“É muito duro adotar. Nos primeiros meses não há amor, só predisposição para o amor”
Agosto 30, 2019 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentárioEtiquetas: Adoção de crianças, Ana Kotowicz, Portugal
Notícia e imagem da Rádio Renascença de 7 de agosto de 2019.
Miguel Coelho , Cristina Nascimento
Nos últimos três anos, 53 crianças em processo de adoção foram devolvidas às instituições. Ana Kotowicz, mãe de duas filhas adotivas, relata à Renascença as dificuldades do processo e confessa que, no primeiro mês de adoção, percebeu porque é que há pessoas que desistem.
Nos últimos três anos, 53 crianças que estavam em processo de adoção foram devolvidas às instituições que as acolhiam. Os números foram avançados pelo jornal “Diário de Notícias” esta semana.
Segundo os relatórios do Conselho Nacional de Adoção e CASA, em 2016 foram interrompidas 19 adoções. Em 2017, foram 20 as crianças que regressaram às instituições que cuidavam delas. Em relação a 2018, os dados ainda não foram revelados, mas o jornal avança que terão sido 14.
Perante este cenário, a Renascença falou com Ana Kotowicz, jornalista e mãe de duas crianças que adotou há três anos. Na altura, tinham quatro e cinco anos. Ana Kotowicz relata as dificuldades do processo. “É muito, muito, muito duro.” Também confessa que, no primeiro mês em que tinha as crianças em casa, ficou a perceber porque é que há pessoas que desistem.
Autora do livro “Adotar em Portugal — Um guia para futuros pais”, Kotowicz considera que o processo “não é o bicho de sete cabeças que as pessoas às vezes querem fazer parecer” e defende o escrutínio rigorosa das famílias.
“São crianças que estão à guarda do Estado, são crianças que já passaram por muito e o Estado tem de ter garantias absolutas de que está a entregá-las às famílias certas”, ressalta.
O processo é tão difícil e complicado como acreditamos ser?
É complicado, mas se calhar não é tão complicado quanto devia ser. E não o é porque se fosse mais complicado ainda não tinha as chamadas ‘devoluções’. Pessoalmente, o que eu acho sobre o próprio processo em si é que não é o bicho de sete cabeças que as pessoas às vezes querem fazer. Nós temos de ser avaliados, são crianças que estão à guarda do Estado, são crianças que já passaram por muito e o Estado tem de ter garantias absolutas de que está a entregá-las às famílias certas. Acho bem que os candidatos sejam bastante avaliados. Por outro lado, há muito mais famílias a querer adotar do que crianças à espera de serem adotadas, portanto também é preciso fazer alguma triagem.
Se há mais famílias a querer adotar do que crianças a ser adotadas, porque é que há tantas crianças que não encontram uma família?
Tradicionalmente sempre houve mais famílias à procura de crianças para adotar do que crianças adotáveis. Este último relatório do Conselho Nacional de Adoção mostra-nos que há sete vezes mais candidatos do que crianças, é um número que disparou. O que acontece é que a maior parte dos candidatos quer as crianças que não existem nas instituições. A maior parte dos casais vem de processos de infertilidade, portanto idealizou um filho e ainda está a fazer o luto da infertilidade e procura aquilo que não teve — um bebé.
Os candidatos a pais podem escolher o tipo de criança?
Claro que podem. Pense o que seria o contrário. Candidatas-te a adotar e, de repente, dizem-te que vais levar para casa um adolescente de 13 anos com deficiência e problemas comportamentais. Não podem. Portanto, por muito isso que isso custe, tem de se fazer o desenho da criança que se está disponível para adotar. Isso é muito importante e é muito importante que os candidatos sejam 100% honestos, porque se se diz que se está à vontade para adotar uma criança de nove anos mas, na verdade, é mentira, quando ela chegar a casa não vai correr bem.
E a criança também tem uma palavra a dizer, uma vez que, de certa forma, a criança também adota a família?
Claro, e esse se calhar é o lado mais importante da integração daquela criança, que já passou por tanta coisa, que traz tantas marcas, na família. A criança pode ser ouvida e estes processos que são interrompidos podem ser interrompidos a pedido da criança.
Nestes casos em que as crianças são devolvidas, que principais fatores podem concorrer para o fracasso de uma adoção?
