“A coisa correcta é ter bons professores, que ensinem bons programas e dar-lhes autoridade”

Agosto 15, 2018 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Entrevista de Inger Enkvist ao Público no dia 3 de agosto de 2018.

Inger Enkvist é uma professora que conhece bem os sistemas educativos onde o sucesso impera. Voltar a dar autoridade aos professores é um dos segredos. Não ter medo de dizer “não” aos filhos é outro.

Bárbara Wong

Inger Enkvist é uma professora universitária sueca que está reformada, mas continua a ter o seu gabinete na Universidade de Lund, onde estudam cerca de 42 mil alunos. A catedrática emérita de literatura espanhola e latino-americana tem sido convidada para dar aulas da sua especialidade um pouco por todo o mundo — em Agosto está no Chile, no mês seguinte em Madrid e Barcelona, e em Novembro no México —, mas também para falar sobre pedagogia, tema sobre o qual tem escrito em várias revistas da especialidade e em jornais, tendo alguns livros publicados.

A docente, que deu aulas do secundário ao ensino superior, é crítica da “nova pedagogia” e defende o regresso a uma escola onde os professores são a autoridade, os alunos aprendem em turmas de nível e os pais têm uma palavra a dizer… mas em suas casas. Tem 71 anos e dois filhos.

Como surgiu o interesse por estudar os sistemas educativos?
Há uma crise na educação. Comecei a interessar-me e a escrever sobre as soluções que eram encontradas por alguns países, que estavam a fazer um trabalho melhor do que outros.

Tem trabalhado com o governo sueco?
Não, o que faço é escrever e ser convidada para dar palestras. Por vezes falo com os políticos ou estes pedem-me a minha opinião, mas prefiro manter-me de fora porque sou mais útil dessa forma.

Conhece o sistema português?
Não muito bem, mas o que observei é que Portugal fez um esforço enorme, tornou-se melhor e isso não é muito conhecido. Gostava de conhecer as novas reformas de Portugal, que me parecem interessantes, para poder escrever sobre elas.

Creio que as novas reformas em Portugal não se coadunam com aquilo que defende…
Bem, muitos países estão numa situação crítica. No mundo ocidental tem havido uma “ocupação”, digo-o com ironia, uma agenda ideológica centrada na pedagogia, que não procura que o estudante aprenda – claro que é uma generalização –, mas porque são cépticos em relação à aprendizagem e como têm um background marxista dizem que os factos o são por pouco tempo, logo, não é útil conhecê-los. Ser esta a visão central nos sistemas educativos provoca grandes estragos. Fazem grandes estragos porque dizem que podemos pôr qualquer estudante em qualquer classe, que não precisam de trabalhar muito.

Não é apologista do “aprender a aprender”?
Isso está espalhado por todo o lado. Quando aprendemos alguma coisa é sempre específico e o “aprender a aprender” dá a ideia que se aprendeu alguma coisa que se pode usar noutras situações, mas a investigação diz que não. Portanto, é preciso aprender os factos para ser capaz de pensar, compreender e chegar a conclusões. É preciso ter muito conhecimento para ser capaz de pensar bem.

Isso não é fácil quando os estudantes são tão diferentes. O ex-ministro da Educação, Marçal Grilo, escreveu O difícil é sentá-los. Ou seja, muitos professores antes de conseguir ensinar factos têm de ensinar os alunos a ficarem sentados.
Aí estamos a falar da autoridade da escola e dos professores. Estes, no 1.º ano, têm de ensinar os alunos a tirarem o chapéu, a sentarem-se, a pegarem na caneta para aprender a escrever. Todas estas coisas têm de ser aprendidas e normalmente é isso que o professor tem de ensinar. Alguns não têm ajuda em casa? São esses que precisam mais do que os outros de aprender correctamente a comportarem-se. No 1.º ano, a professora é quem abre o mundo do conhecimento às crianças, ao mesmo tempo que mostra como funciona a escola. Precisa de dizer-lhes: “É assim que se aprende e aprender é entusiasmante e transformador, vai mudar-te, vai tornar-te um adulto, mas há regras às quais tens de obedecer.”

No entanto, muitos professores fazem a distinção entre educar e ensinar. Educar – tirar o chapéu, sentar-se – cabe aos pais e a função dos professores é ensinar a matéria.
Compreendo e é uma reacção normal, sobretudo entre os professores dos anos mais avançados porque os colegas do 1.º ciclo não ensinaram às crianças como comportarem-se. Portanto esse problema deveria ter sido resolvido anteriormente.

