Dar a todas as crianças um grande professor, por favor

Janeiro 6, 2024 às 4:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Texto de Miguel Herdade publicado no site Comunidade, Cultura e Arte de 5 de março de 2023.

por Miguel Herdade

Três ensaios sobre desigualdade e educação. Parte I: “os professores”.

Nada, coisa nenhuma. Absolutamente nada. Nas escolas, não há nada mais importante para o futuro das nossas crianças do que o professor que elas encontram dentro da sala de aula.

A evidência científica de que dispomos é clara, e mostra-nos que a pessoa que temos diante de nós na sala de aula vai ter um impacto que marca toda a nossa vida, influenciando o que aprendemos, as escolhas que fazemos, e até os nossos salários na idade adulta. Dar a todas as crianças um grande professor pode ser uma das melhores ferramentas para potenciar as capacidades de cada uma delas mas, também, para diminuir as desigualdades, criar um país melhor, mais rico e mais justo. Não acredita? Então leia este artigo.

É pena que, em pleno século XXI, tão poucos pais, alunos, políticos e pessoas comuns — por vezes, até os próprios professores — tenham a noção do poder verdadeiramente transformador desta profissão. Vejamos.

A escola: será mérito, ou mera sorte?

A nossa vida é marcada por imensos factores que ninguém realmente escolhe. São, digamos assim, fruto do acaso: ninguém tem a possibilidade de escolher o país em que nasce ou a quantidade de dinheiro que os seus pais têm. Estes fatores aleatórios como a pobreza, a cor da nossa pele, ou a escolaridade dos nossos pais criam barreiras que nos põem em situação de desvantagem e têm um impacto enorme na nossa vida.

Esta desigualdade é evidente no nosso percurso escolar, alastrando-se para a universidade (para quem consegue lá chegar) e, depois, na vida adulta:

Se retratarmos Portugal como um grupo de 10 jovens, 5 deles andaram no ensino superior[1]. Contudo, se olharmos para 10 jovens nascidos em famílias pobres e com pais pouco qualificados, vemos que em média só 1 conseguiu lá chegar[2]. Por outro lado, se der um saltinho a uma faculdade de medicina, verá num mesmo universo de 10 alunos que 7 tinham pais licenciados. Se vier jantar comigo, descobre que todos os 10 membros do meu grupo de amigos tiveram a sorte de andar na universidade.

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Só 10% dos filhos de famílias pobres e com poucas qualificações chegam ao ensino superior

Maio 25, 2022 às 6:00 am | Publicado em Estudos sobre a Criança | Deixe um comentário
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Notícia do Público de 9 de maio de 2022

O filho de um finlandês com o equivalente ao 9.º ano e pobre tem mais probabilidades de ter um diploma universitário do que um português rico, mas com o mesmo nível de estudos, aponta o Banco de Portugal, a partir de uma análise de estatísticas europeias.

Samuel Silva

Apenas um em cada dez filhos das famílias pobres e nas quais as qualificações dos pais não vão além do 9.º ano consegue concluir o ensino superior. Esta evidência é sublinhada pelo Banco de Portugal, com base em estatísticas europeias, no Boletim Económico deste mês. Portugal sai mal na comparação internacional, ao ponto de ser mais provável o filho de um finlandês pouco qualificado e pobre ter um diploma universitário do que um português rico, mas com o mesmo nível de estudos. Apenas a Itália tem piores resultados.

O Banco de Portugal cruza dados sobre as qualificações prévias de duas gerações de famílias (pais e filhos) com indicadores sobre as condições económicas dos agregados familiares quando a pessoa que respondeu ao inquérito tinha 14 anos – ou seja, perto do momento de transição para o ensino secundário. As conclusões apontam no sentido de outros estudos, que sublinham a importância determinante do nível educativo dos pais no percurso académico da geração seguinte, mas vai mais longe ao cruzar esses indicadores com os rendimentos das famílias.

“No caso português, quando se tomam os indivíduos cujos pais tinham até ao 9.º ano, apenas 10% alcançaram o ensino superior quando a situação financeira [da família, no momento em que o filho tinha 14 anos] era má”, concluem os especialistas da instituição liderada por Mário Centeno. Mesmo quando existe uma situação financeira privilegiada, os filhos de quem não estudou para lá do 9.º ano têm baixas probabilidades de chegar ao ensino superior – pouco mais de um quarto (27%) detém um diploma universitário.