Na minoria dos casos, em 2017, dizem-nos que, dos 20, em dois foi porque as crianças não se adaptaram à família. O que é que leva uma adoção a ser interrompida? Pode ser a criança que não se adapta, podem ser os futuros pais que não se adaptam, podem ser os serviços sociais a perceber que a coisa não está a correr bem naquele momento e que não vai nunca correr e, portanto, os próprios serviços sociais decidirem interromper aquela adoção.
Acha que se houvesse um maior acompanhamento depois de a criança ser adotada, um maior acompanhamento daquela família e da criança pelas instituições, as coisas podiam correr melhor?
Acho que isso era fundamental. Eu acho que há dois momentos que são muito importantes: o momento antes de a criança chegar à família e o momento em que ela chega à família. Antes de a criança chegar à família, a maior parte das pessoas ainda tem uma ideia muito romântica e por muito que oiça histórias acha sempre “Comigo vai ser diferente, comigo vai correr tudo bem”. As coisas nunca correm bem. O primeiro mês, o segundo mês, são sempre meses muito difíceis, muito terríveis.
Que principais conselhos é que deixaria a uma família que pretende adotar uma criança?
Para já que percebam que vai ser mesmo muito difícil. Quem está à espera de uma criança que chega a casa e diga “Muito obrigada por me ter trazido para aqui”, esqueçam, isso não acontece. As crianças vêm com uma série de problemas, vêm com uma série de marcas. já por qualquer motivo foram arrancadas às suas famílias biológicas e mesmo que haja motivo para isso nem sempre as crianças o percebem e se calhar preferiam estar com os pais biológicos, com todos os erros e com todos os problemas que eles têm.
Depois, por outro lado, não nos podemos esquecer de que não há ligação afetiva entre as crianças e os pais durante os primeiros meses. São meses muito complicados, porque tu estás a tentar criar uma ligação afetiva à criança e a criança a ti, está tudo a correr mal e elas estão a ser crianças, estão a ser impossíveis, estão a fazer birras e a testar os limites para perceberem até onde é que podem ir com aquela família.
Isso desencoraja qualquer um. Não há uma visão um pouco mais positiva?
Não, não há.
No teu caso tens dois filhos adotados. Que idades têm agora?
São duas filhas, têm sete e oito anos.
O que é que te lembras desse processo, qual foi o teu maior desafio?
Foi um inferno, esse primeiro mês foi um inferno. Lembro-me de, à noite, depois de elas irem para a cama, eu dizer ao meu marido “Então é por isto que algumas pessoas desistem”. É mesmo muito, muito, muito duro. É desde que saem da cama até que se deitam a testar todos os limites, tudo o que tu dizes e pelo caminho vais ouvindo coisas do género “Quem me dera que fosses melhor mãe; Porque é que me escolheram esta família e não me escolheram uma família melhor; Vou telefonar para a instituição a pedir para me virem buscar para ver se me arranjam outra família”. Portanto, naquele momento, naquele primeiro mês, segundo mês, não existe amor, existe predisposição para o amor, do teu lado e do lado da criança. Se para nós, adultos, é difícil, imagina para as crianças… Porque nós somos estranhos, nós ainda não somos pais.
Elas estão contigo há quanto tempo?
Estão connosco há quase três anos.
E passado este tempo?
Passado este tempo somos uma família como as outras. Elas são duas pestes, mas também são dois anjinhos [risos].
Como é que ultrapassaste os momentos mais difíceis?
Não sei exatamente como é que acontece. Sei que há um dia em que tudo entra em velocidade de cruzeiro e passas a ser uma família como as outras. Mas eu acho que há uma coisa fundamental: sempre que elas nos testam, é manter a tua postura, manter os limites, não os deixar ultrapassar e, principalmente, desde o primeiro momento, deixar claro que somos uma família que vai estar com elas para sempre. Essa era uma questão que vinha muitas vezes à baila: “Quando é que o juiz vai decidir que afinal vocês também não são bons para nós?” Esse sentimento estava lá sempre.
Tu não tens filhos biológico. Sentes que amas as tuas filhas como poderias amar um filho biológico?
Não sei se poderia amar um filho biológico mais do que eu já amo as minhas filhas. É o que eu posso dizer.
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