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Mas há mais por detrás dessa afirmação, a ideia de que todas as crianças são iguais e que devem ter o mesmo e a escola é que deve adaptar-se.

Isso não está correcto?
Diria que não, observo que nos países em que isso acontece, as turmas onde há problemas são as dos alunos entre os 11 e os 16 anos, que acumulam dificuldades e não estão interessados no que se passa na sala de aula. Portanto é preciso ter outras opções.

Pô-los noutra escola, noutra turma?
Deve haver a possibilidade de escolha. Em Singapura há turmas para os alunos que aprendem mais depressa. Na Finlândia há muita ajuda extra para os alunos que aprendem mais devagar. Na Suíça pode escolher-se, aos 12 anos, cursos diferentes com mais ou menos disciplinas práticas.

Isso não é discriminação?
Não. É preparar o aluno o melhor possível para o seu futuro. Fala-se muito de discriminação, mas se você tivesse sido professora veria nos olhos dos alunos a ansiedade ou o aborrecimento porque não conseguem gerir o conhecimento que o professor está a transmitir. O que acontece a esses alunos é que se limitam a sobreviver na escola, na esperança de que um dia aquilo termine e sejam livres. Outros ficam tão aborrecidos que começam a fazer disparates porque não acham que o conhecimento seja importante. Na adolescência, diria que submeter os alunos a isso é um mau trato psicológico.

Mas ao separá-los [um função do seu nível] não estamos a traçar o seu destino? Por exemplo, os pais têm pouca escolaridade e eles terão também?
Se o aluno consegue acompanhar as aulas trabalha como os outros. Não é discriminação, é adaptar-se à situação.

Não estamos a decidir que, em vez de serem médicos ou professores, serão canalizadores ou mecânicos?
Isso depende. Se estudarem muito, conseguem acompanhar as aulas. Ninguém colocará uma criança perfeitamente integrada numa turma especial. Isso seria incompreensível.

Por causa dos resultados dos alunos de 15 anos nas provas da OCDE, a Finlândia tornou-se um modelo para Portugal, é um bom exemplo?
O mais importante no modelo finlandês é que a escola tinha o total apoio dos pais porque houve várias guerras e crises económicas severas. Portanto, as famílias sabem, fruto do seu passado, que é preciso estar preparado. Por isso, apoiam as escolas. Não houve grandes experiências pedagógicas.

E ser professor é uma profissão muito reconhecida lá. Isso é importante porque os bons alunos querem ser professores – também é verdade para os educadores de infância e para os professores de 1.º ciclo. Se as crianças aos 4, 5, 6 anos tiverem bons educadores, inteligentes e preparados, arrancam bem, conseguem aprender bem a língua e ganham bons hábitos sobre como comportar-se na sala de aula. É mais divertido para um aluno estar com um professor inteligente que torna a aprendizagem divertida – este é um dos segredos do sucesso da Finlândia.

Em Portugal ou no Reino Unido ninguém quer ser professor.
É um problema também noutros países que, em comum, têm o facto de terem introduzido a “nova pedagogia” que diz que o estudante tem direitos e não é obrigado a obedecer ao professor. Quando o aluno pode entrar ou sair da sala de aula, pode chegar e não trazer os trabalhos feitos, pode dirigir-se ao professor de forma desrespeitosa, então, ninguém quererá ser professor.

Qual é o perfil de um bom professor?
Para ter bons professores é preciso ter um Governo que imponha boas regras. Um bom professor tem de ter uma boa preparação, em termos da língua e do conhecimento, e gostar de aprender. Mas é preciso aceitar que qualquer aluno possa estar em turmas de diferentes níveis.

Mas os alunos não deviam estar no centro das aprendizagens? Não é o professor que tem de se adaptar aos alunos?
(Riso) Já vi que sabe o jargão todo, foi a pergunta do “aprender a aprender”, a preocupação com a discriminação e agora o estudante no centro…

Acompanho o tema há muitos anos…
É uma boa pergunta, mas é uma forma enganosa de olhar para o assunto. Claro que a educação é para os estudantes, mas nada nos diz que é melhor ter um plano personalizado para cada um. Pelo contrário, o ensino funciona nos países onde os professores trabalham com grupos com as mesmas necessidades. É mais fácil que estes aprendam ao mesmo tempo. Essa ideia do aluno no centro leva a que seja precisa muita ajuda na escola e os recursos são mal usados. Se pensarmos em dinheiro, é mais económico aprender num grupo semelhante.

