São o mesmo que nudes e são usadas como “moeda de troca” em grupos online. Pode um terceiro intervir quando vê fotos de crianças nas redes sociais?

Abril 10, 2024 às 8:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia da CNN Portugal de 31 de março de 2024.

Ana Rita Cunha

O sharenting é o nome dado à partilha de informação dos filhos menores por parte dos pais nas redes sociais, o que pode incluir fotos e vídeos. Em causa está uma prática que “viola um princípio e um direito” consagrado na Constituição Portuguesa

Percorria a página principal de uma das suas redes sociais, quando surgiu uma foto de uma menina “toda fofa”, que vestia apenas cuecas, com o resto do corpo exposto. A publicação, aparentemente inofensiva, feita pela mãe da visada na imagem, despertou a inquietação de Cristiane Miranda, que ficou “em dúvida” sobre se devia alertar a progenitora para os perigos da partilha. Pode (e deve) um terceiro intervir numa situação destas?

“Um terceiro pode e deve fazer queixa”, afirma a advogada Patrícia Baltazar Resende, analisando o ponto de vista legal. A especialista em direito das crianças explica que todas as pessoas, incluindo os menores, têm “o direito à imagem”, que está consagrado na Constituição Portuguesa e que dá luz vermelha à captação de imagem ou vídeo sem o consentimento do envolvido. 

A partilha de informação dos filhos menores, que passa muitas vezes por fotos na praia ou a tomar banho, até já tem um nome: sharenting. Trata-se de um termo que resulta da “combinação das palavras partilha [share] e parentalidade [parenting] e é utilizada para descrever os pais que partilham informações pessoais sobre os seus filhos online, que podem ser palavras, imagens e/ou vídeos”, lê-se no estudo EUKids de 2020.

“Sim, consubstancia um crime. Publicar fotos a mostrar que estou com o meu filho na praia ou no restaurante x é uma violação a um princípio e um direito consagrado – o da reserva da intimidade e da vida privada”, argumenta Patrícia Baltazar Resende. 

A imagem de qualquer pessoa tem, como explica, “proteção penal” e a parentalidade “tem tido um papel de sobreposição aos direitos das crianças”, em vez do “equilíbrio” que deve estar subjacente a tais funções e que “começa numa coisa essencial”: “a proteção e a segurança”.

“A imagem não pode ser usada com os nossos critérios e sem ter em consideração os direitos de terceiros, nomeadamente das crianças. Parece caricato dizer ‘gosto desta foto, vou partilhar, importas-te?'”, observa. A advogada frisa que “as crianças deverão dar consentimento para que se possa publicar, mas são muito pequeninas e não conseguem dá-lo”.

Patrícia Baltazar Resende, apesar de admitir que a lei dá “ferramentas suficientes para que as publicações que são feitas sejam muito arbitrárias”, avisa que o “bom senso deve imperar” e que cabe aos pais assegurar “a segurança e a proteção” dos filhos.

Fazer queixa não é, no entanto, sinónimo de “punição”. “Pode cometer-se uma infração, que é muito diferente de uma punição. É preciso ser um crime público, ou seja, um tipo de imagem que capte traços íntimos e situações de intimidade ou vida sexual, para que aconteça alguma punição”, esclarece.

Se o terceiro for o outro progenitor do menor, a situação já se desenrola de forma diferente. “O progenitor pode agir legalmente e referir que está a ser violado o direito à imagem do filho e que não teve conhecimento disso bem como o filho”, explica a advogada.

Avançando ou não para uma queixa, Patrícia Baltazar Resende, que defende que o tema deve ser “legislado de outra forma, sem tanta abrangência e de forma mais limitada”, defende que “como sociedade devemos estar sempre muito atentos”. E foi precisamente isso que fez Cristiane Miranda: agir e falar com a mãe cuja publicação a inquietou.

“Os pais não têm assim tanta consciência dos riscos e de quem pode estar do outro lado a ver. O perfil até pode ser privado, mas quem vê pode mandar a imagem para outras pessoas a dizer ‘olha que fofa a filha da minha amiga’ e perde-se o rasto da foto”, considera a cofundadora do Agarrados à Net, um projeto que aborda a parentalidade digital.

