O WhatsApp é a nova arma dos pais (e está a agitar as escolas)

Junho 8, 2022 às 12:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Expresso de 22 de maio de 2022

Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos

Alerta piolho, o Manel está com varicela, a Rita vomitou, a Carolina está ranhosa. Contem com o João para a festa! Não acham que os miúdos têm TPC a mais? É inadmissível que a escola sirva batatas fritas ao almoço! Já repararam que a professora de Português dá erros? O meu filho queixa-se que o professor de Matemática é bruto. Se tem filhos na escola, o mais provável é pertencer a um grupo de pais no WhatsApp e algumas destas conversas ser-lhe-ão certamente familiares. Em poucos minutos, qualquer assunto, do mais trivial ao mais grave, gera uma torrente de mensagens, sempre com muitos emojis à mistura, GIF, fotos, vídeos e frases inspiracionais. O WhatsApp transformou-se numa espécie de reunião de pais em permanência, que os aproximou da escola de uma forma nunca vista. A maior participação das famílias na vida escolar é positiva, mas também está a gerar mal-estar e conflitos. Que o digam os professores, que nunca foram tão confrontados por pais ansio­sos e convictos de que eles é que sabem ensinar.

“Isto dos grupos de pais no WhatsApp tem muito que se lhe diga: se por um lado servem para partilhar informação útil sobre a escola e os nossos filhos, por outro tendem a resvalar para assuntos mais pessoais e que eram perfeitamente dispensáveis. E há os ‘pais-professores’, que perceberam com as aulas online que ‘a professora de Inglês… não sabe falar Inglês’ ou que ‘o professor tal é muito rígido’. Não terá sido fácil pôr os professores a ensinar as crianças com tanto pai de olhos e ouvidos bem abertos”, descreve João Oliveira, pai de uma aluna que frequenta uma escola pública de 1º ciclo no centro de Lisboa. “O WhatsApp acaba por ser uma assembleia digital permanente, onde não existe moderador definido, mas há sempre alguém a assumir voluntariamente a ordem dos trabalhos.” A maioria dos pais intervém pouco, o que não impede que se façam cartas à direção em nome de todos: “Meia dúzia dizem apoiado e lá vai mais uma.”

Desde que foi criado, em 2009, o serviço de mensagens instantâneas WhatsApp não parou de ganhar utilizadores, mas foi a pandemia e as restrições nos contactos físicos que mais exponenciaram o seu uso. Em Portugal, mais de 80% das pessoas têm WhatsApp e nos últimos dois anos multiplicou-se, quase à insanidade, o número de grupos a que cada um de nós passou a pertencer. Há os do trabalho, subdivididos entre equipas e departamentos, os dos amigos do liceu ou da faculdade, dos colegas do crossfit ou do padel, do condomínio e dos vários lados da família. Estes são os permanentes, porque a qualquer hora do dia podemos ser adicionados a grupos criados para a ocasião, seja uma festa de anos surpresa, uma despedida de solteiro ou o jantar do próximo fim de semana. Entre todos os grupos, os de pais costumam ser os mais ativos. Uma hora longe do telemóvel pode ser o suficiente para ter dezenas de mensagens por ler.

LINGUAGEM DESABRIDA

Com a pandemia, a escola mudou-se para dentro de casa e a sala de aula para a sala de estar. Durante os confinamentos, os alunos passaram a ter aulas à distância, através do computador e muitas vezes ao lado dos pais, que estavam em casa a trabalhar e aproveitavam para ouvir a lição, escrutinando de perto o desempenho do professor, como nunca antes acontecera. Impedidos de entrar na escola para se reunirem com o educador ou com o diretor de turma (DT), muitos encarregados de educação pressionaram os docentes, em particular os DT, para facultarem o seu número de telemóvel. E naquela circunstância excecional, vários acabaram por fazê-lo. Nem sempre correu bem. Elisabete Ferreira, professora de Inglês e coordenadora dos diretores de turma do 2º ciclo no Agrupamento Braamcamp Freire (Odivelas), conta que um colega acabou por meter baixa “depois de uma série de problemas com os pais, que enviaram mensagens com acusações e ofensas”.