Há duas ideologias por detrás da ideia de que todos devem ter uma atenção pessoal, uma de direita e outra de esquerda. A de esquerda diz que todos somos iguais e quem não é precisa de ajuda para se tornar igual. A de direita diz que todos têm direito a atenção, direito à escolha, a ser um agente livre para fazer o que quer.

E qual é a que está certa?
Ambas estão erradas! Não funcionam e não são do interesse do estudante, do país ou da aprendizagem. Mas são muito comuns e apresentadas como algo moderno. A coisa correcta é ter bons professores, que ensinem bons programas e dar-lhes autoridade. Mas aos 12 anos é preciso dar escolha aos alunos porque é impossível estarem todos interessados nas mesmas coisas e, ao desinteressarem-se, tornam o trabalho dos professores impossível.

Como é que aos 12 anos eles sabem o que escolher? Em Portugal, o que se verifica é que aos 15 anos eles escolhem e há uma percentagem que volta atrás porque, de facto, não soube fazê-lo ou não teve maturidade para decidir.
Existem os professores que conhecem extremamente bem os seus alunos e sabem dizer o que é melhor. Não pode ser a próprio aluno, isso é errado. Deixem os professores serem os orientadores.

E os pais?
Talvez na retaguarda porque sabem menos sobre como é que o filho trabalha em sala de aula. Os pais têm sonhos e muitas vezes são ilusões sobre as capacidades dos filhos. Não penso que seja um problema os alunos começarem numa área e, mais tarde, mudarem porque têm mais maturidade, outros interesses, têm mais mundo ou querem fazer outra escolha. Na Suíça, o sistema tem itinerários para os adolescentes e os que escolhem uma via mais prática, se quiserem, podem voltar atrás e fazer a mais teórica. Isso não é um problema.

Qual deve ser o papel dos pais na escola?
Há diferentes tipos de pais. É mais difícil quando não se interessam, aí o papel do professor é muito importante porque todo o input intelectual fica a seu cargo. Há outros, os modernos, que querem assegurar que o filho tem as melhores notas e o melhor futuro profissional, de preferência numa firma internacional, diria que são exagerados. Numa situação normal, o papel dos pais é providenciar uma boa educação em casa: uma boa alimentação, uma boa noite de sono, ensiná-los a sair para brincar e garantir que chegam a horas à escola. Também devem dar-lhes estímulos intelectuais – à noite comerem e conversarem juntos sobre o que se passa no mundo e perguntar-lhes o que aprenderam. E mesmo se não souberem muito sobre esses temas, estão a estimular os filhos para recordarem a matéria. E mostram aos filhos que têm interesse.

Há países que se queixam de os pais não terem livros em casa. Na Coreia do Sul e em Singapura há duas gerações os pais não tinham livros, nem muita escolaridade, mas os filhos estão no topo [dos estudos da OCDE].

E os pais nunca devem falar mal dos professores?
Nunca. Podem dizer: “Se fosse eu não faria assim, mas aprende tudo o que puderes com essa pessoa.”

Nas férias do Verão, os alunos devem continuar a estudar?
Primeiro, é necessário ir com eles para a rua, depois pô-los a ler. Ler pelo prazer.

Isso não é difícil?
É difícil, mas é muito importante que os pais insistam. Até podem oferecer uma recompensa: “Lê dez livros e oferecemos-te uma viagem.” Este é um trabalho que tem de ser feito em casa. Se não forem bons leitores, não serão bons alunos.

Transmissão de factos, autoridade dos professores, pais fora da escola. Não é um regresso ao século XIX?
Não, mas o que defendo de séculos anteriores é a importância do conhecimento, que os estudantes devem respeitá-lo e querer adquiri-lo.

Mas eles estão convencidos que o conhecimento está no seu smartphone.
Isso é errado, errado, errado. Porque a nossa biologia não mudou e aprender é sobre mudar o nosso cérebro e se não o fizermos, então não aprendemos. A tecnologia é limitada, eles podem dizer muita coisa com o smartphone na mão, mas se lho tirarmos não sabem nada. É como se fosse uma prótese.

No entanto, eles estão à frente de ecrãs desde muito cedo. Por exemplo, no restaurante, ainda bebés, para não incomodarem os pais.
E é completamente errado. É curioso, na década 1950 os pais queriam oferecer uma prenda aos filhos e tinham dificuldade em fazê-lo. Agora, os pais dão tudo e não têm a coragem de dizer “não”. Muitos não estão preparados e não compreendem como é importante dizer “não” a alguém de quem gostam.

Porquê?
Porque queremos ser amados pelos nossos filhos e também porque, no caso dos ecrãs, pensamos que não é muito tempo e, por isso, não faz mal. Mas isso é errado porque através dos ecrãs as crianças não recebem todos os estímulos necessários para aprender e com o nosso dinheiro estamos a empobrecê-los.

