Vidas roubadas em Portugal. As crianças que nunca mais ninguém viu
Junho 16, 2019 às 1:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentárioEtiquetas: Crianças desaparecidas, Polícia Judiciária, Portugal
Notícia do Jornal de Notícias de 25 de maio de 2019.
O Dia Internacional da Criança Desaparecida assinala-se este sábado, dia 25 de maio. Em Portugal, há pelo menos nove casos por resolver.
Eles perderam-se dos pais, perderam a infância e juventude que teriam tido. Os pais perderam os filhos. Não sabem deles, nunca os enterraram (como é que se enterra quem não morreu?). Para a Justiça, não estão mortos, estão desaparecidos. É o caso de pelo menos nove meninos e meninas – agora serão adultos – que desapareceram em Portugal quando eram pequenos.
Sofia Catarina Andrade de Oliveira
É a mais nova da lista. Nascida em fevereiro de 2002, Sofia foi dada como desaparecida dois anos depois. Filha de pais separados, foi retirada à mãe, com quem vivia, pelo pai, Luís Oliveira da Encarnação, em Câmara de Lobos, Madeira, ao início da noite de 22 de fevereiro de 2004. Na fuga com a menor, o homem apanhou primeiro um táxi e depois boleia de um familiar, tendo sido deixado a pé, com a filha, às 21.30 horas, no Caniço de Baixo. Duas horas depois, deslocou-se à esquadra da PSP de Câmara de Lobos, onde estava a mãe da menor a participar o desaparecimento. Luís já não levava a filha consigo.
O pai acabou por ser detido dois dias depois e, em 2005, foi condenado a nove anos de prisão efetiva pela prática dos crimes de coação na forma tentada, sequestro e subtração de menores (um recurso acabou por baixar a pena para seis anos e cinco meses, no ano seguinte). Perante Polícia e tribunais, recusou sempre dizer onde estava a filha, mantendo a versão de que a menina se encontrava bem e que o segredo do paradeiro ia consigo para a cova. Se estiver viva, Sofia terá hoje 17 anos.
Tatiana Paula Mesquita Mendes (ou Odete Araújo Freman)
Nasceu em junho de 1998. Desapareceu em maio de 2005, a dias de fazer sete anos.
Tatiana Mendes – também identificada como Odete Freman – tinha nacionalidade guineense. Segundo a PJ, foi “adotada”, com a concordância da mãe biológica, por um casal, com quem viajou para Portugal em maio de 2004.
Cerca de um ano depois, a mãe adotiva informou que a menor tinha sido por si entregue a outra pessoa, ainda no ano anterior, e que a menina tinha morrido mais tarde num acidente de viação em Badajoz, Espanha.
Hélder Alexandre Ferro Pagarim Cavaco
É um dos mais antigos casos de jovens desaparecidos em Portugal. Hélder Cavaco nasceu em julho de 1973, em Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal. Desapareceu em janeiro de 1990, com 16 anos, na zona da praia de São Torpes, em Sines. Praticava surf.
De acordo com a descrição disponível no site da PJ, Hélder media 1,76 metros, tinha cabelo e olhos castanhos, e uma cicatriz sob o olho direito. Quando foi visto pela última vez, vestia calças e blusão de ganga azul e usava uma mochila da mesma cor com riscas amarelas e vermelhas.
Madeleine Beth McCann
É um dos casos mais mediáticos, pelo mistério envolto e pelas teorias que espoletou. Todos se lembram de ver a Maddie na televisão, em 2007. Cabelo loirinho, liso, curto pelos ombros. Uma mancha castanha na íris do olho direito, verde (o esquerdo era azul e verde). E todos se lembram de ver a mãe, com semblante carregado, de mão dada ao marido, a usar sempre uma pulseira verde e outra amarela – as cores da esperança em Portugal e em Inglaterra, de onde Madeleine era natural.
Estava de férias com os pais e os irmãos gémeos num complexo turístico da Praia da Luz, em Lagos, quando desapareceu do quarto onde dormia, a 3 de maio daquele ano, enquanto os pais jantavam. Apesar dos esforços das polícias portuguesa e britânica, a pequena Maddie nunca foi encontrada. Doze anos depois, a história continua a fazer correr tinta. Escreveram-se livros sobre o caso e, recentemente, a Netflix lançou um documentário. No início deste mês, a PJ esclareceu que o caso continuava “em aberto”.
Jorge Manuel Sepúlveda
Jorge Sepúlveda, natural de Massarelos, no Porto. Tinha 14 anos quando desapareceu, a 15 de agosto de 1991.
Era feriado, celebração da Assunção de Nossa Senhora. Jorge levantou-se cedo nesse dia e saiu de casa sem que os pais soubessem. Não era a primeira vez que o fazia, mas desta não voltou. Foi visto a caminho do Tamariz por um colega e nunca mais se soube nada dele.
A fotografia de Jorge Manuel já não consta do site da PJ.
Rui Pedro Teixeira Mendonça
Rui Pedro tinha onze anos quando foi visto pela última vez, a andar de bicicleta, num terreno atrás do escritório onde a mãe trabalhava, em Lousada, na tarde de 4 de março de 1998. Passaram-se mais de 20 anos, mas este é um daqueles casos em que o tempo não leva a memória. Rui será hoje adulto, mas a imagem que continua a circular na Internet e nas televisões é a mesma. Olhos castanhos e cabelo da mesma cor, com risca ao meio, orelhas salientes, sorriso reguila.