Tudo porque em causa estão fotografias que à primeira vista são inofensivas e publicadas com uma “motivação de carinho e de amor”, como explica Tito de Morais. Mas, na realidade, de acordo com a psicóloga Ivone Patrão, estas imagens “não são muito diferentes das nudes” – “são apenas publicadas pelos pais e o objetivo não é expor”.

“Apesar de para a generalidade das pessoas a foto parecer inócua, os pais não têm perceção de que as imagens podem ser usadas por pessoas com perturbações mentais como objeto de desejo e que até podem usá-la como moeda de troca para entrar em grupos online onde têm acesso a outras fotos”, continua o cofundador do Agarrados à Net.

E foi o que Cristiane Miranda pensou quando se deparou com a tal foto: “Pode ser usada por pedófilos.” “Na nossa mente estas fotos são uma coisa fofinha, mas quando me disseram que há quem esteja a ver e a masturbar-se com estas fotografias isso bateu-me”, explica.

O estudo EUKids utilizou, em 2020, uma amostra da população entre os nove e os 17 anos de 19 países e provou que os pais portugueses são dos menos atentos às partilhas nas redes sociais; 29% dos jovens revelaram que os pais publicam fotografias suas online sem o seu consentimento; 14% já pediu aos progenitores para remover conteúdos seus e 13% reconheceu  que já foi alvo de comentários devido a essas partilhas.

Como agem as plataformas perante as publicações dos pais?

A idade mínima para criar uma conta no Instagram ou no Facebook é de 13 anos. Já o WhatsApp só pode ser usado a partir dos 16. Os menores acabam, ainda assim, por entrar nas plataformas ainda antes. Muitas vezes, isso acontece quando são bebés, ainda que indiretamente através das partilhas dos progenitores.

“Há plataformas que permitem fotos de crianças nuas, outras não”, explica Tito de Morais. A parceira Cristiane Miranda acrescenta que as redes sociais “identificam e têm pessoas a olhar com olhos humanos para determinadas fotos”, sendo “algumas automaticamente vistas e retiradas”.

E se um terceiro está a passear pelas plataformas e se depara com uma foto de um menor, partilhada pelo seu pai ou pela sua mãe, e isso o incomoda, como aconteceu à cofundadora do Agarrados à Net, há algo que se pode fazer. “Todos os utilizadores podem denunciar determinada foto”, constata.

“Mas vamos denunciar o quê? Porque é que uma plataforma vai retirar uma fotografia de um bebé fofinho meio despido que a mãe partilhou? É um pai ou uma mãe a publicar. O que temos a ver com a educação que os pais estão a fazer?”, questiona.

Cristiane Miranda garante que “não há muito a fazer” e que “têm de ser os pais a terem consciência destes perigos”. “Cabe aos pais regularem”, concorda Tito de Morais.

Pegada digital, bullying, partilha de dados

A partilha de informações sobre os menores pelos pais nas redes sociais pode projetar-se para o futuro e impactar de forma negativa a vida dos que se deparam com elas anos mais tarde. “Uma vez na Internet para sempre na Internet”, reforça a psicóloga Ivone Patrão.

Estes conteúdos vão alimentando a pegada digital dos filhos à medida que vão crescendo e estes “não têm controlo” sobre ela, já que as imagens são “facilmente replicáveis e pesquisáveis”. “Os pais estão a criar a pegada digital dos filhos e não têm noção disso. As imagens são mais permanentes do que as relações”, alerta Tito de Morais.

Ivone Patrão, que afirma que as crianças referem estas situações de forma “descontente” nas formações que faz em escolas, antecipa que, quando crescem e têm consciência e idade para compreender, os filhos se deparam com “um mundo sobre si que não escolheram”, o que pode impactar a saúde mental de forma negativa. Impacto este que pode passar pelo bullying e pelo ciberbullying, por vezes feito em torno destas imagens.

Há, para além disso, perigos a nível da segurança com a partilha de dados, ainda que muitas vezes seja inconsciente. “Deixa de existir vida privada, porque é exposta e, a partir daí, tudo pode ser possível. Todas as consequências podem advir daí”, diz a advogada Patrícia Baltazar Resende.