Estas conclusões surgem, numa “caixa” de três páginas incluída no Boletim Económico de Maio e têm por base dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2019, feito pelo Instituto Nacional de Estatística, e do EU Statistics on Income and Living Conditions, do Eurostat, do ano passado.

Os dados permitem, por isso, uma comparação internacional, na qual Portugal se sai mal, de acordo com o Banco de Portugal. Por exemplo, um filho de um finlandês com uma qualificação semelhante ao 9.º ano e más condições financeiras chega mais facilmente ao ensino superior (28,6% concluem esse nível de ensino) do que os portugueses que vêm de agregados familiares com situação financeira favorável e o mesmo nível de qualificações. Já os finlandeses menos qualificados, mas com boa situação financeira, conseguem que mais de um terço (35,9%) dos seus filhos conclua o ensino superior.

“A situação financeira condiciona a progressão nos percursos escolares em todos os países”, começam por explicar os especialistas do Banco de Portugal, e a percentagem de indivíduos que consegue completar o ensino superior “é sempre maior quando a situação financeira era boa do que quando era má, para cada nível de educação dos pais”. No entanto, “Portugal é um dos países em que o impacto da situação financeira sobre os percursos escolares é mais acentuado”, é notado. Apenas a Itália está em pior situação, mostram os dados.

Aumento das qualificações

Nos escalões superiores de escolaridade dos pais “o papel da situação financeira não aparenta ser tão determinante” na definição do futuro dos filhos, sublinham os especialistas do Banco de Portugal. No Boletim Económico de Maio lembra-se a “transição educacional acentuada, com um forte aumento das qualificações” por que Portugal passou nas últimas décadas.

É mais provável o filho de um finlandês pouco qualificado e pobre ter um diploma universitário do que um português rico

Os dados usados pelo Banco de Portugal “confirmam a forte transição educativa em Portugal”. “O papel da educação dos pais na obtenção de graus de qualificação superiores também surge evidente”, lê-se ainda no documento, vincando, entre outros aspectos que “a grande maioria (73,2%) dos indivíduos cujos pais tinham o ensino superior também completaram o ensino superior”. No caso dos pais que não foram além do 9.º ano, mais de metade dos filhos (55,9%) também não ultrapassou esse nível de ensino.

“A evidência de transmissão intergeracional [das qualificações] persiste nas gerações mais novas, embora em menor medida”, prossegue o Banco de Portugal. Na faixa etária dos 25 aos 34 anos, a percentagem de filhos que não consegue superar o 9.º ano de escolaridade fica-se pelos 39%, ao passo que na geração dos 45 e 59 anos essa percentagem ascendia a 67%.

“A transmissão intergeracional da educação, reforçada pela interacção com a situação financeira das famílias, tem implicações importantes nos percursos educativos, na inclusão social e no potencial de crescimento económico”, alerta o Banco de Portugal, apontando para “importância de compreender os mecanismos de transmissão intergeracional da educação, de modo a desenhar políticas públicas que potenciem as oportunidades para todos”.

Duas dezenas de escolas suspeitas de subir notas

Dezembro 31, 2019 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Expresso de 21 de dezembro de 2019.

Inspeção-Geral da Educação abriu mais dois processos disciplinares no Externato Ribadouro e tem cerca de duas dezenas de averiguações em curso. Inflação de notas subverte acesso ao ensino superior.

O inquérito ao estranho caso das turmas de 10º ano do Externato Ribadouro, no Porto, em que 95% dos alunos tiveram 19 e 20 valores a Educação Física e a classificação mais baixa foi de 18, está concluído e aquele que é um dos maiores colégios do país vai enfrentar mais dois processos disciplinares: um sobre a administração e outro sobre a diretora pedagógica.

A responsável enfrenta um segundo processo, noticiado pelo Expresso em novembro, e que decorreu também da averiguação da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) sobre as classificações dadas pelos professores. Neste caso, foi a atribuição de um “número significativo de classificações elevadas em disciplinas do 12º ano não sujeitas a exame nacional” que gerou a suspeita. Além desta investigação, o Ministério da Educação (ME) indica que “estão cerca de duas dezenas de processos em curso”, relacionados com a mesma prática.

No caso das cadeiras sujeitas a exame, o controlo sobre a inflação de notas é mais fácil. De acordo com os dados do ME, o que se verifica é que há escolas em que sistematicamente as notas internas dos alunos afastam-se de forma significativa das dos restantes colegas do país que têm as mesmas avaliações nos exames nacionais. Ou seja, no mínimo pode dizer-se que estão a usar critérios de avaliação mais generosos. Há 18 secundárias que nos últimos cinco anos letivos estiveram sempre nesta lista. A maioria (15) são privadas e nenhuma fica a sul de Coimbra.

