À procura da magia do Natal

Dezembro 25, 2019 às 6:00 am | Publicado em Divulgação | Deixe um comentário
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Texto do Educare de 18 de dezembro de 2019.

Nem todas as famílias vivem o Natal da mesma forma. Ao longo dos últimos anos, o apelo ao consumo tomou conta do momento, comprando presentes de forma compulsiva e desenfreada, mesmo sem que as crianças as tenham desejado.

Sónia Rodrigues

Lúcia Freitas é uma madeirense de 55 anos que continua a recriar o Natal da sua infância. Oriunda de uma família numerosa, os valores e as tradições que foram mantendo ao longo dos anos faz com que o Natal seja sempre um momento mágico de convívio e partilha. Nesta família, o Natal começava logo no dia 1 de dezembro. “Recordo-me do cheiro a doce que pairava na cozinha”, relembra Lúcia que foi buscar a memória de outros tempos. Faziam, todos os elementos da família porque se tratava de um trabalho de equipa, broas de mel, bolos de mel e bolachas de toda a qualidade e feitio. “A minha mãe fazia a massa e eu e os meus irmãos fazíamos bolinhas com as mãos que, depois de achatadas, eram colocadas num tabuleiro para ir ao forno”.

As tradições não ficavam por aqui. O presépio, que era feito de papel, tinha uma preparação prévia. As folhas de papel eram pintadas e secas ao sol, um processo demorado, mas em que era um gosto participar. O ponto alto era o dia 24 de dezembro, onde a azáfama tomava conta de tudo e de todos logo pela manhã. A estrutura do presépio era montada, o presépio construído e a árvore de Natal também era engalanada nesse dia. “Nesse dia não parávamos. Era de manhã até à noite quase sem respirar”, recorda Lúcia Freitas.

A música de Natal que era ponto de honra desde o amanhecer e arrastava-se pelo dia fora. Quando os trabalhos terminavam, já a noite ia longa, a ceia de Natal era servida tardiamente e a preceito. De seguida, iam à missa do galo e só depois é que as prendas eram abertas. “Eu também era miúda nessa altura e adorava todo aquele ritual. Entretanto o nosso ponto alto terminava e recolhíamos para a cama. Na sala ficavam os mais velhos e outros elementos da família que se juntavam a nós e lá permaneciam a jogar cartas.”, explica Lúcia.

Os irmãos foram crescendo, multiplicaram-se e novos caminhos ditaram outras vivências. “Esta memória, com esta intensidade, não esteve, nem nunca estará, acessível aos meus filhos e sobrinhos. Tento, ainda assim, dentro daquilo que hoje é uma vida mais agitada, fazê-los sentir o Natal”, defende Lúcia Freitas. Mantendo sempre os mesmos valores, Lúcia faz uma adaptação aquilo que considera importante para a formação dos seus filhos. Envolve-os em atividades fora de casa para que percebam como é importante o sentimento de partilha, dar um pouco do seu tempo a outros, fazendo-os perceber que há pessoas com vidas mais complexas e que um pequeno gesto ou uma palavra valem muito mais do que a materialização do momento.

Pela primeira vez em 11 anos, Lúcia vai conseguir ter todos os seus irmãos e respetivas famílias à mesma mesa de Natal. As prendas não são nem nunca foram valorizadas pois por serem sempre muitos, praticam já há muitos anos o amigo secreto. Com uma condição. Não gastar dinheiro. Vale pela brincadeira, pelo gozo, mas sobretudo pela imaginação. E esta prática é aplicada à medida que os meninos vão crescendo. “Queremos que eles usufruam deste momento único de convívio familiar para que também eles possam espalhar o verdadeiro significado da palavra Natal.”, conclui Lúcia.

Mas nem todas as famílias vivem o Natal da mesma forma. Ao longo dos últimos anos, o apelo ao consumo tomou conta do momento, comprando presentes de forma compulsiva e desenfreada, mesmo sem que as crianças as tenham desejado.

Perante uma sociedade claramente consumista, Hercília Guimarães, professora de pediatria e diretora do serviço de neonatologia do Centro Hospitalar Universitário São João, considera que, de um modo geral, os pais dão demasiadas prendas aos filhos. “A quantidade de presentes é inimiga da ligação da criança às coisas, aos brinquedos e aos momentos. Não é a quantidade que importa. Um pequeno presente pode estar carregado de significado e pode fazer a diferença. É a presença dos pais e da família que deve ser valorizada”, defende a pediatra.