 

 

 

Pedagoga sueca Inger Enkvist diz: ‘A nova pedagogia é um erro. Parece que não se vai à escola para estudar’

Agosto 10, 2018 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Entrevista da Revista Prosa Verso e Arte a Inger Enkvist

Por Revista Prosa Verso e Arte

“O novo desafio é controlar o acesso ao celular. As escolas fazem bem em proibi-lo e os pais devem vigiar seu uso em casa. Devem saber dizer ‘não’”

Pedagoga sueca, com mais de quatro décadas de experiência na educação, critica método que dá mais iniciativa aos alunos na sala de aula e defende um ensino mais tradicional

– por Cristina Galindo, El País Brasil*

O silêncio reina na rua de pedras onde mora Inger Enkvist, em Lund, uma das cidades mais antigas da Suécia, com uma das universidades mais importantes deste país nórdico. Ninguém diria que a poucos minutos a pé fica o centro urbano. Esta calma chega ao interior de seu apartamento, uma sobreloja com grandes janelas e um jardim traseiro comunitário. Seu escritório, luminoso e cheio de livros, é um reflexo de sua ideia de como é preciso se entregar a qualquer tarefa intelectual: com ordem, concentração, seguindo regras…, lendo.

Enquanto a maioria dos pedagogos questiona a utilidade de decorar informações na era do Google e prega o fim das carteiras enfileiradas e das disciplinas estanques, com mais liberdade para os alunos, Enkvist (Värmland, Suécia, 1947) defende a necessidade de voltar a uma escola mais tradicional, onde se destaquem a disciplina, o esforço e a autoridade do professor. Seu ponto de vista contraria os postulados dessa nova pedagogia, mas também se distancia daqueles que acreditam que a escola é uma fábrica de alunos em série e que deve centrar seus esforços em competir com outros colégios para subir nos rankings mundiais.

Começou sua carreira educativa como professora do ensino secundário, e agora é catedrática emérita de espanhol na Universidade de Lund. Centrou sua pesquisa na obra de Mario Vargas Llosa e Juan Goytisolo, e escreveu ensaios sobre José Ortega y Gasset, Miguel de Unamuno e María Zambrano. Publicou vários livros sobre pedagogia – como Repensar a Educação (Bunker Editorial, 2006, digital) – e centenas de artigos, além de ter assessorado o Governo sueco no assunto. Sentada na sala de sua casa, Enkvist conversa em espanhol sobre como acredita que as escolas deveriam ser, enquanto bebe um suco de frutas vermelhas servido num jarrinho de barro comprado em Segóvia. Falando com ela, não é nada difícil imaginá-la no seu colégio, ainda menina, tirando ótimas notas.

Eis a entrevista:

Como recorda sua escola?

Era pública e tradicional. Não tenho más recordações. Talvez houvesse algumas aulas chatas, mas às vezes a vida é assim. Os alunos chegavam na hora e não havia conflitos com os professores. A Suécia me deu uma educação gratuita e de qualidade.

Os tempos mudaram. Continua valendo a disciplina daquela época?

A relação entre pais e filhos se baseia mais do que nunca nas emoções. Temos uma vida mais fácil, e queremos que nossos filhos também a tenham. Mas a escola deve estar consciente de que sua tarefa principal continua sendo formar os jovens intelectualmente. A escola não pode ser uma creche, nem o professor um psicólogo ou um assistente social.

Qual deve ser a finalidade do ensino infantil?

Deve ser muitas coisas, mas sua tarefa principal é dar uma base intelectual. Dar conhecimentos aos jovens, prepará-los para o mercado de trabalho, transmitir-lhes uma cultura e proporcionar-lhes uma ideia da ordem social, porque a escola é a primeira instituição com a qual as crianças se deparam, e é importante que vejam que há algumas regras, que o professor é a autoridade e que é preciso respeitar tanto ele como os colegas.

Mas a tecnologia torna mais difícil controlar crianças hiperestimuladas.

Sempre houve dificuldades na aprendizagem. Há 50 anos, era o fato de precisar andar uma hora para chegar ao colégio, ou oferecer refeições nutritivas. Hoje se trata da enorme quantidade de estímulos. O novo desafio é controlar o acesso ao celular e ao computador para que se concentrem. As escolas que proíbem o celular fazem bem. Em casa, os pais devem vigiar o tempo de uso da tecnologia. Proibir é muito difícil, porque se criam conflitos, mas um pai moderno deve saber dizer “não”. Deve resistir.

