações de violência, mesmo que sejam pequenas brincadeiras, é o menino que o faz contra a menina. Isto transmite uma mensagem de quem pode exercer a violência e contra quem o pode fazer”, acrescento Anna Tutzó.

“Na primeira infância, as crianças são esponjas e absorvem tudo à sua volta, pelo que acabam por assumir como normais os padrões sexistas. Por outro lado, na escola primária os alunos já têm mais capacidade crítica e os livros podem ser uma oportunidade para aprender, para que eles próprios tomem consciência dos elementos sexistas”, disse ainda Anna Tutzó.”

Mas não é só nesta escola que têm surgido preocupações com o tipo de histórias presentes nas prateleiras das bibliotecas. Na escola de Montseny, em Barcelona, já se iniciou uma revisão do catálogo e também esta instituição anunciou que vai retirar todos os livros que considerar serem sexistas. “O tipo de livros que as crianças leem é muito importante. Os livros tradicionais reproduzem os estereótipos de género e é bom ter livros disponíveis que rompam com eles”, explicou Estel Crusellas, presidente da AMPA da escola Fort Pienc.

Escola reserva campo de jogos para meninas e pai queixa-se à comissão para a igualdade de género

Janeiro 21, 2019 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia e imagem do Público de 8 de janeiro de 2019.

Um pai confrontou a escola, que considera que esta é uma forma de discriminação positiva.

Ana Cristina Pereira

Nuno Mário Antão estava esta terça-feira numa reunião de pais no Centro Escolar de Marinhais, em Salvaterra de Magos e, de repente, viu na parede o horário do campo de jogos: segunda-feira, 1.º ano; terça-feira, 2.º ano; quarta-feira, 3.º ano; quinta-feira, 4.º ano; sexta-feira, meninas. Este último a cor-de-rosa.

Ficou indignado. O que queria dizer aquilo? Segregação por género num campo de jogos de uma escola de primeiro ciclo do Portugal do século XXI? “Explicaram-me que o que lá jogam é futebol e que os meninos não deixam as meninas jogar com eles. Se não deixam, têm de ser ensinados a deixar!” A igualdade de género já é tema obrigatório no ensino básico e secundário.

É um membro activo da comunidade. Destacado militante do PS na terra, passou pela assembleia de freguesia, pela assembleia municipal e pela Assembleia da República. E foi presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Salvaterra de Magos.

O filho, João Mário, de sete anos, já lhe tinha falado naquela divisão. “Falei com a professora e ela disse-me que ia ver, mas isso não estava em lado algum. Hoje, fui à reunião de pais relativa às avaliações do primeiro período e vi aquilo no quadro”, conta. O documento tem data de 24 de Setembro de 2018.

“Na escola do meu filho é igual”

Não perdeu tempo. Falou com a adjunta da directora do agrupamento, Ana Arrais, que lhe garantiu que as alunas podiam jogar em qualquer dia. Fez queixa à CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, receoso de tal prática noutras escolas. Ao final do dia, acompanhou o filho a um treino de futebol e outro pai disse-lhe: “Na escola do meu filho é igual.”

“Há, ainda, um longo caminho a percorrer”, desabafou na sua página de Facebook, partilhando uma fotografia do horário, na qual sobressai a sexta-feira pintada a rosa. “As miúdas acham normal a violência no namoro, as mulheres assassinadas são cada vez mais… mas sosseguem que à sexta o campo de jogos é vosso!”, ironizou. “Que brincadeira as meninas farão no campo de jogos à sexta-feira?”, questionou uma amiga. “Fico extremamente curiosa.”

Contactada pelo PÚBLICO, Ana Arrais sustentou que se trata de uma medida de discriminação positiva. As crianças têm aulas de educação física, como em qualquer escola. Aquele horário regula apenas a utilização do campo de jogos no recreio, isto é, num tempo organizado pelas próprias crianças. Cada dia está atribuído a uma turma, o que inclui rapazes e raparigas, “mas há que ser realista”: os rapazes tendem a jogar futebol e as raparigas tendem a não jogar futebol. Para garantir que elas também têm oportunidade de usar aquele espaço, a escola reservou-lhes a sexta-feira.

O problema, diagnostica, começa na mais tenra infância, com as famílias a darem bonecas às meninas e bolas aos meninos. “As miúdas precisam de mais incentivo”. “À sexta-feira podem jogar de forma mais tranquila.” E jogam o que lhes apetecer. Elas e “aqueles miúdos que ficam de fora porque são um bocadinho mais gordinhos ou porque não gostam de jogar com a mesma violência que os outros”.

Ana Arrais convidou Nuno Mário Antão para ir à escola na próxima sexta-feira na hora do recreio verificar, com os seus próprios olhos, que “os miúdos estão tranquilos”. E ele aceitou o repto. “A questão não é a tranquilidade das actividades”, reage. “O modelo da mulher a trabalhar na cozinha e o homem a ver a bola na sala também era muito tranquilo.”

Os estudos de género indicam que a construção social da diferença entre masculino e feminino desponta na infância e vai sendo desenvolvida nas fases posteriores da vida. Além dos familiares, amigos e colegas, a escola participa no reforço dos estereótipos de género. E isso, no entender de Nuno Mário Antão, tem de ser contrariado.

 

 

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