“Se pensarmos num plano a curto prazo, há pequenas coisas que os pais podem fazer para trabalhar a visão materialista das crianças em relação ao Natal. Partilhar coisas com elas, envolvê-los em ações de interajuda, dentro ou fora de portas. O importante é fazer momentos em família, que são momentos de partilha. No Natal é suposto fazer algo para os outros e pelos outros. E esta iniciativa pode ser feita já, nem precisa de entrar na resolução de Ano Novo. E a médio/ longo prazo será introduzir crianças mais pequenas nesta lógica, para que facilmente percebam que vão dar para o outro e conseguem perceber a dádiva sem ser material”, justifica Gilda Nóbrega, especialista em Psicologia Clínica e Psicoterapia.

“A perceção de falta de tempo dos pais em relação aos filhos leva-os, muitas vezes, a compensar essa ausência com bens materiais. Os pais são os guias dos filhos e as crianças percebem a dinâmica do mundo perante aquilo que os pais apresentam. Se os pais apresentarem de forma rápida que uma coisa boa é materializada num objeto, é isto que a criança vai interiorizar. Para agradecer ou se sentir feliz, a criança tem de possuir aquele objeto. Mesmo que o tempo disponível seja curto, o mais importante é aquilo que se faz com ele. Se num fim de dia de trabalho os pais alocarem efetivamente 30 minutos para ouvir os filhos e estar interessados em brincar com eles, conseguem chegar à pessoa e usufruir de momentos de felicidade que não é um objeto”, argumenta Gilda Nóbrega.

Hercília Guimarães defende que começa a haver alguma consciencialização da excessiva materialização do Natal. Ainda que a recuperação de valores e o recuo na compra de bens materiais não aconteça de forma imediata, é notório em algumas famílias que, no dia seguinte, são guardados grande parte dos brinquedos que acabam por ser doseados ao longo do ano. “Nas famílias em que o exagero é ponto de ordem, aconselha-se que substituam brinquedos por cultura, espetáculos de música ou até mesmo iniciativas natalícias. Os meninos interagem, brincam e até gostam de participar. É um momento em família em que estão todos juntos e longe de uma pilha de brinquedos. E há que evitar o isolamento. Pensar em jogos para serem jogados em família para contribuir para um crescimento socialmente mais saudável”, explica a pediatra.

Luís Osório, jornalista e escritor, vai viver este ano, pela primeira vez, o Natal com que sempre sonhou e sempre lhe foi negado. Cresceu dentro de uma família disfuncional em que do lado paterno não se celebrava o Natal por razões ideológicas, e do lado materno, uma mãe, extremamente pobre, trabalhava de dia e de noite para que o filho pudesse sentir o mínimo cheiro a Natal. O segundo casamento da sua mãe permitiu uma mudança de rumo e, no primeiro Natal que passou em casa da família do padrasto, Luís ficou completamente esmagado com a árvore de Natal da casa, que o terá impressionado ao ponto de desejar algo semelhante um dia mais tarde. Pai de quatro filhos de gerações completamente diferentes, um divórcio precoce fez com que Luís compensasse os filhos de forma mais material pela sua ausência de forma diária. “O conceito de Natal, de presença e de família, não existia e talvez por isso os tenha entupido de prendas”, relembra Luís Osório.

“As prendas são uma concessão de uma sociedade cada vez mais consumista que perde a noção daquilo que verdadeiramente conta, mas por outro lado somos fruto daquilo que nos aconteceu ao longo da vida. Vai existir prendas, sim, mas também vai existir a mensagem. No fundo, o mais importante é podermos estar todos juntos e partilhar uma ideia de futuro comum, tudo o resto é supérfluo, a começar pelas prendas”, afirma Luís.

Com o nascimento dos dois mais novos e passados 40 anos, Luís Osório vai poder concretizar este sonho. “Hoje a minha casa existe uma árvore provavelmente tão grande como aquele que conheci em casa do meu padrasto, e estamos preparados para ter um Natal com os filhos todos, e eu estou muito feliz porque, num certo sentido, este é o primeiro Natal da minha vida!”

Será a roupa que as crianças vestem na escola uma forma de expressão ou uma forma de discriminação?