“Nenhuma das 30 escolas privadas de Lisboa entra nesta lista da inflação repetida e no distrito do Porto 10 em 28 estão lá. Era importante que houvesse uma intervenção do ME”, defende Cristina Santos, docente da Faculdade de Medicina do Porto e autora de um estudo sobre o desempenho dos alunos nesta escola e a secundária que frequentaram. Nele constatou que os jovens que vinham de estabelecimentos onde a inflação de notas era prática acabavam por se sair pior do que os outros. Ou seja, tendo tido notas mais generosas podem ter ultrapassado injustamente outros estudantes no acesso à universidade que, eventualmente, trabalharam tanto ou mais do que eles, mas não conseguiram as décimas adicionais para entrar em cursos tão disputados como Medicina, alerta.

Quanto à concentração a Norte, acredita tratar-se de uma questão de contágio e competição pelos alunos. A IGEC tem realizado várias ações junto destas escolas e está agora a olhar para as notas nas disciplinas não sujeitas a exame.

Portugal tem muitos alunos no secundário mas poucos chegam ao superior

Fevereiro 12, 2019 às 8:00 pm | Publicado em Relatório | Deixe um comentário
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Notícia do Público de 7 de janeiro de 2019.

Há mais estudantes no 12º ano do que nos parceiros da OCDE, mas os que ingressam numa universidade ficam aquém da média internacional. Modelo dos cursos profissionais e pouca diversidade de ofertas no superior ajudam a explicar o fenómeno.

Poucos países no mundo têm uma diferença tão acentuada quanto Portugal entre o número de estudantes inscritos no ensino secundário e aqueles que acabam por ingressar num curso superior. Mais de metade dos jovens de 20 anos não está a estudar e, para os atrair, o país terá que fazer mudanças nos cursos profissionais, mas também nas formas de acesso e nas ofertas do superior, defende Cláudia Sarrico, especialista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que fará a conferência de abertura da Convenção Nacional do Ensino Superior, esta segunda-feira, em Lisboa.

Os dados do último Education at a Glance, o relatório anual sobre educação da OCDE, publicado em Setembro, mostram que, na população entre os 15 e os 19 anos, que é aquela que tipicamente está em idade de frequentar o ensino secundário, Portugal tem uma percentagem de alunos inscritos em instituições de ensino superior à média internacional – 89% contra 85% na OCDE.

No intervalo seguinte, dos 20 aos 24 anos, idade em que a maioria dos alunos que segue para o ensino superior está a frequentar uma licenciatura, a situação inverte-se. A percentagem de população inscrita numa instituição de ensino, em Portugal, é de 37%, ao passo que, na OCDE é de 42%. Se o paralelo for traçado em relação aos restantes parceiros da União Europeia, o país perde ainda mais na comparação: a média europeia é de 43%.

Um outro dado do Education at a Glance 2018 permite perceber a evolução deste fenómeno. Se, aos 16 e aos 17 anos, Portugal tem 98% da população inscrita em instituições de ensino – contra 95% e 92%, respectivamente para cada uma dessas idades, na OCDE –, a partir dos 18 anos o indicador cai de forma abrupta: 82% de inscritos aos 18 anos, 65% aos 19 e apenas 54% aos 20 anos.

Quando o país apostou em alargar a população inscrita no ensino secundário, “fê-lo sobretudo por via dos cursos profissionais”, que hoje representam cerca de metade dos inscritos do 10.º ao 12.º anos, contextualiza Cláudia Sarrico, analista de políticas de ensino superior da OCDE, que vai comentar estes dados na Convenção do Ensino Superior. “Só que os cursos profissionais foram concebidos a pensar na transição para o mercado de trabalho, e não no prosseguimento de estudos”, afirma.

Muitos dos alunos que vão para o ensino profissional estarão, por isso, previamente menos disponíveis para prosseguir estudos, “porque queriam um tipo de ensino diferente de modo a ingressar no mercado de trabalho”, admite Sarrico. Além disso, mesmo que a dada altura possam pensar em continuar a estudar no superior, terão dificuldades.