Os contornos do desaparecimento não são claros. Muito se especulou sobre o caso, com o coletivo de juízes de Lousada e o Tribunal da Relação do Porto a discordarem de alguns pontos do processo.
A Relação deu como provado que o rapaz foi conduzido pelo arguido Afonso Dias, condenado em 2013 a três anos e seis meses de prisão efetiva por rapto, a uma prostituta para ter relações sexuais, o que, segundo declarações da própria em tribunal, acabou por não acontecer. Afonso, que em 2017 saiu da cadeia de Guimarães em liberdade condicional, continua a clamar inocência pelo que quer que tenha acontecido a Rui Pedro.
Cláudia Alexandra Silva Sousa
Nascida em 1987, desapareceu em 1994, a caminho da escola. Tinha sete anos. Chamavam-lhe “Carricinha”. A mãe viu-a a dobrar a curva da rua do Baltar, em Oleiros, Vila Verde, perto de casa e depois não a viu mais. Cláudia nunca mais apareceu.
Na altura, media 1,10 metros e pesava 30 quilos. Tinha uma cicatriz com cerca de 10 centímetros na coxa direita, outra no lábio inferior e outra num dedo da mão.
João José Gomes Teles
João Teles deixou de ser visto a 6 de outubro de 1998, meses depois do desaparecimento de Rui Pedro. Tinha 16 anos e frequentava o 9.º ano.
Desapareceu no Largo do Machiqueiro, em Câmara de Lobos, Madeira, de onde é natural.
Terá, atualmente, 36 anos.
Rui Manuel Pereira
Rui Pereira desapareceu de Famalicão em 1999 – exatamente um ano depois do desaparecimento de Rui Pedro, em Lousada – quando brincava no Parque de Sinçães, junto ao bairro onde vivia.
A investigação lutou sempre contra a falta de pistas. Os únicos factos que constam do processo referem apenas que, na tarde de 2 de março de 1999, Rui brincava com um amigo no parque quando foi chamado pelo condutor de um automóvel, onde entrou.
A fotografia de Rui já não consta no site da PJ, que fechou o caso em 2007.
Os casos de desaparecimento não prescrevem. Mas algumas das crianças que aqui recordamos já não constam da base de desaparecidos da Polícia Judiciária. Patrícia Cipriano, presidente da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas (APCD), explicou ao JN as possíveis razões.
“Quando a PJ retira uma criança do seu site pode significar que esta foi localizada e não pretende que a sua imagem continue a ser divulgada (já sendo adulta) ou pode ter sido instaurada uma ação que vise a declaração de morte presumida dessa pessoa, vindo o Tribunal a declará-la presumivelmente morta. Nesse caso, a pessoa deixa de estar desaparecida e passa a estar morta para efeitos legais, não fazendo sentido continuar a ser exposta. Poderá também dar-se o caso de ser importante para a investigação a retirada da fotografia e informações do desaparecido, restringindo assim o acesso do público a essa imagem e informação”.
A APCD, constituída em 2007 por familiares de crianças desaparecidas, colabora com a Polícia Judiciária, desde 2011, nas investigações sobre menores desaparecidos. Em 2018, recebeu 26 pedidos de ajuda/aconselhamento e de informação, dos quais cinco foram relativos a casos de subtração de crianças (rapto parental intencional). Nesses casos, a associação dá, de forma gratuita, acompanhamento psicológico e consultadoria jurídica às famílias, além de apoiar as crianças que são vitimas de crime.
“O projeto continua a ser a criação de procedimentos e métodos que permitam uma mais célere localização da criança, a prevenção primária e o acompanhamento de casos reais”, disse ao JN a dirigente, lamentando que os donativos recebidos sejam “muito escassos” e que o orçamento anual seja “incerto e muito curto”. A APCD não tem fundos próprios nem Protocolos de Cooperação com o Estado, que garantiriam “alguma estabilidade”, admite a responsável, agradecendo à Câmara Municipal de Lisboa e à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa o apoio que vai chegando.
ADN guardado em casa
“Quando temos um subsídio para um projeto em particular, o seu valor é integralmente utilizado no projeto”, apontou Patrícia Cipriano, referindo a criação de dois manuais de segurança infantil, uma aplicação móvel e um kit de identificação genética (“O meu ADN”), lançado em 2015, que permite fazer a recolha do ADN e impressões digitais em casa e guardar a amostra.
“O ADN é dos meios de prova mais importantes na identificação de pessoas, mas também na investigação criminal de raptos, homicídios, sequestros, violações, etc. Por isso, é muito importante que, quando uma criança desaparece (mas não só), os pais tenham uma amostra pura de ADN para entregar às autoridades”, explica a responsável, adiantando que o kit, resultante de uma parceria com a GNR, foi desenvolvido pelo perito em identificação de vítimas de catástrofes e consultor da Interpol Derek Forest.
O kit esteve disponível em algumas lojas e num microsite durante algum tempo, mas a fraca adesão do público mudou a estratégia. Agora, a associação está a trabalhar “no sentido de o vender diretamente a famílias e a profissionais de risco (polícias, bombeiros, trabalhadores da alta tensão, militares, etc)”.
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