Agosto 6, 2019 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Texto e imagem do Sapo Lifestyle

A crónica de Luísa Agante

As opiniões dividem-se entre aquelas que os acham uma bênção e uma solução muito prática, e outros que os veem como limitadores da liberdade de expressão das crianças. Um artigo de opinião de Luísa Agante, professora de marketing na Faculdade de Economia do Porto e especialista em comportamento do consumidor infantil e juvenil.

Há uns tempos li um estudo realizado em França que tinha um relato de uma criança dizendo que quando levava o seu calçado Nike para a escola tinha amigos com quem falar e conversar, mas quando levava outro tipo de calçado não era tão bem aceite. Já não tinha amigos e já não queriam falar nem brincar com ela. Auch! Até me doeu ao ler isto. Mais uma consequência da realidade à qual tenho vindo a dedicar parte da minha investigação, o consumismo/materialismo nas crianças.

Por materialismo entende-se a valorização dos bens materiais como atribuidores de valor à pessoa que os utiliza. Nas crianças o consumismo/materialismo é um tema recorrente por estar associado muitas vezes a fenómenos como o bullying, isto porque as crianças valorizam os bens materiais e, ao mesmo tempo, estão a aprender a socializar e a usar esses bens como indicadores do valor social de si próprios e dos pares.

Os níveis de materialismo não são iguais em todas as crianças e dependem de vários fatores. Sabemos por exemplo que os rapazes tendem a ser mais materialistas que as raparigas. Enquanto os rapazes ousam menos em sair das marcas aceites e a escolha de uma t-shirt é um processo muito importante para eles, as raparigas aprendem desde cedo a depender menos das marcas e a saber como criar um “estilo” sem necessitarem tanto de usar as marcas para o expressarem. O materialismo também é muito diferente consoante o tipo de produto, nomeadamente entre a roupa e o calçado. Poucas crianças ousam divergir da maioria no que toca a calçado, mas já se nota uma maior flexibilidade em termos de roupa.

“Enquanto a possibilidade do uso de uniforme for conotada por uns como uma mentalidade de direita associada aos colégios ditos “elitistas”, onde o uso de uniforme é uma medida discriminatória e snob, e por outros pais, como uma mentalidade de esquerda que retira a possibilidade de expressão do indivíduo e uniformiza todos os seres humanos, será difícil mudar e pensar no que é mais importante, a formação das crianças”

Sendo a escola o local onde as crianças passam a maior parte do tempo, e onde estão apenas com os seus pares e com os professores, esse tende a ser o local onde mais expressam o seu materialismo. Normalmente os professores não interferem neste tipo de assuntos, de modo que as crianças estão à mercê do escrutínio dos colegas. Na escola são ditadas tendências, são definidas regras e são valorizadas e/ou penalizadas as crianças que não seguem essas regras.

Por tudo isto, depois de muito estudar e analisar os temas do materialismo, tenho vindo a defender a utilização de uniformes nas escolas. Uniformes simples, que incluam roupa e calçado, que sejam desenhados e confecionados tendo em conta os tempos em que vivem estas crianças e os corpos tão diferentes que cada criança tem. E como sei que não é um tema nada consensual, vou fazendo perguntas e anotando as respostas que obtenho dos pais.

As opiniões dividem-se entre aquelas que os acham uma bênção e uma solução muito prática, e outros que os veem como limitadores da liberdade de expressão das crianças, que ficam assim privadas da utilização da roupa como expressão do seu “Eu”. Alguns estudos mostram mesmo que as pessoas que são mais conscientes e sensíveis aos temas de moda consideram esta medida como um ultraje e uma limitação das liberdades individuais de cada um.

Antes de passar para as entrevistas com as crianças é necessário que este tipo de decisão reúna mais algum consenso da maioria dos pais. Enquanto a possibilidade do uso de uniforme for conotada por uns como uma mentalidade de direita associada aos colégios ditos “elitistas”, onde o uso de uniforme é uma medida discriminatória e snob, e por outros pais, como uma mentalidade de esquerda que retira a possibilidade de expressão do indivíduo e uniformiza todos os seres humanos, será difícil mudar e pensar no que é mais importante, a formação das crianças.

Olhando para exemplos internacionais, temos países como o Reino Unido ou a Índia (ligados por raízes históricas mas com características tão diferentes), que já utilizam uniformes há muito tempo, e que mostram como essa medida permite uniformizar os alunos retirando a carga materialista da roupa na escola; para além disso, como optaram por uniformes mais formais, reconhecem que os alunos aprendem a considerar a escola um local mais formal, de respeito, e se habituam a usar roupa formal num ambiente “profissional”. No entanto, a sua obrigatoriedade põe a tónica nas escolas e exige um enorme controlo dos uniformes no dia a dia, e coloca mais pressão sobre os professores que têm que verificar se as crianças estão ou não devidamente uniformizadas.