“Tornou-se muito comum a criação de grupos de WhatsApp que juntam pais e diretores de turma para o contacto ser mais permanente. Durante o ensino à distância houve uma grande pressão das direções das escolas e da própria opinião pública para que os professores estivessem sempre disponíveis, porque era uma situação de emergência, mas o hábito acabou por ficar, provocando um desregulamento total do contacto entre os pais e os professores”, assinala Paulo Guinote, professor de História e Língua Portuguesa do 2º ciclo no Agrupamento Mouzinho da Silveira (Moita). “A qualquer hora caem mensagens e não existe uma noção dos limites quanto ao conteúdo. A linguagem tornou-se extremamente desabrida. Enquanto nos contactos presenciais havia habitualmente alguma cortesia, no WhatsApp a postura tornou-se muito abusiva em termos psicológicos. Por vezes, os pais atuam como matilha e fazem ameaças de queixas dos professores porque não deixaram o filho ir à casa de banho, por exemplo. A pressão das ameaças tornou-se infelizmente muito comum, em especial nos grandes centros urbanos”, descreve.

O sentimento repete-se de escola para escola. “Sinto que os grupos de WhatsApp de pais fazem do grão uma seara. Um pai queixa-se que um professor levantou a voz na aula e logo vêm dois ou três ou quatro a dizer que sim, que os seus filhos contam o mesmo. O que não era um problema transforma-se numa bola de neve. Há uma contaminação da informação que antes não existia. Acho que os pais têm o direito de querer saber e perguntar, mas têm de perceber que há limites. Não temos de explicar à exaustão os nossos métodos, estratégias e opções. O que se passa na escola não é fruto do acaso; é discutido e trabalhado entre os professores”, defende Georgina Torrado, professora de Matemática e diretora de turma do 3º ciclo.

O WHATSAPP É UMA ARMA

Longe vão os tempos em que o contacto das famílias com a escola se resumia à tradicional reunião de pais realizada em cada período. Ia-se para ouvir o que os professores tinham a dizer e não tanto para pôr em causa. A autoridade dos docentes raramente era questionada. Hoje, o tom é outro e o facto de, nos últimos dois anos, a comunicação ter passado a ser quase exclusivamente virtual não ajudou. “Comunica-se de forma mais leviana, mais agressiva, com termos e frases que os pais nunca usariam numa reunião presencial. Cara a cara, as pessoas tendem a ser muito mais cuidadosas e o mesmo acontece quando as reclamações eram entregues por escrito na secretaria. Era um processo mais formal e a queixa era sempre mais pensada. Agora, são muito mais impulsivas e irrefletidas. Reclamam de tudo e mais alguma coisa e sempre num tom indignado. A conflitualidade aumentou. Acho que é um reflexo do que se passa, de uma forma geral, em toda a sociedade, devido à predominância das redes sociais”, diz Benedita Salema, professora e adjunta do diretor da secundária António Arroio, em Lisboa.

Com ou sem fundamento, as queixas dos pais, até contraditórias entre si, caem no e-mail da direção, com poucos filtros. “Frequentemente, têm origem em desinformação, que se espalha com enorme velocidade. Os pais não perguntam: ‘É verdade que isto é assim?’ ou ‘Por que razão é assim?’ Em vez disso, dizem: ‘Isto não pode ser assim!’ e fazem logo acusações”, adianta. Vários encarregados de educação reconhecem o tom inflamado de muitas das interações com a escola, sobretudo durante a pandemia e devido às restrições impostas. “Nos grupos de pais, a palavra de ordem é: inadmissível! Não deixar tirar a foto de grupo pelo Natal é inadmissível, ter as janelas [da sala de aula] abertas no inverno é inadmissível, não ter reuniões presenciais é inadmissível, não poder partilhar o lanche é inadmissível. Tudo é inadmissível”, conta João Oliveira.

Entre os muitos grupos de WhatsApp em que estamos, os de pais tendem a ser dos mais ativos. Qualquer assunto, do mais trivial ao mais grave, gera uma torrente de mensagens

Elsa Santos Alípio, mãe de dois alunos do 5º e 9º ano no Agrupamento de Escolas Filipa de Lencastre, em Lisboa, e porta-voz dos encarregados de educação das respetivas turmas, também reconhece “o potencial inflamável” da comunicação neste tipo de grupos. “É preciso ter cuidado com certo tipo de conversas, que surgem com alguma frequência, como dizer mal de um ou outro professor porque facilmente desencadeiam reações em cadeia e ganham uma dimensão maior do que têm na realidade.” Ainda assim, defende que são mais as vantagens do que as desvantagens, sobretudo quando é necessário agilizar alguma ação coletiva. Foi o que aconteceu, por exemplo, no ano passado quando a escola decidiu que os alunos do 2º ciclo iam deixar de poder usar os cacifos, tendo de transportar às costas quilos de manuais. O grupo de WhatsApp foi usado para concertar uma posição conjunta entre os pais de todas as turmas do 5º e 6º anos, pressionando a direção, que acabou por voltar atrás.