“Quando partilhamos fotografias, não estamos a ter em atenção a quantidade de informação que estamos a partilhar, desde o uniforme da escola, o sítio das férias, as coisas que se tem em casa”, constata Cristiane Miranda. “Todos temos rotinas e partilhar fotos do dia a dia permite reconstituir os locais por onde as pessoas passam. É um exemplo de como estamos inadvertidamente a partilhar conteúdos pessoais”, alerta Tito de Morais.

Os cofundadores do projeto Agarrados à Net relembram um acontecimento que foi partilhado com os mesmos. “Uma menina de oito ou nove anos publicava muitas coisas no seu perfil e a própria família também. Partilhavam até fotografias da casa e o pior acabou por acontecer: duas pessoas entraram na casa e foram direitinhas aos locais onde queriam ir e levaram a menina também. E isto foi cá”, relatam, em conjunto.

“Orgulho” ou “puro egoísmo”: porque é que os pais o fazem?

Numa altura em que tanto se fala de segurança na Internet e em que se ouvem casos chocantes, importa entender as motivações por detrás da exposição dos filhos pelos pais no mundo digital.

“A maternidade e paternidade é algo que enche os pais de orgulho e de felicidade e há uma tendência para partilhar os momentos de felicidade com o mundo através das redes sociais”, observa Tito de Morais. O especialista em segurança na Internet admite que “os pais não têm noção dos perigos”, publicando as imagens por olharem para elas com “carinho e amor”. 

Mas há mais do que isso. “Partilhar fotos é uma forma de nos sentirmos amados e aceites pelos amigos. Tem a ver com egoísmos e necessidades próprias”, garante Cristiane Miranda, instando os pais a questionar-se sobre “qual a necessidade que tentam colmatar” com as publicações que fazem.

Estas “necessidades” são muitas vezes preenchidas com os likes e os comentários. “Há mais pessoas a dizer-nos ‘estás gira’ nas redes sociais do que na rua. É um sítio onde as pessoas sentem que são recompensadas, como algo que as acolhe e acabam por partilhar os filhos, onde moram e até imagens íntimas sem pensar se é bom ou mau”, indica Ivone Patrão.

Este sentimento de “recompensa” leva, frequentemente, a “questões de dependência”. “Estar nas redes sociais pode gerar dopamina no cérebro e sensação de bem-estar e, se alguém se sente mais vulnerável e encontra nas redes um escape, vai querer estar lá e partilhar sobre si e os seus”, afirma a psicóloga, explicando que vigora “a perceção de que é um mundo restrito onde se está protegido e que não é assim tão alargado”.

“Ninguém ensina os pais a gerir isto e muitas vezes o bom senso não chega. É normal ter dificuldade”, conclui Cristiane Miranda.

Regulamento dos Serviços Digitais em síntese: Medidas para proteger as crianças e os jovens em linha

Abril 1, 2024 às 8:00 pm | Publicado em Divulgação | Deixe um comentário
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O que diz a lei sobre proteção de dados das crianças

Abril 1, 2024 às 6:00 am | Publicado em Estudos sobre a Criança | Deixe um comentário
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Texto de Maria João Leote de Carvalho publicado no CriA.On de 16 de fevereiro de 2024.

Inscrições em plataformas de música, de vídeo ou de jogos online, associação a redes sociais e outras aplicações, serviços digitais e brinquedos tecnológicos são algumas das situações que solicitam dados pessoais. Conheça o que diz a lei sobre o consentimento a prestar para proteger os dados pessoais das crianças.

A proteção quanto ao tratamento de dados pessoais é um direito europeu fundamental, previsto no recente Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais (RGPD). E maior atenção é exigida a famílias, escolas, associações e outros serviços quando se trata da privacidade e da reserva da vida das crianças. O seu superior interesse deve orientar a prestação do consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais (Magriço, 2020).

O que são dados pessoais?

É toda a informação, online ou não, que possa ser recolhida acerca de uma pessoa e que permita, direta ou indiretamente, a sua identificação.

Assim, os dados pessoais das crianças podem ser:

Nome, idade, sexo, escolaridade, morada de residência, etc.;

Identificadores sobre:

constituição física, fisiológica, personalidade, etc.;

condição de saúde (física, emocional, mental);

origem familiar, étnica, social, cultural, religiosa, etc.;

documentos pessoais ou outros;

Identificadores por via eletrónica (endereços IP de equipamentos que a criança usa, por exemplo), cookies (recolhidos enquanto acede à Internet, por exemplo).