Há pedagogos que afirmam que a escola tradicional é chata e educa crianças submissas, e que é preciso aprender a aprender.

A escola é um lugar para aprender a pensar sobre a base dos dados. Isso de insistir em aprender a aprender sem falar antes de aprendizagem é uma falsidade, porque não podemos pensar sem pensar em algo. Sem dados não há com o que começar a pensar.

A escola não deveria ser um lugar onde se divertir?

A satisfação na escola deve estar vinculada ao conteúdo: entrar numa aula e que lhe contem algo que você não sabia. Mas é preciso saber que, para entender algo novo, é necessário fazer um esforço. Além disso, é fundamental que o professor nos ensine a ler e também como nos comportar. É impossível aprender bem sem que haja ordem na sala de aula. Essa é a base principal: comportamento, leitura e avaliação pelo conhecimento.

O que opina da tendência de pôr almofadas na sala de aula para que os alunos se deitem?

Isso é enganar os jovens. Para aprender a escrever, uma criança precisa sentar-se bem, olhar para frente, ter lápis e papel, concentrar-se… Aprender pode ser um prazer, mas, insisto, exige um esforço e um trabalho. É preciso dizer isso às crianças. Se não, estamos enganando-as. Tocar violino, por exemplo, não é fácil. Exige muita prática. Os estudos do psicólogo sueco Anders Ericsson mostraram que é necessário um esforço prolongado para melhorar em algo. Para ser bom em algo você tem que se dedicar 10.000 horas. E precisa fazê-lo de forma consciente e trabalhar com um professor. Sua pesquisa avaliza a ideia tradicional de uma escola baseada no esforço do aluno, sob a orientação de um professor.

Há quem diga que não é preciso decorar porque tudo está no Google.

Essa é outra falsidade. O Google é uma ferramenta genial. É de grande ajuda para os adultos, porque sabemos o que procuramos. Mas, para quem não sabe nada, o Google não serve de nada. Há intelectuais que andam por aí dizendo que estudar geografia não foi útil. Acredito que se esqueceram de como e quanto aprenderam na escola. Afirmar essas coisas é uma falta de honradez com os jovens. E menosprezar a importância em si da vida intelectual do aluno.

Em que consiste a nova pedagogia que você critica?

A nova pedagogia é um pensamento que se vê por toda parte no Ocidente. A Suécia a adotou nos anos sessenta. Consiste, por exemplo, na pouca gradação das notas, por isso muitos pensam que não há razão para estudar muito se isso não for se refletir no histórico escolar. Dá-se muita importância à iniciativa do aluno, trabalha-se em equipe e, ao mesmo tempo em que as provas desaparecem, aparecem os projetos e o uso das novas tecnologias. Em geral, parece que se vai à escola para fazer atividades, não para trabalhar e estudar. Dá-se mais ênfase ao social que ao intelectual. Acho que é um erro. Por um lado, os alunos com mais capacidade não desenvolvem todo o seu potencial e, por outro, os que têm uma menor curiosidade natural por aprender não avançam. Além disso, muitos gostos são adquiridos, como a história, a leitura e a música clássica. No começo podem parecer chatos, mas, se alguém insistir para que tenhamos um primeiro contato, é possível que acabemos gostando. Atualmente, muitos jovens escolhem sem terem conhecido e, claro, escolhem o fácil.

A Espanha é um dos países da OCDE que dedica mais horas à lição de casa. Isso tem alguma utilidade?

Quando a jornada é muito longa, como na Espanha, não faz sentido. Se um aluno está cansado, a lição de casa não melhora o seu rendimento. É preciso buscar um número ideal de aulas pela manhã, quando a criança está mais acordada, dar-lhe um tempo de descanso e, à tarde, talvez uma tarefa de revisão do que fez durante aquele dia. Um bom exemplo é a Finlândia, onde os alunos entram às oito da manhã e saem às duas da tarde, incluindo o almoço; exceto às quintas-feiras, quando saem às quatro da tarde.

Quando criança, você era um grande leitora. Como despertar esse prazer se uma criança não está interessada?