Já este ano letivo, os grupos de WhatsApp dos pais de muitas turmas da escola também foram decisivos, e num caso bem mais grave. Tudo começou no 1º período, quando uma mãe relatou no grupo que o filho se queixava que o professor de Informática era agressivo e insultava os alunos. Num instante, surgiram 15 relatos semelhantes. Dificilmente estariam todos a mentir. Preocupada com a situação, uma das mães perguntou ao filho, que nunca antes se queixara, se sabia de alguma coisa e o miúdo acabou por mostrar uma grande nódoa negra junto à axila, que resultava de uma agressão do professor que ele tivera vergonha de contar. Assustados, os pais partilharam as histórias com os outros grupos de todas as turmas do 5º e 6º anos e mais casos vieram à tona. Articularam um texto para que cada encarregado de educação enviasse à direção da escola, que chamou a Inspeção-Geral de Educação. O professor saiu do agrupamento e há uma ação a correr em tribunal.

Graças às partilhas, os pais perceberam que o comportamento do professor já vinha de trás. Outros encarregados de educação já se haviam queixado anos antes, de forma isolada e sem saber uns dos outros, mas na altura a direção não atuou. Desta vez, e tendo em conta a dimensão do movimento gerado no WhatsApp, não teve alternativa. “Se não existissem estes grupos, seria muito mais difícil termos conhecimento sobre o que se passa. É um canal de comunicação que potenciou imenso a relação dos pais com a escola, em sentido lato. Permite uma grande partilha de informações e um auxílio interpais, desde coisas rotineiras, do género ‘alguém me pode dizer qual é o TPC de Inglês’, a coisas maiores, que requerem uma posição coletiva”, diz Elsa Santos Alípio.

Inicialmente cética quanto à participação nestes fóruns, acabou por ser ela a criar o grupo de pais da filha mais nova, quando entrou para o 5º ano. “Achava intrusivo, mas depois percebi que era a melhor forma de estarmos em contacto uns com os outros.” Se durante a primária praticamente todos os pais de uma turma se conhecem e trocam conversas à porta da escola depois de deixarem as crianças, numa relação que se prolonga ao fim de semana nas festas de aniversário, a partir do 5º ano os contactos tendiam a cair a pique. Mas isso mudou. “O WhatsApp permitiu estender até muito mais tarde um acompanhamento de grande proximidade, que até há poucos anos quase só se circunscrevia à primária. Os pais estão hoje muito mais presentes, em alguns casos com uma atitude quase obsessiva. Há muita ansiedade, especialmente com o rendimento académico, mesmo quando os miúdos estão em ciclos de escolaridade em que as notas não têm grande peso. Na altura das avaliações, há sempre mais mensagens no grupo porque os pais acham que o professor foi injusto e o filho não merecia aquela nota”, conta.

PAÍS DE FILHOS ÚNICOS

Rute Agulhas, psicóloga clínica, acompanha no consultório dezenas de famílias e há muito que se apercebe do crescimento das angústias. “Muitos pais sentem dificuldade em confiar na escola enquanto instituição, nos professores enquanto tal e também nos próprios filhos. Por isso, substituem-se a uns e a outros. Substituem-se aos professores quando entendem que devem decidir os conteúdos a lecionar e como. E substituem-se aos filhos quando estudam e fazem os trabalhos por eles.” Recentemente, uma mãe disse-lhe que não se podia demorar porque tinha de ir “gravar um resumo” para o filho. “Esta mãe lê a matéria, resume-a, grava um áudio e o filho apenas tem de ouvir. É um filho passivo, que se limita a digerir informação já processada, sem desenvolver as necessárias competências e hábitos de estudo”, critica.

O mesmo problema de falta de autonomia acontece quando os “pais drone” estão sempre em cima dos filhos numa tentativa de os proteger de todos os perigos. “Impedem-nos de subir às árvores, deixam-nos ao portão da escola, faça chuva ou faça sol, esperam que entrem e só depois avançam. E vemos isto em escolas secundárias. Já no ensino superior, há quem peça reuniões com os professores dos filhos… que já são adultos”, conta.