Neste conjunto, há uma categoria especial cuja recolha e tratamento é sujeita a maiores restrições. São os dados pessoais considerados “sensíveis”. Entre estes, incluem-se a origem ética ou racial, saúde, vida e orientação sexual, dados biométricos, opiniões políticas, convicções religiosas ou filosóficas.

O que é o tratamento de dados pessoais?

Os dados pessoais circulam hoje a uma velocidade e quantidade sem precedentes.

Para fornecerem melhores serviços e monitorizar a sua atuação, as empresas de serviços digitais recolhem cada vez mais informação sobre os seus utilizadores, incluindo as crianças. Os dados são recolhidos das mais variadas formas e nos mais diversos espaços e instituições de natureza privada ou pública, em novas e antigas plataformas, de modo direto e indireto.

O tratamento de dados pessoais inclui operações que vão desde a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, até à sua recuperação, consulta e utilização, divulgação ou disponibilização, comparação ou interconexão, limitação, apagamento ou destruição.

Estas operações devem ser conduzidas por pessoas, empresas ou serviços identificados como responsáveis pelo tratamento seguindo as obrigações estabelecidas na lei.

O potencial rastreamento a que os dados pessoais das crianças podem estar sujeitos por parte de empresas, serviços ou a quem tenha acesso levanta maior preocupação, pois são as primeiras gerações que terão o seu ciclo de vida sempre associado à internet. A acumulação de informação pessoal e o seu posterior uso não são facilmente controláveis (van der Hof, Lievens & Milkaite, 2020).

Quem pode dar consentimento para tratar os dados pessoais das crianças?

Por norma, os dados pessoais apenas podem ser tratados por quem detenha consentimento do titular dos dados.

O RGPD destaca que os dados pessoais de crianças devem merecer especial proteção uma vez que estas podem estar menos cientes dos riscos e consequências, dos seus direitos e garantias, do tratamento efetuado por terceiros.

Deste modo, o RGPD propõe diferentes normas para reforço da proteção dos dados das crianças que não estão isentas de conflitos.

Por um lado, determina os 13 anos como idade mínima para a prestação do consentimento livre para o tratamento de dados pessoais na União Europeia, cabendo a opção da determinação da idade a cada Estado-membro.

Por outro, no que respeita à oferta de serviços digitais para crianças menores de 16 anos, determina que o consentimento da criança só seja lícito quando haja também o consentimento dos pais/representantes legais, depois de todos serem informados de modo claro sobre o processo.

Um paradoxo que não está suficientemente justificado no próprio regulamento. 

E em Portugal?

Em Portugal, a Lei de Proteção de Dados Pessoais, aprovada em 2019 na sequência da aplicação do RGPD, fixa os 13 anos como idade mínima para que uma criança possa prestar o seu consentimento livre, específico, informado e explícito para tratamento de dados pessoais sem exigência de consentimento dos pais ou representantes legais.

O consentimento deve ser recolhido por meios de autenticação segura que validem a idade da criança. Por exemplo, o Cartão de Cidadão ou a Chave Móvel Digital.

Contudo, esta opção não está isenta de controvérsia.

Aparentemente pode sugerir menor proteção à criança em detrimento da necessidade de maior proteção preconizada pelo RGPD. A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) chegou a defender que a idade deveria ter recaído nos 16 anos, idade em que se exclui a ilicitude penal e outros direitos e deveres são também adquiridos.

Contudo, se tivermos em consideração a presença cada vez mais intensa da internet no quotidiano das crianças e adolescentes, e em interconexão com os seus direitos em ambiente digital, como o direito à liberdade de expressão e à privacidade, a opção dos 13 anos está mais próxima do que é hoje a realidade social, como se defende neste artigo.

Para as crianças menores de 13 anos deve ser sempre exigido o consentimento parental, que pode ser concretizado por diferentes meios.

Algumas crianças conseguem falsear a informação pedida e acabam por aceder a serviços ainda antes de atingirem o mínimo etário previsto na lei. Esta situação não se restringe aos serviços digitais, sendo comum a outras ações fora dessas plataformas ou serviços.

