Meninos em risco à procura de uma infância

Outubro 31, 2013 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Jornal de Notícias de 20 de Outubro de 2013.

O João tem cinco anos e é um tagarela. Pergunta-nos o nome, pede-nos para abrirmos a boca, faz um diagnóstico – ‘tens uma cárie, não tens cárie nenhuma’ -, diz que os bonecos preferidos são o Manny Mãozinhas e o Cid Ciência e despacha-nos porque tem o comboio dos dinossauros para apanhar…

O João (todos os nomes de criança são fictícios) vive na Casa da Encosta, em Carcavelos, uma das sete casas de acolhimento para menores em risco da Associação Crescer Ser, juntamente com mais onze meninos. Todos eles ocupados em ser crianças. Os mais velhos fazem os trabalhos de casa e os mais pequeninos, vindos do jardim de infância, veem televisão ou fazem desenhos. O jantar já está no forno e é empadão de pato.

Ali estão longe da negligência e dos maus-tratos de que foram vítimas. O João, por exemplo, assistiu à violência entre os pais, foi vítima de maus-tratos “e de muita negligência”, conta uma técnica. A Rita, mais velhinha, também sofreu maus-tratos severos. A Sofia, negligência, porque a mãe era brutalizada pelo pai e não tinha capacidade para tratar de si ou dos irmãos. E a história repete-se por mais oito meninos.

Há pais que não são capazes de alimentar os seus filhos e estes “acabam a não saber comer uma sopa”. “Comem bolos, bolachas, papa todos os dias”. Há pais que também foram abusados e histórias tristes de vida que se repetem na geração seguinte. Há pais em crise e há um país em crise, onde tudo isto pode aumentar. Um país com o álcool a aumentar e o desemprego e a depressão a desajudar.

“Depois, as famílias estão muito empobrecidas, cada vez trabalham mais, cada vez ganham menos. Deprimidas”, explica Fátima Serrano, secretária-geral das sete casas da Crescer Ser. No fundo, “é um conjunto de fatores”, acrescenta. Uma série de variáveis que, conjugadas, fragilizam qualquer agregado e, muito mais, os que já estão desestruturados.

Há casos de meninos que chegam à instituição pela mão da Polícia, meninos que não falam nos primeiros dias, que não sabem o que os espera, que sentem medo, que olham para todos os cantos à procura de um adulto protetor. Há um país em crise onde estes meninos “começam a chegar mais tardiamente às instituições, com uma longa história e uma idade em que tudo é muito mais difícil de trabalhar”, alerta.

O trabalho destas instituições é pois começar do zero, pelas regras básicas, pelo colo, pelo estabelecer um vínculo de confiança. Ali, na Casa da Encosta, estão seis auxiliares de ação direta, uma cozinheira, um auxiliar de serviços gerais, voluntários, uma psicóloga, uma assistente social, enfim, toda uma equipa que de dia e de noite trabalha para reestruturar estas crianças. Gente que o faz de graça ou por um parco salário. “É um trabalho de entrega”, dizem. v

Os voluntários

Na Casa da Encosta, em Carcavelos, há vários voluntários que dão apoio. Há dois que dão apoio ao estudo, há outros dois que dão apoio em todo o restante trabalho com as crianças e há 13 voluntários que ajudam na Feira Solidária, um evento no segundo domingo de cada mês onde a casa vende as coisas que recebeu e de que já não precisa.

Acolhimento temporário

Ainda em 2012, 2792 das crianças e jovens (32,7%) acolhidas já tinham tido, no passado, experiências em outros lares. 83% destas 2792 crianças e jovens estavam na sua segunda resposta de acolhimento, 13% na terceira e 4% estavam no quarto ou quinto lar de acolhimento.

Números do país

Em 2012, havia 8557 crianças em lares de acolhimento. Uma redução de 4,3% em relação a 2011. Aumentou, porém, o número de novos acolhimentos: 2289, mais 177 do que em 2011.

 

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