Penso que em Portugal temos condições fantásticas para a implementação de um modelo de uniformes obrigatórios nas escolas públicas (e privadas) pelo menos até 9º ano de escolaridade. Algumas escolas já têm uniformes, mas muitas os abandonam no final do ensino primário, quando o desenvolvimento do materialismo é mais crítico durante os anos de pré-adolescência e adolescência.

“Nenhuma destas situações é tão discriminatória, tão visível, como a roupa e o calçado que as crianças usam na escola”

O modelo que imagino ser possível implementar utilizaria as nossas vantagens competitivas ao nível da indústria têxtil e calçado. Escolheria também designers nacionais e as crianças participariam na tomada de decisão do uniforme a implementar. Criando-se opções de peças onde as crianças pudessem escolher entre calças, calções, saias e alguns modelos de camisolas, cada família poderia adequar a indumentária recomendada ao perfil da sua criança sem que esta se sentisse tão restringida na uniformização.

Em termos de modelo económico seria possível cobrar uma pequena margem em cada peça, a qual daria para gerar a sustentabilidade financeira do projeto, e subsidiar os uniformes das famílias que não tivessem capacidade financeira para o adquirir. Para além disso, seria possível criar um uniforme simples para o uso do dia a dia, com uma opção mais formal para que todas as crianças se habituassem aos dias especiais e não vivessem sempre na versão t-shirt e calça de ganga.

Sei, no entanto, que a discriminação das crianças com maiores ou menores posses não vai acabar com uma possível introdução dos uniformes. Os mais variados tipos de julgamentos e descriminações continuarão a ocorrer quando se perguntar qual o destino de férias, quais as prendas de Natal, quais os programas de fim-de-semana, entre tantas outras coisas que diferenciam as pessoas consoante o seu poder aquisitivo. Contudo, nenhuma destas situações é tão discriminatória, tão visível, como a roupa e o calçado que as crianças usam na escola, daí eu a defender e ter esperança que um dia se introduza este tema nas conversas e debates de domínios públicos.

Luísa Agante é professora de marketing na Faculdade de Economia do Porto e especialista em comportamento do consumidor infantil e juvenil. Tem uma página no Facebook chamada “Agante & Kids” na qual publica e partilha regularmente conteúdos informativos sobre comportamento infantil para pais e educadores.

Geração Inabilitada

Julho 2, 2018 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Texto e imagem publicados no site Up to Kids

 A crença de que a felicidade é um direito tem tornado inabilitada a geração mais preparada

Ao conviver com os mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão no caminho para tornar-se adultos, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, a mais inabilitada.

Preparada do ponto de vista das habilidades, inabilitada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, inabilitada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, inabilitada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o património da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que os seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – só falta apenas que o mundo reconheça a sua genialidade.

Tenho-me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação das suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e uma boa parte embirra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que alcançaram tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é baseada na construção – e que para conquistar um espaço no mundo é preciso virar muitos frangos. Com ética e honestidade – e não às cotoveladas ou aos gritos. Como os seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que lhes anuncia uma nova e não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Porque razão grande parte dessa nova geração é assim? Penso que este é uma questão importante para quem está a educar uma criança ou um adolescente nos dias de hoje. Esta época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de tudo e de todos – sem esperar qualquer responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinónimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces do mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto da sua condição humana como das suas capacidades individuais?

A nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “o fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de trabalhar para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bom, bom é aquele que não estudou, passou a noite nos copos e passou nas específicas para entrar em Medicina. Este atesta a excelência dos genes dos seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar o seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforços, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pago caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por este mundo para testemunhar a cara de espanto e de mágoa de alguns jovens ao descobrir que a vida não é como os pais lhes tinham prometido. Expressão que logo muda para o amuo. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não estão minimamente preparados para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumo desaparece deixando nada para trás. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a explicitar-se no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem sequer para falar da tristeza e da confusão.

Parece-me que é isto que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando do seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito se torna um sintoma – já que ninguém está disposto a ouvir, porque ouvir significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não é por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode manter o quotidiano sem que ninguém precise olhar a sério para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem alcançar. E por isso, é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo a funcionar.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas não se conhecem. E, portanto, estão a perder uma grande chance. Todos sofrem muito neste teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com estes jovens no parapeito da vida adulta, com as suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores à sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que um jovem se transforma em adulto.