Deste modo, é fundamental capacitar crianças, famílias e outros cuidadores na comunidade para a segurança digital. Abordagens meramente restritivas não se revelam as mais eficazes. São necessárias iniciativas e formas de mediação que potenciem a criança para o conhecimento e pleno exercício da cidadania digital.

A quem recorrer em caso de violação de dados pessoais das crianças?

A violação de dados pessoais diz respeito a uma violação da segurança que resulta, de modo acidental ou ilícito, na perda, alteração, destruição, bem como na divulgação ou acesso não autorizados a dados pessoais da criança, transmitidos, conservados ou sujeitos a qualquer outro tipo de tratamento.

A situação pode ser reportada aos órgãos de polícia criminal, aos serviços do Ministério Público ou à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), a entidade responsável pela aplicação do RGPD em Portugal. Qualquer pessoa pode dirigir à CNPD um pedido de informação ou, no caso possível violação de dados pessoais, efetuar uma participação.

Referências

Magriço, Manuel Aires (2019). A proteção de dados pessoais e a privacidade das crianças no ciberespaço. In CNPD (Ed.). Em Foco. Privacidade das Crianças no Ambiente Digital (pp.18-37), Forum de Proteção de Dados. Lisboa: CNPD.

Tito de Morais e Cristina Ponte. Jovens e internet: que idade para o consentimento parental? Público, 21 de fevereiro de 2018.

van der Hof, Simone; Lievens, Eva, & Milkaite, Ingrida (2020). ‘The Protection of Children’s Personal Data in a Data-Driven World: A Closer Look at the GDPR from a Children’s Rights Perspective

’. In Liefaard, T.; Rap; S. & Rodrigues, P. (Eds.), Monitoring Children’s Rights in the Netherlands. 30 Years of the UN Convention on the Rights of the Child, Leiden University Press.

Nota

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do CEEC Individual – 10.54499/2021.00384.CEECIND/CP1657/CT0022

Os biquinis, as meninas, as mães delas e as redes sociais: investigação do New York Times denuncia pedofilia

Março 6, 2024 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Expresso de 25 de fevereiro de 2024.

Os repórteres do New York Times analisaram 2,1 milhões de publicações no Instagram e monitorizaram meses de conversas online de pedófilos para um trabalho sobre o negócio das meninas influencers, gerido pelas mães delas, muito procurado pelos homens.

“As mensagens ameaçadoras começaram a chegar à caixa de correio de Elissa no início do ano passado”. Acusavam-na de vender fotos da filha menor a pedófilos: “É uma mãe doente. Tão doente como nós, pedófilos”, dizia uma dessas mensagens agora recuperada numa investigação do jornal The New York Times (NYT) sobre as mães que procuram o estrelato das filhas menores nas redes sociais, publicam imagens, atraem pedófilos que até “pagam para ver mais” e, por vezes, acabam por ser chantageadas.

No caso de Elissa, administradora da conta da filha no Instagram desde que a menina tinha 11 anos, usou fotos da filha com vestidos de noite, equipamentos de ginástica, collants de dança. Reuniu mais de 100 mil seguidores, alguns dos quais pagam 9,99 dólares por mês para poderem ver ainda mais fotos.

Sabia que era criticada e que havia quem a acusasse de explorar a filha, tal como a muitas outras mães que gerem as contas das filhas menores, mas as referências à pedofilia tiveram outro peso. Embora esta rede social proíba a abertura de contas a menores de 13 anos, é possível os pais abrirem-nas e administrarem-nas, explicam os autores do artigo, Jennifer Valentino-DeVries e Michael H. Keller.

AS IMAGENS E AS REAÇÕES

Neste trabalho, contam, analisaram 2,1 milhões de publicações no Instagram e monitorizaram meses de conversas online de pedófilos, leram milhares de páginas de relatórios policiais e documentos judiciais. Falaram com pais, especialistas em segurança infantil, funcionários de empresas de tecnologia e, também, com seguidores destas contas, o que inclui criminosos sexuais condenados. Foi assim que os jornalistas encontraram a sua amostra de cinco mil contas administradas por mães.