Desde logo porque o concurso nacional de acesso se baseia em larga medida nos exames do ensino secundário e, nos cursos profissionais, os alunos não têm algumas das disciplinas em que há provas nacionais ou, quando as têm, os currículos são diferentes. Para responder a esta dificuldade, o Governo comprometeu-se, em 2017, a fazer mudanças na forma de acesso ao ensino superior para os alunos do ensino profissional, que até agora não foram concretizadas.

Além disso, a especialista da OCDE questiona se estes alunos estarão, de facto, “preparados para ter sucesso no ensino superior”, tendo em conta a forma como os cursos profissionais foram desenhados. E dá o exemplo da Holanda onde os alunos do profissional têm licenciaturas mais longas (de quatro anos em vez de três) do que os alunos que chegam ao ensino superior vindos do ensino regular.

Diversificar os públicos

O que também resulta evidente da comparação internacional que Cláudia Sarrico vai apresentar na Convenção do Ensino Superior é que Portugal tem um défice de qualificações neste nível de educação. Entre a população que tem 25 a 34 anos só 34% tem formação superior. Na OCDE são 44%.

O país “precisa de mais gente no ensino superior” e o que aconteceu no ensino secundário pode servir de modelo, defende a investigadora. “Da mesma forma como, quando se fez uma massificação no secundário teve que ser feita uma diversificação da oferta, também no caso do superior terá que acontecer o mesmo”, propõe Cláudia Sarrico.

Um exemplo relativamente recente do que podem ser as novas ofertas de universidades e politécnicos são os cursos técnicos superiores profissionais. Portugal também tem margem para aumentar o número de estudantes em regime de tempo parcial – em que é um dos países com menos alunos inscritos, com 5,19% contra 19,65% de média da OCDE –, mas também públicos adultos que estejam já no mercado de trabalho.

“A oferta tem de se adaptar para que seja uma oferta de qualidade e os alunos não só entrem como também progridam e saiam com as competências”, defende a investigadora da OCDE.

A conferência de abertura da Convenção Nacional do Ensino Superior será partilhada por Cláudia Sarrico e Pedro Teixeira, do Centro de Investigação de Política do Ensino Superior. Na mesa de comentário a essa intervenção estarão a investigadora do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa Maria Mota, vencedora do Prémio Pessoa em 2014, o antigo Ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, e o politólogo Pedro Adão e Silva, bem como o ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo ministro da Educação, Augusto Santos Silva, em representação do Governo.

O Governo tem um elemento em cada um dos seis painéis de discussão previstos para esta segunda-feira, em que vão ser debatidos temas como o acesso ao ensino superior, a acção social e o financiamento do sector. Entre os participantes estão membros de todos os partidos com assento na Comissão de Educação da Assembleia da República, bem como representantes dos estudantes. O Presidente da República fará o discurso de encerramento.

A sessão desta segunda-feira da convenção é a primeira de seis de uma iniciativa com a qual os reitores vieram reclamar um pacto de dez anos contra “estagnação” no sector. A discussão prossegue em Março, na Universidade de Aveiro, onde o tema será a articulação do ensino com a investigação. A terceira sessão acontece no mês seguinte no Porto e vai debater a aproximação do ensino superior às empresas, administração pública e agentes culturais.

Esta iniciativa do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas vai parar durante o período eleitoral e será retomada, no final do ano, após a tomada de posse do Governo que resultar das próximas legislativas. Serão então debatidos outros três temas: o papel das universidades no combate às alterações climáticas, a modernização pedagógica do ensino superior e a coesão territorial do país.

Relatório Education at a Glance 2018

 

 

 

40% do alunos que terminam o ensino secundário não prosseguem estudos

Setembro 24, 2016 às 5:00 pm | Publicado em Estudos sobre a Criança | Deixe um comentário
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Notícia do http://observador.pt/ de 11 de setembro de 2016.

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Marlene Carriço

São os alunos que concluem o 12.º pela via profissional que mais ficam pelo caminho. Governo está a estudar maneiras de “evoluir no ingresso no ensino superior”. Cursos técnicos superiores são aposta.

Mais de 25 mil estudantes que terminaram o ensino secundário no ano 2013/14, não prosseguiram com os estudos. Feitas as contas, isso representa 40% dos 62.923 que concluíram o 12.º ano, de acordo com o estudo “Transição entre o secundário e o superior”, divulgado este domingo pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

Os números preocupam a equipa de Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que, num encontro com jornalistas, na passada sexta-feira, afirmou que “o pior que pode acontecer é não estarmos a educar mais jovens com 18 anos”.

