Instituto de Apoio à Criança denuncia: prostituição infantil passou das ruas para motéis

Agosto 31, 2010 às 9:00 pm | Publicado em O IAC na comunicação social, Uncategorized | Deixe um comentário
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Oito anos depois do processo Casa Pia, pedófilos combinam os encontros através de SMS, em chats e redes sociais da Internet. Encontram-se depois em motéis da Grande Lisboa.

Nas ruas do Parque Eduardo VII e nos parques de estacionamento da cidade universitária não se avistam menores a prostituírem-se. No início do processo Casa Pia , estes eram os dois pontos de encontro favoritos da rede de pedófilos. Oito anos depois, só os rapazes mais velhos aguardam, debaixo dos candeeiros, pelos clientes que chegam em carros de alta cilindrada, pela noite dentro.

O fenómeno não desapareceu do mapa, apenas se camuflou entre quatro paredes. Alguns motéis da Grande Lisboa são agora a alternativa às ruas mal iluminadas da capital. “São locais onde os pedófilos conseguem manter o anonimato e onde o risco de serem apanhados é menor”, diz Paula Paçó, do Instituto de Apoio à Criança .

A opinião é partilhada por outras fontes ouvidas pelo Expresso. “Em alguns destes estabelecimentos, a rececionista mal vê o cliente, que nem precisa de sair do carro para fazer o check-in ou o pagamento. Ele pode entrar diretamente no quarto através da garagem”, garante um responsável que acompanha de perto esta realidade.

Uma ronda feita a seis motéis da Grande Lisboa confirma a tese. “Há poucos meses, impedimos a entrada a um cliente que viajava com um menor”, diz o gerente de um motel da linha de Sintra. Num estabelecimento vizinho, a versão é semelhante, com uma nuance: uma mulher ia acompanhada de um rapaz imberbe. “Foram-se embora mas ouvimos-los dizer que iriam para outro local, aqui perto, onde seria mais fácil entrar.” Ele garante que não foi a primeira vez que isso aconteceu.

O dono de outro motel lembra-se de um casal que transportava uma menina de “seis a oito anos” no banco de trás. “Argumentaram que eram os tios mas decidimos não arriscar”. Foram barrados porque os quartos pagos à hora, com brinquedos eróticos, filmes pornográficos, bolas de discoteca e espelhos no teto parecem desajustados a um programa familiar.

Quase todos os donos garantem que a vigilância é “severa”, mesmo nos casos em que são exigidos apenas os documentos de identificação ao condutor. Só uma gerente de um motel, a norte de Lisboa, admite ser “fácil” para um pedófilo levar um miúdo para um quarto, sem ser detetado. “Se entrarem duas pessoas no motel, só uma delas é que tem de pedir a chave ao funcionário. A outra pode estar camuflada”.

Encontros marcados pela Net

Nos últimos anos, o número de menores na prostituição detetados pelas autoridades tem vindo a diminuir. Em 2009, foram referenciadas doze crianças em todo o país pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco. Entre elas, havia um rapaz e três meninas entre os 11 e os 14 anos.

Os números da Polícia Judiciária são semelhantes: segundo a agência Lusa, no ano passado foram abertos seis inquéritos de recurso à prostituição de menores e 17 de lenocínio de menores.

Só na zona de Lisboa, o Instituto de Apoio à Criança confirmou, em 2009, a existência de cinco casos, todos de raparigas. Este ano, identificaram uma jovem de 16 anos a prostituir-se nas ruas da capital. “Há um fenómeno novo: hoje vemos mais raparigas do que rapazes a prostituírem-se”, afirma Bruno Pio, assistente social da instituição.

Na semana passada, os técnicos do Instituto de Apoio à Criança detetaram outra jovem que suspeitam ser menor de idade, a prostituir-se na Rua da Artilharia 1, em Campolide. “Foi a segunda vez que nos cruzámos com ela. Acabámos por lhe perder o rasto. A rua tinha uma grande afluência de clientes”, diz Paula Paçó.

A capacidade de intervenção das equipas de rua é limitada. “Nem sempre é fácil ganhar a confiança destes jovens”. Muitos rapazes acabam por se esconder quando avistam a carrinha com o logótipo da instituição. Com as raparigas a missão torna-se duplamente complicada. “Elas estão muito vigiadas. E os patrões gostam de demonstrar quem manda naquele território”. Os técnicos já foram alvo de apedrejamentos e tentativas de agressão.

Para a responsável do Instituto de Apoio à Criança, as estatísticas não deverão refletir a realidade escondida. “Os relatos dos jovens têm-nos dado pistas sobre o funcionamento deste submundo”, refere Paula Paçó. As novas tecnologias, por exemplo, tornaram-se um novo aliado de presas e predadores. E vieram dificultar o trabalho dos técnicos e das autoridades. “Os encontros em motéis, pensões e casas particulares passaram a ser combinados através de SMS, chats e redes sociais da Internet”.

A rua tornou-se demasiado arriscada para os clientes. Até porque se forem apanhados podem vir a ser condenados a dez anos de prisão. Uma pena que poderá ser mais pesada se as palavras do procurador-geral da República se tornarem realidade. Em maio, Pinto Monteiro defendeu o agravamento das penas do crime de abuso sexual de menores, preconizando “uma pena por cada crime”. Uma alteração que implicará a revisão do Código Penal.

Texto publicado na edição do Expresso de 28 de agosto de 2010

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