E encontraram imagens como a da menina de 11 anos debaixo de um guarda-sol com um fato de banho às bolinhas, batom vermelho nos lábios, óculos escuros com lentes em forma de coração, a atirar um beijo. Ou a da menina de 7 anos em calções de desporto e top à frente de uma parede de rosas com um letreiro em néon onde se lê “Olá, linda”. Ou ainda a da menina quase adolescente a abrir um roupão de renda, para mostrar um biquíni de fio dental e a atirar um beijo.

Os comentários são muitos e estes são apenas alguns dos exemplos selecionados pelos jornalistas que optaram por descrever as fotos em vez de as publicar para proteger a identidade das menores:

️“Super ❤️”

“👏👏👏🦄🦄🦄🐰🐰🐰

Eu vou dormir contigo no futuro. Lembra-te da minha identidade. Estou apaixonado”.

“Amo esse corpo adolescente”.

CAIR NUM “SUBMUNDO SOMBRIO”

“O que muitas vezes começa como uma tentativa dos pais para impulsionarem a carreira de modelo de uma criança e ganharem os favores de marcas de roupa, pode cair rapidamente num submundo sombrio dominado por homens adultos, muitos dos quais admitem abertamente noutras plataformas que sentem atração sexual por crianças”, concluíram os jornalistas.

“Os clientes mais dedicados gastam milhares de dólares a cultivar relacionamentos com menores de idade” e “as famílias podem beneficiar das grandes audiências impulsionadas por homens”, sublinha o jornal notando que ter mais seguidores “impressiona as marcas e aumenta a possibilidade de obter descontos, produtos e outros incentivos financeiros”.

“As próprias contas são recompensadas pelo algoritmo do Instagram com maior visibilidade na plataforma, o que por sua vez atrai mais seguidores”, precisa. Um cálculo realizado por uma empresa de dados encontrou 32 milhões de conexões com seguidores masculinos nas 5 mil contas examinadas pelo jornal.

RENDIMENTOS DE SEIS DÍGITOS

E os jornalistas do prestigiado diário norte-americano monitorizaram no Telegram conversas de homens a falar abertamente da fantasia de abusar sexualmente de crianças que seguem no Instagram, com elogios à facilidade com que acedem às mensagens como neste caso:

“É como uma loja de doces 😍😍😍”

A busca pela fama online, “impulsionou o fenómeno muitas vezes tóxico, incentivando os pais a comercializar as imagens dos filhos” e “algumas destas crianças têm rendimentos de seis dígitos,” concluíram os dois jornalistas nas entrevistas realizadas a mais de 100 pessoas, incluindo pais e filhos.

Kaelny, uma mãe de Melbourne, na Austrália, que como Elissa e outros pais aceitaram ser identificados pelo nome do meio para proteger a privacidade dos filhos, garante não querer que a filha seja explorada na internet.

“Mas ela já faz isso há muito tempo”. “Tem números muito grandes”. “O que fazemos? Paramos apenas e vamos embora?” questiona.

A Meta, empresa mãe do Instagram, já concluiu que todos os dias 500 mil contas infantis têm interações “inapropriadas”, indica um estudo interno de 2020 citado em processos judiciais. O seu porta-voz, Andy Stone, sublinha, no entanto, que os pais são responsáveis pelas contas dos filhos e pelo seu conteúdo e podem gerir comentários, assim como os acessos a essas contas.

É um mundo em que as meninas com mais sucesso podem cobrar 3 mil dólares aos seus patrocinadores por uma imagem no Instagram, enquanto outras recebem apenas a roupa e têm de pagar todos os restantes custos, penteado e maquilhagem incluídos.

Quando aparecem comentários como “És tão sexy” na reação à imagem de uma menina de 5 anos em biquini, o que diz uma mãe? Para muitas, os comentários de homens, sejam eles de admiração, sugestivos ou explícitos, “são um mal que tem de ser erradicado”, ou “algo inevitável”, ou simplesmente “uma coisa que temos de ignorar”, respondem. Para outras, são uma oportunidade a explorar.