Cerca de 20 mil jovens que terminam o ensino secundário não estão a ingressar no ensino superior. No público adulto, entre os 25 e os 30 anos, de acordo com a DGEEC, há 200.000 pessoas com o 12.º ano que nunca tiveram oportunidade de ingressar no ensino superior”, declarou.

E olhando mais a fundo, percebe-se que o grande problema está nos alunos que concluem o ensino secundário pela via profissional. É neste segmento que se observa uma maior taxa de jovens que pararam de estudar: 82% dos 22.845 jovens que concluíram o 12.º ano em 2013/14 não foram encontrados a estudar em nenhuma via de ensino no ano seguinte. Esta taxa compara com os apenas 16% de estudantes da via científico-humanística que terminaram o seu percurso de estudos no 12.º ano, como pode observar no gráfico que se segue. Passando o ponteiro por cima da imagem poderá verificar quais as percentagens de alunos que prosseguiram uma ou outra via.

E muitos fatores podem explicar esta realidade, como o próprio estudo elenca. Desde logo, os alunos que enveredam pelo profissional no secundário têm, em regra, um histórico de notas mais baixas ou até chumbos. Depois, o concurso nacional de acesso ao ensino superior usa critérios de seleção adaptados à formação dos alunos que frequentam a via científico-humanística no ensino secundário, ou seja, as provas de ingresso coincidem com os exames nacional que avaliam conteúdos específicos destes cursos e não dos cursos profissionais. E a juntar a tudo isto, o ensino superior tem estado “muito afastado do ensino profissional”.

Precisamente para corrigir alguns destes pontos, o Governo está a estudar “alterações ao regime de acesso ao ensino superior, designadamente as que se referem às condições de ingresso dos estudantes com um curso secundário profissional ou artístico especializado nos cursos de licenciatura e integrados de mestrado”.

O ministro esclareceu, porém, que não existe “nenhum compromisso em alterar o regime geral de acesso”, até porque é “algo que só deve ser tocado com grande consenso da sociedade portuguesa”. Por isso mesmo o relatório que resultar deste grupo de trabalho, até ao final de setembro, será posto à discussão e “só depois tomaremos decisões”.

Além disso, este Ministério vai apostar nos cursos técnicos superiores, criados pelo anterior Governo, que são formações de nível superior de dois anos, que não conferem grau.

“O que sabemos é que as formações curtas podem ser uma via facilitada para estimular os jovens que optaram por vias profissionalizantes a ingressarem no ensino superior. E por isso criámos um grupo de trabalho para estudar formas de evoluir no ingresso no ensino superior. No ideal queremos um ensino superior aberto e diversificado, que estimule a mobilidade social. As formações curtas são uma vida, mas não a única para estes estudantes”, afirmou o ministro Manuel Heitor.

Neste ano letivo que agora vai iniciar vão abrir 580 cursos diferentes, com uma capacidade para receber 18.193 alunos em 98 localidades distintas. As instituições superiores públicas (institutos politécnicos e unidades de ensino politécnico dentro de universidades) estimam vir a receber 7.409 novos alunos por esta via.

Habilitações da mãe são mais determinantes do que nível de rendimentos da família

Estes dados revelam assim que a modalidade de ensino secundário que é escolhida pelos alunos influencia muito o prosseguimento de estudos e ainda mais do que o fator socioeconómico porque filhos de mães com habilitações superiores que escolham a via profissional no secundário têm menos probabilidade de aceder ao ensino superior do que filhos de mães sem habilitações que escolham cursos científico-humanísticos.

De facto, todo os grupos de alunos provenientes dos cursos científico-humanísticos (mesmo os grupos com indicadores de contexto mais desfavoráveis) têm, em média, taxas de prosseguimento de estudos acima das taxas dos grupos provenientes dos cursos profissionais (mesmo os alunos dos profissionais com indicadores de contexto mais favoráveis) “, lê-se no estudo apresentado pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.

Mas nem por isso o fator socioeconómico deixa de pesar nesta transição. É mais do que certo e sabido, por vários estudos que vão sendo publicados e até pelo senso comum, que alunos vindos de famílias com um contexto socioeconómico favorável têm à partida maior sucesso escolar e estudam mais anos.