Era uma leitora compulsiva. Ninguém teve de insistir para que eu pegasse um livro. Mas há crianças que precisam disso. Talvez no começo seja necessário forçá-las um pouco, encorajá-las para que se tornem leitoras de lazer. Como se faz isso da escola? Comprar bons livros para a biblioteca e recomendar um a cada sexta-feira. Um aluno pode contar o que leu naquela semana. Fazer pequenas competições para ver quem leu mais. Medir como o seu vocabulário aumenta. E explicar que a leitura lhes permitirá, quando adultos, um melhor desenvolvimento. Se os alunos começam a ler, quase todos descobrirão que é um prazer. Mas eles precisam de horas. Calcula-se que na maioria dos países se dedicam 400 horas à aprendizagem da leitura na escola primária. Para ser um bom leitor, são necessárias 4.000 horas. É impossível ter tanto tempo na aula. Eles têm de fazer isso em casa. O que os pais podem e devem fazer é ler com os filhos: apoiar a leitura e servir de modelo.

Mas as humanidades estão perdendo peso.

Dizem que o amanhã será dominado pela tecnologia e pelas ciências naturais, e que o que é histórico não é importante. Além disso, as provas do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes], um conjunto de exames organizados pela OCDE para avaliar as competências de alunos de 15 anos em ciências, matemática e leitura] não levam em conta as humanidades porque é difícil comparar esses conhecimentos entre países, então a vontade de competição os leva a dar mais ênfase às matérias que fazem parte do PISA e negligenciar as outras. Tanto a escola quanto a família devem dar mais ênfase às humanidades.

A visão do PISA é a de uma escola que deveria funcionar como uma empresa?

A OCDE é uma organização econômica e analisa a educação a partir dessa perspectiva. O que o PISA não revela é se existe uma boa atmosfera na sala de aula, se bons princípios de trabalho são inculcados, se as ciências humanas, as ciências sociais, as matérias estéticas como arte e música, que são essenciais, são bem ensinadas. O PISA é uma prova muito específica que analisa algumas coisas. As escolas e os países deveriam defender que eles ofereçam muito mais do que isso.

Em seus livros, você aponta a Finlândia como um dos grandes modelos.

A educação na Finlândia foi tradicional, embora há dois anos o Governo tenha lançado um programa mais parecido com o da Suécia, porque meu país tem um desempenho escolar inferior, mas tem um comportamento econômico superior e criou empresas de tecnologia como Spotify e Skype. O Governo finlandês parece pensar que com um pouco de desordem suas escolas serão mais criativas. Não acredito nisso.

A Finlândia era tradicional? Não há exames no ensino obrigatório nem os havia antes dessa reforma que você menciona.

É preciso repensar a fobia aos exames. O exame ajuda a se concentrar em um objetivo. Que em tal dia você tem de saber esses conhecimentos. Um bom professor ensina coisas aos alunos, revisa com eles e faz algumas provas. E constroem outros ensinamentos sobre o que já foi aprendido, então esses conhecimentos voltam a aparecer mais tarde. Não faz um exame sobre algo sem importância. Com a prova final acontece a mesma coisa. É um objetivo claro. Ajuda a ter uma visão global.

Na Finlândia não se compara tanto as escolas, o que é comum na Espanha. É assim?

Na Finlândia continuam com a tradição de confiar nos professores. Quando existe um controle estatal do desempenho e se fazem comparações entre as escolas, o ambiente se deteriora. Para os professores, gera estresse e rancor em relação a quem te controla.

Como deve ser um bom professor?

Responsável e bem formado. Deve acreditar no poder do conhecimento. Não se é bom professor apenas pelo que se sabe sobre a matéria, nem só porque sabe conquistar os alunos. É preciso combinar ambos os elementos: atrair os alunos para a matéria para ensiná-la adequadamente. É preciso recrutar professores excelentes em que alunos, pais e autoridades possam confiar. E a menos que haja uma situação grave, devemos deixá-los trabalhar.

Como foi sua experiência na sala de aula?

O aluno tem de respeitar as instruções do professor, fazer as lições de casa e, por exemplo, não mentir. Antes, mentir era muito grave. Agora parece que não acontece nada. Vi jovens que inventam motivos para justificar por que não fizeram um trabalho, que escrevem de forma pouco legível para gerar dúvidas ou discutem o tempo todo com os professores. Sei o quão desagradável é que um aluno tente mentir para você. Vi isso no ensino médio e na universidade. Quando um professor sente que não é respeitado, que tentam enganá-lo, todas as relações de ensino se rompem.

O que fazer com as crianças que incomodam e não deixam os outros trabalharem?

Isso é um tabu. É considerado pouco democrático. Diz-se que devemos dar uma oportunidade a todos. Mas o que acontece quando uma criança problemática não deixa os outros trabalharem, quando se fala com ela e com os pais, mas não se corrige? É preciso colocá-lo em um grupo separado para ver se percebe e muda.

E as crianças que se esforçam, mas não atingem o nível?