Nos Estados Unidos, os pais têm uma margem de manobra considerável na tomada de decisões sobre os seus filhos e se alguém suspeitar de algum comportamento ilegal de uma pessoa no Instagram “descobre rapidamente que as autoridades estão sobrecarregadas e acabam por se focar nos casos mais óbvios”, conclui o artigo. Mesmo assim, nota, já houve processos criminais contra pais por abuso sexual das crianças, como o que terminou com a condenação de uma mãe do Texas a 32 anos de prisão pela publicação de fotos da sua filha de 8 anos nua.

Dados e infância: uma perspetiva de sharenting

Fevereiro 29, 2024 às 12:00 pm | Publicado em Estudos sobre a Criança | Deixe um comentário
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Texto de Francisca Porfírio e Ana Jorge publicado no CriA.On de 14 de junho de 2023.

Quer seja a dançar, a comer, a aprender ou a fazer um disparate típico da idade, atualmente as crianças estão no “palco” das redes sociais através de fotografias, vídeos, memes e outras formas de conteúdo. A internet veio alterar o modo como os pais contam histórias sobre as crianças: os anúncios de gravidez, as ecografias ou os chás de bebé são práticas recorrentes de sharenting, muitas vezes visíveis para um público alargado.

O que é o sharenting?

O fenómeno de partilha de informações online, por parte dos pais sobre os seus filhos, foi apelidado de sharenting, uma fusão dos termos ingleses sharing (compartilhar) e parenting (parentalidade). Esta noção relaciona-se ainda com a crescente centralidade da internet e das aplicações online para que adultos obtenham conselhos, calculem dados e padrões de saúde ou até mesmo monitorizem o paradeiro do seu bebé.

Estudos como este, sobre as motivações que conduzem os pais a partilhar as suas experiências de parentalidade, revelam que os adultos o fazem, muitas vezes, para receber apoio social. A partilha pode também contribuir para que os pais sintam que estão a desempenhar um bom papel, ajudando outros adultos na mesma situação. A criação de um “álbum digital” das crianças permite também a perpetuação de momentos da vida íntima dos mais novos.

Mas se um grande número de pais vê a partilha como algo positivo, outros evitam colocar conteúdos sobre os seus filhos online, pois entendem essa ausência digital da criança como uma forma de proteção. Adoptam assim uma posição de anti-sharenting.

Os media populares têm retratado os pais como “negligentes” por colocarem em risco a privacidade dos dados dos seus filhos. Contudo, académicos como Davide Cino referem que esta perspetiva é, no mínimo, simplista. Os pais encontram-se, assim, perante um paradoxo: por um lado, identificam benefícios em utilizar aplicações digitais ou em partilhar momentos íntimos das suas crianças; por outro, deparam-se com complexas questões de privacidade.

Os dados das crianças

De uma perspetiva mais materialista, o sharenting relaciona-se ainda com a multiplicidade de produtos IoT (Internet-of-Things) desenhados para crianças e adultos. Estes abarcam instrumentos de monitorização de dados biométricos, de saúde e padrões comportamentais (sono, alimentação, entre outros), objetos com reconhecimento de voz, brinquedos mecânicos controlados digitalmente e até aplicações que prometem ajudar os pais no exercício das suas tarefas, de uma maneira mais tranquila. 

Assim, seja através da publicação de um vídeo cómico sobre a criança ou da utilização de uma app ligada à câmara de vigilância que monitoriza o seu sono, os pais estão a contribuir para a dataficação da identidade dos seus filhos, “fornecendo” dados de natureza diversa.

Giovanna Mascheroni, especialista em sociologia dos media,  descreveu a dataficação como sendo o processo que transforma quase todos os aspetos da vida social em dados online, pela ação de tecnologias que permitem aos utilizadores produzirem dados sobre si e sobre os outros.

Quando os pais registam os hábitos de saúde das crianças, por exemplo, estão, na maior parte dos casos, sustenta Tama Leaver, a praticar um tipo de ‘vigilância íntima’, ou seja, um tipo de vigilância das crianças que é “bem-intencionado” e até percecionado como uma boa prática de cuidado.

Contudo, o processo de dataficação fez emergir o que a psicóloga Shoshana Zuboff  apelidou de “capitalismo de vigilância” – uma nova forma de capitalismo de informação que tem como finalidade prever e modificar o comportamento humano, como forma de produzir receitas e controlar o mercado.