Neste estudo, os investigadores desagregaram duas variáveis desse contexto — o escalão do apoio social escolar e as habilitações da mãe. E chegaram à conclusão que, “embora elas estejam correlacionadas entre si, a habilitação da mãe parece ter um efeito maior nas taxas de prosseguimento de estudos do que o escalão do apoio da ação social escolar”. É que “quando as famílias têm habilitações elevadas mais dificilmente aceitam que os seus filhos deem por terminados os estudos no final do secundário”, além de que incutem uma cultura de maior valorização do estudo e dão mais apoio escolar.

Ser público ou privado, ser rapaz ou rapariga pouco conta

Mais surpreendente pode ser o facto de não ter muita influência no prosseguimento de estudos a escola de onde se veio. Ou seja, ser ensino público ou privado pesa pouco na hora de o aluno optar por continuar a estudar no ensino superior ou não. Para os alunos diplomados em 2013/14 pela via científico-humanística, a taxa de prosseguimento de estudos em 2014/15 era de 84%, independentemente de terem frequentado colégios privados ou escolas públicas.

Assim como também tem “relativamente pouca influência” ser homem ou mulher. Isto é: olhando para os alunos que saem do ensino secundário, sem fazer distinções de vias de estudos, há mais mulheres a prosseguirem estudos superiores, mas isso é porque as mulheres estão sobre representadas nos cursos científico-humanísticos. Se isolarmos os alunos da via científico-humanística e da via profissional, “a probabilidade de prosseguimento de estudos é praticamente igual para mulheres e homens, até com ligeira vantagem para os homens no caso dos profissionais”, lê-se no estudo agora apresentado.

É em Coimbra que mais alunos prosseguem estudos

Fazendo um raio-X ao país, esta análise permite perceber que a maior percentagem de alunos que prosseguem os estudos depois de concluir o ensino secundário, na modalidade de científico-humanísticas, regista-se no distrito de Coimbra – 93% dos alunos estava a estudar um ano depois de ter terminado o 12.º ano. No canto oposto, está Faro onde a percentagem não ia, em 2014/15, além dos 78%, muito abaixo de Coimbra e bem abaixo da média de Portugal Continental (84%).

Desviando o olhar para os alunos que concluem o 12.º pela via profissional, “as assimetrias regionais são ainda mais marcadas”. Bragança destaca-se como o distrito em que mais alunos, vindos desta via, prosseguem estudos – 34%, o triplo dos estudantes que seguem esse caminho em Beja (apenas 10%). A média nacional ronda os 18%.

 

 

Escolha da escola pode valer “2 (ou até 4) valores” na nota interna

Janeiro 26, 2015 às 5:00 pm | Publicado em Estudos sobre a Criança | Deixe um comentário
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Notícia do Público de 24 de janeiro de 2015.

Rui Gaudêncio

Andreia Sanches

Investigadores do Porto construíram “ranking da inflação” de notas no secundário. Dizem que “não se tem conseguido adoptar medidas que reduzam as discrepâncias entre as escolas”. Já a associação de ensino particular diz que “os desvios podem ser virtuosos”.

Dois investigadores do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto chegaram à conclusão que “dois alunos com prestação idêntica nos exames nacionais facilmente podem ter discrepâncias de 2 (ou até 4) valores nas suas notas internas, consoante a escola escolhida”. Tiago Neves e Gil Nata já tinham abordado a questão da inflação das notas em artigos publicados em revistas internacionais. Agora, fizeram aquilo que definem como um “ranking da inflação” para cada um dos últimos 13 anos.

Estes rankings fornecidos ao PÚBLICO mostram, escola a escola, quais os estabelecimentos que têm em cada ano maiores desvios de classificações internas — aquelas que são dadas pelos professores — face ao “desvio médio nacional”, tal como calculado pelos investigadores. Olhando apenas para o top 5 de cada um dos 13 anos analisados: o Colégio Ellen Key, no Porto, e o Ribadouro, também no Porto, aparecem nove vezes nesse grupo.

Já o Colégio Horizonte (Porto), o Colégio de Lamego e o Instituto de SEZIM — Colégio de Guimarães aparecem quatro vezes na lista dos cinco maiores desvios.

Em 2013/14, o último ano para o qual há dados, o Externato Senhora do Carmo, na Lousada, foi o que teve o maior desvio face ao “desvio médio nacional”: à volta de 2,7 valores. Mais 10 escolas apresentaram desvios superiores a 2 valores.

Por sistema, explicam os investigadores, há “uma sobrerepresentação das escolas privadas nos lugares cimeiros” destes rankings que incluem as cerca de 600 escolas secundárias do país.