Elas podem ter aulas de reforço. E podemos oferecer itinerários diferentes, como no caso de Cingapura.

E repetir de ano?

Fazer repetir uma criança às vezes serve e às vezes não, porque cada um é diferente. Gosto do sistema de Cingapura, onde o lema é que cada criança pode atingir seu nível ótimo. Existem diferentes maneiras de conseguir isso: uma maneira, digamos, normal e outra, expressa. A segunda inclui mais conteúdos em menos tempo. Há quem diga que é menos democrático, mas creio que, pelo contrário, é mais democrático porque convém à criança, à família e ao Estado. E há menos evasão escolar, um problema muito mais grave.

Não está aprendendo também por imitação? Ou seja, os alunos adiantados podem puxar aqueles que ficam para trás?

Funciona quando o grupo tem um bom nível e um bom professor. E se aqueles que têm de se integrar são poucos e querem fazê-lo. Se não, o que geralmente acontece é que aqueles que não querem trabalhar arrastam os outros.

O bilinguismo que combina inglês e espanhol prolifera nas escolas espanholas. Você matricularia seus filhos em uma dessas escolas?

Primeiramente, eu analisaria outras opções. Aprender inglês é bom, mas é preciso perguntar o que deixamos de aprender de outras matérias. Tenho dúvidas. Acredito que se pode aprender bem inglês com algumas horas de aula sem sacrificar outros conhecimentos, como por exemplo, as ciências. Na Suécia, as aulas de inglês só começam aos 9 ou 10 anos.

*Originalmente publicado no jornal El País Brasil, em 25.7.2018.

 

 

“É preciso recuperar a disciplina e a autoridade na escola”

Novembro 15, 2017 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Entrevista do https://brasil.elpais.com/ de 13 de julho de 2017 a Inger Enkvist

Ana Torres Menárguez

Ex-assessora de educação do Governo sueco se posiciona contra as novas metodologias educacionais.

Não é fácil encontrar uma opinião como a de Inger Enkvist (Värmland, 1947). Enquanto a maioria dos gurus educacionais defende acabar com as fileiras de carteiras escolares e os formatos convencionais de aula e dar mais liberdade aos alunos dentro da classe, Enkvist, ex-assessora do Ministério de Educação da Suécia, acredita que é preciso recuperar a disciplina e a autoridade dos docentes na sala de aula. “As crianças têm que desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho e para isso necessitam que um adulto as orientem. Aprender requer esforço e, quando se deixa os alunos escolherem, simplesmente não acontece.”

Catedrática de Espanhol na Univesidade Lund (Suécia), Enkvist começou sua carreira na educação como professora do ensino secundário e durante mais de trinta anos se dedicou a estudar e comparar os sistemas educacionais de diferentes países. Além da publicação de livros como Repensar a Educação (Bunker Editorial, 2014), escreveu mais de 250 artigos sobre educação.

Enkvist compareceu em março à Comissão de Educação do Congresso dos Deputados da Espanha para apresentar sua visão sobre o modelo educacional espanhol, no qual aponta falta de motivação por parte do professorado e a necessidade de reformulação dos graus de professor em Educação Infantil e Primário – correspondente aos anos de ensino fundamental no Brasil – para tentar atrair os melhores estudantes.

Pergunta. As novas correntes de inovação educacional reivindicam um papel mais ativo por parte dos alunos. Acabar com as aulas expositivas e criar metodologias que impliquem ação por parte do estudante. Por que você se opõe a esse modelo?

Resposta. A nova pedagogia promove a antiescola. As escolas foram criadas com o objetivo de que os alunos aprendessem o que a sociedade havia decidido que era útil. Qual é o propósito da escola se o estudante decide o que quer fazer? Essas correntes querem enfatizar ao máximo a liberdade do aluno, quando o que ele necessita é de um ensino sistemático e bem estruturado, sobretudo se levamos em conta os problemas de distração das crianças. Se não se aprende a ser organizado e a aceitar a autoridade do professor no ensino fundamental, é difícil que se consiga isso mais tarde. O aluno nem sempre vai estar motivado para aprender. É preciso esforço.

P. Em seu livro a senhora questiona a crença de que todas as crianças querem aprender e, portanto, é uma boa opção deixar que tomem a iniciativa e aprendam sozinhos. Quais são seus argumentos contra isso?