“As famílias estão muito mais presentes, em alguns casos com uma atitude quase obsessiva. Há muita ansiedade, sobretudo com as notas”, diz Elsa Alípio, mãe

Num país cada vez mais de filhos únicos, não é difícil compreender a tendência. “As crianças são hoje um ‘bem’ muito mais valioso porque são cada vez mais raras. Já não acontecem por acaso, são fruto de uma decisão extremamente planeada. O investimento emocional e em tempo é, por isso, muitíssimo maior. As expectativas que agora se depositam numa criança são elevadíssimas porque ela corresponde a um projeto de vida dos pais. A criança tornou-se o centro de tudo”, explica a demógrafa e professora na Universidade Nova de Lisboa Maria João Valente Rosa.

No que diz respeito ao acompanhamento da vida escolar, a cada vez maior dedicação dos pais reflete “um aumento do valor social atribuído ao conhecimento”, o que é uma boa notícia, diz. Mas há o reverso da medalha. “Também significa que os pais acham que a escola nem sempre cumpre devidamente o seu papel. Há um envelhecimento e um desgaste muito acentuado dos professores, o que faz com que haja mais faltas por motivo de baixa ou reforma. Os alunos ficam menos preparados e os pais, sobretudo os mais escolarizados, sentem que têm de compensar. Então, estudam com os filhos, ajudam-nos a fazer os trabalhos e pagam-lhes explicações. Isso é perigoso porque vai reproduzir em série as desigualdades sociais, já que nem todas as famílias têm possibilidades e conhecimentos para o fazer”, avisa a demógrafa.

O acompanhamento da vida escolar é maioritariamente assumido pelas mães. Não é por acaso que, em Portugal, o nível de habilitação das mães é um dos fatores que mais pesa no sucesso escolar dos alunos. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 47% das mulheres dizem assegurar, sozinhas, este papel. Nos restantes casos, a tarefa é partilhada. Os grupos criados nas redes sociais, seja no WhatsApp ou no Facebook, refletem esta realidade. No colégio de Lisboa onde estuda o filho mais velho de Ana Almeida, no 6º ano, o intitulado “Grupo de Mães” teve de ser rebatizado no dia em que o marido pediu para entrar. “Brincámos a dizer que devia passar a chamar-se ‘Grupo de Mães e Pai’ porque ele era o único homem. E sente-se um outsider”, conta.

PAIS (IM)PERFEITOS

Apesar de não se identificar com o registo de muitas das trocas de mensagens, Ana Almeida reconhece a utilidade. “80% das conversas não interessam nada, mas 20% interessam muito e não me sentiria bem se não estivesse no grupo. Ficamos a saber de coisas que não saberíamos pelos miúdos”, diz.

Carmen Garcia, mãe de dois filhos do pré-escolar, partilha a opinião. Sempre resistiu a entrar neste tipo de grupos, até que rebentou a pandemia. “Antes podíamos entrar no colégio, ir até à sala e sabíamos o que eles andavam a fazer. Depois, passámos a ter de entregá-los na portaria. Se não fossem estes grupos, não saberíamos nada do dia a dia da escola”, diz. Nos dois grupos em que agora participa, um por cada filho, não estão apenas os pais, mas também as educadoras, que todos os dias transmitem recados, resumem o que as crianças fizeram e ocasionalmente partilham fotografias e vídeos das brincadeiras e atividades. No caso do mais velho, a educadora do ano passado fez questão de definir regras para a comunicação: só ela é que podia publicar no grupo e se os pais tivessem alguma questão, teriam de enviar mensagem privada “para não gerar conversas paralelas e uma torrente de publicações”.

No outro grupo, todos falam e já houve confusão. A boneca de uma menina que foi levada para casa por uma colega acabou por gerar um mal-entendido e uma troca de mensagens mais acesa entre as duas mães, depois de uma delas sentir que a outra estava a acusar a sua filha de ter roubado o brinquedo. “A conversa escalou rapidamente e a educadora teve de intervir para pôr ordem na situação. Disse: ‘Esta conversa acaba agora’ e deu um ralhete às mães, como se tivessem a idade das filhas”, conta.

Não raras vezes a escola é chamada a intervir para serenar os ânimos e resolver casos de “bullying entre pais”. Aconteceu, por exemplo, na secundária António Arroio, em Lisboa, quando alguns pais de uma turma organizaram uma reunião virtual, apenas acessível a alguns, para se queixarem de um grupo de miúdos que consideravam andar a implicar com os seus filhos. “Os outros encarregados de educação queixaram-se à escola de terem sido excluídos dessa reunião, que no fundo era para dizer mal dos seus filhos. Isso levou a uma situação de conflito entre os pais”, lembra a adjunta do diretor, Benedita Salema.