A metodologia que Gil Nata e Tiago Neves seguem não é muito diferente da do Ministério da Educação no 898946portal InfoEscolas, recentemente lançado — e onde, pela primeira vez, o Governo divulgou publicamente dados escola a escola sobre este assunto.

Contudo, os dois professores (o primeiro lecciona na Universidade Portucalence e o segundo na Faculdade de Psicologia e Ciência da Educação do Porto) apresentam os valores absolutos dos desvios, para cada escola, enquanto o ministério limita-se a assinalar as escolas mais e menos alinhadas com a média, sem quantificar o tamanho dos desvios. Foi com base no InfoEscolas que o PÚBLICO concluiu, na segunda-feira, que há 24 escolas que dão por sistema notas acima do esperado. A maioria são privadas no Norte do país.

Basicamente, Gil Nata e Tiago Neves verificaram, em cada ano, qual foi a média interna dos alunos que prestaram provas — e fizeram-no para todas as classes de notas possíveis no exame (dos 0 aos 20 valores). Ou seja, avaliaram qual foi a classificação interna dos alunos com 1, 2, 3… 11, 12 valores, e por aí fora, no exame. Depois viram escola a escola se, em média, as notas internas atribuídas pelos professores eram mais altas do que as notas internas atribuídas pelas outras escolas a alunos com resultados semelhantes nos exames. Os desvios foram calculados “corrigindo a diferente proporção de alunos que diferentes escolas têm ao longo do espectro de notas nos exames nacionais”.

Resultado: encontraram discrepâncias consideráveis, “com a amplitude (diferença entre a nota mínima — a escola que mais deflacionou — e a nota máxima — a escola que mais inflacionou) a estar sistematicamente acima de 4 valores e a ultrapassar em vários anos os 5 valores”.

O maior desvio “para baixo” deste ano pertence ao Colégio Rainha D. Leonor, nas Caldas.

“Os desvios das escolas têm-se mantido similares ao longo do período em análise, por vezes com uma tendência de subida ligeira”, explicam os investigadores. “Isto significa que não se tem conseguido adoptar medidas que reduzam as (grandes) discrepâncias entre as escolas.”

Impactos no ensino superior

Gil Nata e Tiago Neves, que já tinham avaliado num artigo para o International Journal on School Disaffection, em 2012, “o impacto que tais desvios têm no acesso ao ensino superior”, actualizaram agora os seus cálculos — porque consideram que “a inflação de notas é uma tremenda fonte de injustiça”.

Nos cursos superiores mais competitivos (aqueles que apresentam médias de entrada mais elevadas), nos últimos três anos, estimam que “o impacto de mais um valor na nota de candidatura significa um salto de entre 80% a 90% na lista ordenada de candidatos a esses cursos (a partir do último candidato a entrar no curso)”. Ou seja, um valor a mais significa “passar à frente de mais de 80% dos candidatos”.

Mesmo um aumento de 0,5 valores na nota de candidatura significa um salto de mais de 50% nesses cursos. Nos cursos menos competitivos, “o impacto de mais um valor na nota de candidatura é bastante relevante, sendo em média de cerca de 35%”.

“Enquanto investigadores, o nosso papel é estudar temas socialmente relevantes, disponibilizando dados em quantidade e qualidade suficientes para que possam ser apreciados quer pela comunidade científica, quer pelo público em geral”, justificam em resposta ao PÚBLICO. “Visamos facilitar a identificação precisa de problemas reais para que possam ser tomadas medidas concretas pelas entidades competentes.”

Na semana passada, também questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação lembrava, numa nota por escrito, que a avaliação interna é, por lei, da responsabilidade dos órgãos e estruturas pedagógicas das escolas. Mas que, ainda assim, a Inspecção-Geral da Educação e Ciência está a analisar os dados relacionados com os desalinhamentos de notas detectados e tornados públicos no InfoEscolas. “Nos casos de maior afastamento”, irá “utilizá-los em próximas intervenções inspectivas, com recomendações focadas no processo de avaliação interna dos alunos.”