Seria muito bom que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad, dizer de vez em quando: “Organiza-te, dá a volta e resolve, meu filho. Poderás contar sempre comigo, mas essa batalha é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, o meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou a tentar descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significar dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão mau quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais transmitiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou amuar ao descobrir que vai ter de conquistar o seu espaço no mundo sem qualquer garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não resultou, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o facto da vida ser insuficiente não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo a sentir-se injustiçado porque um dia a vida acaba.

Por Eliane Brum, publicado na Revista Época, por Clínica Alamendas
Adaptado por Up To Kids®

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Por que ser materialista faz você infeliz

Janeiro 6, 2015 às 8:00 pm | Publicado em Estudos sobre a Criança | Deixe um comentário
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texto do site http://www.psyciencia.com  de 26 de dezembro de 2014.

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Por qué ser materialista te hace infeliz

Por David Aparicio

es un reconocido psicólogo que durante los últimos años se ha dedicado a investigar los efectos del materialismo sobre nuestra conducta y bienestar. En la siguiente entrevista realizada por la Asociación Americana de Psicología (APA), Kasser nos explica por qué ser materialistas nos hace menos felices, cómo se diferencia con las compras compulsivas y el efecto de los medios sobre nuestros valores.

APA: ¿Qué significa ser materialista y por qué se considera algo negativo? ¿Por qué algunas personas son materialistas y otras no?

Kasser: Ser materialista significa tener valores que ponen relativamente en alta prioridad el tener muchas posesiones y hacer mucho dinero, así como también una buena imagen social y popular, que se expresan a través de las posesiones.

Creo que el materialismo es visto de forma negativa porque las personas pueden haber tenido experiencias desagradables con gente materialistas. Sabemos por las investigaciones que el materialismo se asocia con tratar a las personas de una manera competitiva, manipuladora, egoísta y menos empática. Tales comportamientos generalmente no son apreciados por las personas, a pesar de que es alentado por algunos aspectos de nuestro sistema económico capitalista. La investigación muestra dos conjuntos de factores que llevan a la gente a tener valores materialistas. En primer lugar, las personas son más materialista cuando están expuestas a los mensajes que sugieren que esas actividades son importantes, ya sea a través de sus padres y amigos, la sociedad o los medios de comunicación. En segundo lugar, y algo menos obvio, es que la gente es más materialista cuando se sienten inseguros o amenazados, ya sea debido al rechazo, miedos económicos o pensamientos acerca de su propia muerte.

APA: ¿Cómo han influido los medios de comunicación, especialmente las redes sociales, al materialismo en el mundo de hoy?

Kasser: Las investigaciones muestran que cuanto más la gente ve televisión, más materialistas son sus valores. Esto se da porque probablemente muchos programas de TV y anuncios publicitarios nos envían mensajes que sugieren que para ser felices hay que ser ricos, tener cosas bonitas y populares.

Un estudio que recientemente publiqué con el psicólogo Jean Twenge, rastreó cómo el materialismo ha cambiado en los estudiantes de secundaria de Estados Unidos, en unas cuantas décadas y cómo se conectan esos cambios con los gastos de publicidad nacional y se encontró que cuanto más se gastaba en publicidad, más materialistas eran los jóvenes del último año de secundaria.

Otro estudio sobre los adolescentes estadounidenses y árabes encontró que el materialismo se incrementa a medida que aumenta el uso de las redes sociales. Estos hallazgos sugieren que, así como el uso de la televisión se asocia con el incremento materialismo, también el uso de los medios sociales. Esto tiene sentido, ya que la mayoría de los mensajes en las redes sociales también contiene publicidad, porque esta es la manera en que esas empresas generan ingresos.

APA: ¿Cual es la diferencia entre ser extremadamente materialista y ser un comprador compulsivo? Una persona materialista, ¿tiene riesgo de convertirse en un comprador compulsivo?

Kasser: El materialismo se trata de los valores, el deseo por el dinero, las posesiones y similares. Por otro lado, el consumo compulsivo se da cuando una persona se siente incapaz de controlar el deseo de consumir, a menudo porque él o ella están tratando de llenar algún vacío o para superar la ansiedad.