“Os pais não têm de estar sempre a contestar, quais treinadores de bancada. Estão a minar a autoridade do professor”, afirma Hugo Rodrigues, pediatra

Por trás destes comportamentos está, por vezes, uma necessidade de os pais mostrarem aos outros que são um exemplo de parentalidade e os seus filhos um modelo da perfeição. Ainda mais do que o WhatsApp, os grupos de mães no Facebook são o palco perfeito para estas manifestações, critica Carmen Garcia. “Fazem questão de estar sempre a passar a ideia ‘sou a melhor mãe do mundo e o meu filho é melhor do que o vosso’, o que é equivalente àquela ideia dos miúdos pequenos ‘o meu pai é melhor do que o teu’. Se alguém entrar nestes grupos sem ter uma estrutura mental forte, facilmente se sente péssima mãe”, alerta. E explica porquê: “Nestes grupos, tem de ser tudo perfeito. A cadeirinha tem de ser ‘xpto’, a papa só pode ser biológica e integral ou feita em casa, a amamentação é para ser levada até ao fim, mesmo que a mãe esteja exausta e o bebé passe fome. Se há um dia em que a criança comeu uma batata frita, ó meu Deus. Se há um dia em que foi para a cama tarde, que horror. Ao início, sofri imenso com estas coisas”, recorda. A angústia acabou no dia em que decidiu criar a página ‘Mãe Imperfeita’, que nasceu como sátira aos grupos de mães do Facebook.

FEIRA DE VAIDADES

“Mesmo nos jardins de infância, na apresentação dos trabalhos, há pais que parecem estar a competir pelos seus filhos, como se fosse uma feira de vaidades. Claro que fazem isso com a melhor intenção, mas não ajuda. Os nossos filhos são e serão sempre os melhores do mundo para nós. Mas se temos de criar condições fictícias para mostrar isso aos outros, então algo de errado se passa. E não é com eles. É com os pais”, diz Hugo Rodrigues, pediatra na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, em Viana do Castelo.

Para o especialista, há uma intervenção dos pais na vida escolar que é demasiada. Já vem de trás, mas tem tendência a acentuar-se, com prejuízo do crescimento dos próprios filhos. “As crianças têm de perceber que cada contexto em que se movem tem as suas autoridades. Em casa são os pais, nos clubes os treinadores e nas escolas os professores e funcionários. É importante que os pais deixem os filhos resolver os problemas com a autoridade de cada um desses espaços, sem a sua intromissão. Têm de confiar e perceber que não são os donos da verdade e que não têm de estar sempre a contestar, quais treinadores de bancada. Caso contrário, estão a contribuir para minar o poder dessas autoridades”, avisa.

Ressalvando que “os pais de agora” não são todos iguais, assim como os pais de nenhuma geração foram “uma massa uniforme”, a psicóloga Margarida Gaspar de Matos, especialista no comportamento de adolescentes, está igualmente preocupada com o que considera ser uma “intromissão abusiva” das famílias no espaço escolar. “Os filhos não são flores de estufa que tenham de ser protegidos de tudo, nomeadamente dos professores, e nos casos por vezes relatados de abusos a escola tem de ter modos de se regular sem um take over por parte dos grupos de pais”, defende, alertando que a sobreproteção “atrasa o processo de autonomia e responsabilização dos jovens, tornando-os dependentes e pouco resistentes a qualquer frustração”.

A solução, diz, passa por um diálogo entre pais e professores feito de “companheirismo e entreajuda” e não “por um aumento do escrutínio de uns sobre os outros, muito menos com laivos de coação”. A verdade é que as redes sociais vieram alterar profundamente a forma como nos relacionamos e famílias e escolas ainda estão a adaptar-se à mudança. Sem manual, aprendem-se por si próprias, num percurso feito de erros e correções. Paulo Guinote, professor do 2º ciclo há 35 anos, defende que deve haver “formação parental” para lidar com a nova realidade e que têm de ser definidas regras claras sobre os limites da comunicação, no que diz respeito aos horários ou ao conteúdo e tom das mensagens.

É também esse o apelo deixado pelo secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva: “É importante e até desejável que haja um aprofundamento da relação entre os pais e a escola, mas têm de ser estipulados limites. O contacto não pode ser feito a desoras, sem respeito pela autonomia dos professores e as direções têm de zelar por uma utilização correta destas ferramentas que tornaram mais próxima do que nunca a relação entre os encarregados de educação e os docentes.”

Alguns agrupamentos já começaram a fazer ações com os pais sobre como deve ser o relacionamento com a escola. Problema: “Quem aparece é quem menos precisa”, desabafa a professora Elisabete Ferreira.

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