R. Nunca foi assim. É uma ideia romântica que vem de Rousseau: dar como certo que o ser humano é inocente, bem-intencionado e bom. Uma criança pode concentrar-se em uma tarefa por iniciativa própria, mas normalmente será numa brincadeira. Aprender a ler e escrever ou matemática básica requer trabalho e ninguém se sente chamado a dedicar um esforço tão grande a assimilar uma matéria tão complicada. É preciso haver apoio, estímulo e algum tipo de recompensa, como o sorriso de um professor ou os cumprimentos dos pais.

P. O que se deveria recuperar do antigo modelo de educação?

R. Ter claro que o professor organiza o trabalho da classe. Se os alunos planejam seu próprio trabalho, é muito complicado que obtenham bons resultados, e isso desmotiva o professor, que não quer responsabilizar-se por algo que não funciona. Essas metodologias estão distanciando das salas de aula os professores mais competentes. Já não se considera benéfico que o adulto transmita seus conhecimentos aos alunos e se fomenta que os jovens se interessem pelas matérias seguindo seu próprio ritmo. Em um ambiente assim não é possível ensinar porque não existe a confiança necessária na figura do professor. Viver no imediato sem exigências é bem o contrário da boa educação.

P. A senhora qualificou a autoaprendizagem como contraproducente. Mas uma vez terminada a formação obrigatória, e que os estudantes consigam um trabalho, o mercado de trabalho muda rápido e eles podem se ver obrigados a se reciclar e mudar de profissão. Não acha que é uma boa ideia lhes ensinar desde pequenos a tomar a iniciativa na aprendizagem?

R. Essa é a grande falácia da nova pedagogia. As crianças têm que aprender conteúdos, e não o chamado aprender a aprender. Não basta dizer aos alunos que devem tomar decisões. Não vão saber como fazer isso. Dou um exemplo. O Governo sueco oferece cursos de formação para adultos e é um desespero quando só se apresentam cidadãos com um perfil educacional elevado. Eles se interessam e acham útil, e por isso têm entusiasmo para começar. Se uma pessoa aprende um conteúdo, considera que é capaz e que no futuro poderá voltar a fazer isso. Quem é mais adaptável e mais flexível ao perder um emprego? Aquele que já tem uma base de conhecimentos, que conta com mais recursos internos, e isso é a educação que lhe proporciona. Quanto mais autodisciplina, mais possibilidades você tem pela frente e menos desesperado se sentirá diante de uma situação limite.

P. Há um grande debate quanto à utilidade dos exames. Alguns especialistas defendem que na vida adulta não ocorra esse tipo de prova e que o importante é ter desenvolvido habilidades para adaptar-se a diferentes entornos.

R. Essa é a visão de alguém que não sabe como funciona o mundo das crianças. Na vida adulta, todos temos prazos, momentos de entregar um texto, e isto se aprende na escola. Com os exames a criança aprende a se responsabilizar e entende que não comparecer a uma prova tem consequências: não será repetida para ele. Se não cumprimos nossas obrigações na vida adulta, logo nos veremos descartados dos ambientes profissionais. Os exames ajudam a desenvolver hábitos sistemáticos de trabalho.

P. Por que você considera que o momento atual da escola não permite que ninguém se destaque?

R. A escola não é neutra, nem todos vão aprender do mesmo modo. Nas classes há desequilíbrios enormes em um mesmo grupo, pode haver até seis anos de diferença intelectual entre os alunos. A escola deveria manter as crianças com diferentes capacidades juntas até os onze anos e, a partir daí, oferecer diferentes níveis para as matérias mais complexas. Isso é feito em algumas escolas públicas da Alemanha. Para os que não entendem, dou um exemplo. Imagine colocar em uma mesma classe 30 adultos com níveis socioculturais e interesses totalmente díspares e pretender que aprendam juntos. Isso é o que estamos pedindo a nossos filhos. Em menos de uma semana haveria uma rebelião.

P. A escola mata a criatividade, segundo o pedagogo britânico Ken Robinson.

R. O mais simples é pensar em um músico de jazz. Parece que está improvisando, brincando. Como pode fazer isso? Sabe 500 melodias de memória e usa pedaços dessas peças de forma elegante. Repetiu isso tantas vezes que parece que o faz sem esforço. A teoria é necessária para que surja a criatividade.

P. Quanto aos conteúdos que se aprende na escola, acha que seria necessário modernizá-los?

R. Uma professora espanhola me contou que um de seus alunos lhe disse na sala de aula: para que serviria estudar Unamuno? Que aplicação prática poderia ter? Precisamos conhecer a situação de nosso país, saber de onde viemos. Com Unamuno se aprende um modelo de reação, que não há motivo para ser adotado, mas conhecê-lo te ajuda a elaborar a sua própria forma de ver o mundo.

 

 

 


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