El materialismo y el consumismo compulsivo están relacionados entre sí. En un reciente meta-análisis de la asociación entre el materialismo y el bienestar de las personas, se encontró que la correlación entre el materialismo de la gente y la media de problemas reportados por consumo compulsivo era fuerte y consistente a través de muchos estudios.

El materialismo es un factor de riesgo para el consumo compulsivo, pero no son la misma cosa. La psicóloga, Miriam Tatzel, sugiere que algunos materialistas son más ¨relajados¨ con su dinero y otros son más ¨rígidos¨. Ambos tipos se preocupan por tener dinero y posesiones, pero el materialista relajado va a gastar y gastar, mientras que el materialista rígido será como Scrooge e intentará seguir acumulando riquezas.

Pixabay

APA: ¿Cuáles podrían ser algunos de los aspectos positivos del materialismo?

Kasser:  Sabemos por la literatura, que el materialismo se asocia con menores niveles de bienestar, menos comportamiento pro-social interpersonal y con un comportamiento  ecológicamente destructivo y peores resultados académicos. También se asocia con más problemas de gasto y deuda. Desde mi punto de vista todos estos son resultados negativos. Pero desde el punto de vista del sistema económico/social que se basa en el gasto para impulsar los altos niveles de ganancias para las empresas, el crecimiento económico de la nación y de los ingresos fiscales para el gobierno, el consumo y el gasto excesivo relacionado con el materialismo puede ser visto como positivo.

APA: ¿Qué dicen las investigaciones psicológicas sobre la relación entre el materialismo y la felicidad?

Kasser: La conexión entre el materialismo y el bienestar es la cadena más antigua de la investigación sobre el materialismo. Mis colegas de la Universidad de Sussex y yo publicamos recientemente un meta-análisis que mostró que la relación negativa entre el materialismo y el bienestar fue consistente en todo tipo de medidas de materialismo, tipos de personas y culturas. Encontramos que entre más valores materialistas tenían las personas, más problemas de salud física tenían como: dolores de estómago y dolores de cabeza y experimentaron menos emociones agradables y se sintieron menos satisfechos con sus vidas.

La explicación más apoyada por la cual el bienestar es más bajo que el materialismo, es que las personas que anteponen el materialismo sobre su bienestar, tienen mayores necesidades psicológicas. En concreto, los valores materialistas están asociados con vivir una vida que hace un mal trabajo a la hora de satisfacer las necesidades psicológicas de sentirse libre, competente y conectado con los demás. Las personas reportan niveles más bajos de bienestar y felicidad y experimentan más angustia cuando sus necesidades de bienestar no son satisfechas.

APA: ¿De qué manera la fe religiosa afecta al materialismo, en particular durante las fiestas?

Kasser: Un par de estudios han encontrado que la relación negativa entre el materialismo y el bienestar es aún más fuerte en las personas que son religiosas. Probablemente porque hay un conflicto entre las actividades materialistas y las religiosas. Es decir, la investigación sobre cómo se organizan los valores de la gente ha demostrado que algunos objetivos son fáciles de perseguir simultáneamente, pero otros están en conflicto entre sí. Por ejemplo, es relativamente fácil fijarse metas para obtener dinero y al mismo tiempo fijarse metas para alcanzar una buena imagen y popularidad, ya que estas metas están relacionadas entre sí y se facilitan una a la otra. Sin embargo, las investigaciones muestran que hay un conflicto entre los objetivos materialistas y religiosos, así como Jesus, Mohammed, Buddha, Lao Tze y muchos otros pensadores religiosos han sugerido desde hace tiempo. Parece que tratar de alcanzar metas materialistas y espirituales hace que la gente entre en un conflicto que genera estrés y a su vez reduce su bienestar.

Un estudio encontró que este sistema también funciona durante navidad. El psicólogo Ken Sheldon y yo hicimos una investigación que demuestra que las personas se interesaron menos en los objetivos espirituales a medida que más se interesaban en objetivos materialistas como comprar y recibir. También encontramos que las personas que reportaron sus navidades como felices, fueron aquellas en las que la espiritualidad fue una parte importante de la navidad. En contraste las personas que reportaron menos bienestar durante la navidad fueron aquellas que estuvieron dominadas por aspectos materialistas.

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La entrevista fue publicada en inglés y ha sido traducida y adaptada al español por David Aparicio y María Fernanda Alonso.

Fuente: APA Imagen: Pixabay

 


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