“Temos consciência do assunto”

No Externato Senhora do Carmo, que este ano se destacou por ter o maior desvio, a direcção fez saber, por escrito, em resposta ao PÚBLICO, que este foi o primeiro ano em que tiveram alunos a prestar provas no secundário — e apenas no 11.º ano. “De facto, houve um desvio significativo nas classificações obtidas pelos nossos alunos numa ou noutra disciplina de 11.º ano (fundamentalmente numa que certamente pesou no objecto do referido estudo). A direcção pedagógica está naturalmente preocupada com a situação, mas também é necessário que se refira o seguinte: em primeiro lugar, o desfasamento não ocorreu em todas as disciplinas de 11.º ano a que os alunos prestaram provas, aliás, até houve resultados externos que suplantaram os resultados internos em determinadas situações; em segundo lugar, é preciso vincar que foi a primeira vez que esta escolas teve exames de nível secundário, e portanto, não sendo desculpa, o facto de ainda não existirem referenciais consolidados pode ter contribuído para que tenha havido mais discrepância.”

E remata: “Temos consciência do assunto. Mais do que ninguém queremos resolvê-lo para que se honre a tradição de bom desempenho dos nossos alunos. E sobre as causas aleatórias, sem querer especificar, já foram tomadas medidas que estamos certos farão com que o problema seja resolvido.”

Rodrigo Queiroz e Melo, director executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep), diz que não conhece o estudo em causa, mas considera que o facto de existirem “análises cada vez mais robustas” sobre o sistema educativo “é uma coisa óptima”. Agora, só contesta que se fale de “inflação” de notas, algo que “tem uma conotação negativa”. “Desvios”, diz, é mais rigoroso. E “os desvios podem ser virtuosos”. Mais: “Nalguns casos justificam-se plenamente.”

Dá um exemplo: há escolas que na dúvida, entre um 14 e um 15 decidem dar 15, como estratégia de motivação, e outras que decidem dar 14, para picar os alunos — “são estratégias pedagógicas” distinas, diz, e é um erro achar que os procedimentos devem estar todos alinhados. “A avaliação interna deve ser um instrumento de gestão pedagógica.”

Sobre o impacto de tudo isto no acesso ao superior, Queiroz e Melo entende que as conclusões dos investigadores do Porto dão razão à Aeep, que tem defendido uma mudança nas regras que faça com que o secundário deixe de “estar canalizado para a seriação de alunos para o ensino superior” correndo-se o risco de que se torne mesmo “numa fábrica de preparação de exames”. Uma possibilidade, diz, seria as universidades terem os seus próprios critérios de escolha de candidatos.

“Exercício teórico”

Recorde-se que o exame nacional vale apenas 30% da classificação final de cada disciplina do secundário sujeita a exame (nos cursos científico-humanistícos, que concentram a maioria dos alunos), a nota interna vale 70%. A classificação final dos cursos, por sua vez, é a média aritmética simples, arredondada às unidades, da classificação final obtida em todas as disciplinas do plano de estudos.

Já o cálculo da nota de candidatura ao ensino superior varia: há universidades/politécnicos que dão mais importância aos exames, que também funcionam como provas de ingresso, outras menos, umas que dão maior peso à classificação do secundário, outras menos; o que as regras mandam é que a classificação final do ensino secundário vale pelo menos 50% da nota de candidatura ao ensino superior (sendo que a classificação final do secundário reflecte notas internas e de exame, como já se viu) e as provas de ingresso pelo menos 35%. Mas dentro destes limites há várias combinações possíveis. Por exemplo, para Medicina na Universidade de Lisboa, a média do secundário vale 50% e as notas das provas de ingresso outros 50%. Em Direito, para a Universidade do Minho, as percentagens são 60/40.

Tiago Neves e Gil Nata não tiveram em conta estas nuances. “Quando analisamos o impacto nas listas de acesso o que fazemos é simplesmente ir ver para determinado curso a nota de entrada do último candidato e perceber qual o lugar em que ele estaria caso tivesse uma nota de acesso com mais 0,5 ou 1 valores”, explicam ao PÚBLICO. “Note-se que este é um exercício teórico. Não nos preocupámos com o facto de esse curso dar mais ou menos ponderação à Classificação Interna Final ou à Classificação de Exame. É simplesmente dizer: no curso x, o último candidato tinha nota y; com mais meio valor em que lugar da lista é que ele se encontraria e a que percentagem de subida na lista é que esse salto corresponde.”

Os investigadores partem do pressuposto de que se há escolas com desvios na nota interna de 2, 3 ou 4 valores acima do desvio médio nacional, como constataram que há, todos anos, é seguro que também há alunos que de facto têm mais um valor na nota de ingresso do que teriam se tivessem concluído o secundário noutras escolas que inflacionam menos ou que deflacionam as notas internas.

 

 


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