Assim, devido ao facto de os registos nas aplicações, por exemplo, envolverem dados pessoais e comportamentais das crianças, estes são colhidos e armazenados em plataformas corporativas online, partilhados com terceiros e com valor de mercado. Em troca, os pais usufruem de serviços gratuitos e personalizados sobre a sua criança.

Na maioria dos casos, quer as ferramentas digitais para os pais quer plataformas educativas tendem a ignorar questões relacionadas com a privacidade e os direitos digitais da criança.

Como proteger os dados dos seus filhos?

A necessidade de proteger as crianças contra a publicação dos seus dados na internet é uma preocupação de pais, especialistas e académicos. Stacey Steinberg, professora de Direito da Universidade da Flórida, aponta sete recomendações que podem ajudar os pais a proteger os dados das suas crianças em matéria de sharenting. Com base nas mesmas, formulamos as seguintes recomendações:

  1. Os pais devem conhecer as políticas de uso e privacidade dos sites, redes e aplicações que utilizam;
  2. Os adultos devem configurar alertas que permitam rastrear em que lugares as informações sobre os seus filhos se encontram e monitorizar as respostas e as alterações de terceiros em relação aos conteúdos;
  3. Quando quiserem obter informações mais específicas ou esclarecer dúvidas em relação à criança devem apoiar-se em fóruns de ajuda;
  4. Os responsáveis pela criança devem evitar publicar fotografias de crianças nuas ou seminuas;
  5. Os pais devem evitar partilhar a localização da criança, não só nos conteúdos que publicam mas também em aplicações que utilizam para monitorizar o paradeiro da criança.
  6. Sempre que possível, os pais devem falar abertamente com a criança sobre aquilo que gostaria que fosse publicado sobre si, demonstrando respeito e ensinando-lhe a importância do consentimento e das boas práticas nas redes sociais.
  7. Os adultos devem sempre ter em consideração a salvaguarda do bem-estar imediato e futuro das crianças.

Por fim, também aqueles que “governam” as plataformas digitais têm responsabilidades. Desde logo, em tornar as suas políticas de uso e privacidade mais claras e legíveis, ao invés de extensas e pouco objetivas. Há ainda necessidade imediata de tornar mais clara qual a real utilização que as plataformas fazem dos dados das crianças.

Aumenta a divulgação de imagens íntimas e em idades precoces

Fevereiro 14, 2024 às 6:00 am | Publicado em O IAC na comunicação social | Deixe um comentário
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Noticia do Jornal de Notícias de 6 de fevereiro de 2024.

Adolescente condenado a prisão perpétua sem direito a liberdade condicional nos EUA

Janeiro 13, 2024 às 4:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia do Público de 9 de dezembro de 2023.

Juiz considerou o crime de Ethan Crumbley, na altura com 15 anos, um “verdadeiro acto de terrorismo”. Pais ignoraram alertas e ofereceram-lhe a pistola usada para matar quatro colegas da escola.

Europa Press e PÚBLICO

Ethan Crumbley, um adolescente acusado de matar a tiro quatro colegas da sua escola no estado norte-americano do Michigan em Novembro de 2021, foi sentenciado na sexta-feira a prisão perpétua sem direito a liberdade condicional.

Kwame Rowe, juiz do condado de Oakland, justificou a imposição da sentença máxima por considerar que se tratou de um “verdadeiro acto de terrorismo”, que resultou na morte de quatro alunos da Escola Secundária de Oxford: Hana St. Juliana, de 14 anos, Madisyn Baldwin, de 17, Tate Myre, de 16, e Justin Shilling, de 17.

O juiz salientou que o adolescente, que na altura do tiroteio tinha 15 anos, obrigou o seu colega Justin Shilling a ajoelhar-se antes de o matar. “Isso é uma execução: isso é tortura”, disse o juiz, de acordo com a NBC News.

Crumbley tornou-se no primeiro menor nos Estados Unidos a ser sentenciado a uma pena tão dura desde que o Supremo Tribunal norte-americano decidiu que dois menores condenados por assassínio quando tinham 14 anos não podiam ser sentenciados a pena perpétua sem direito a liberdade condicional.

“Realmente lamento o que fiz e o que lhes tirei. Não posso devolver-lhes [a vida], mas posso fazer todo o possível no futuro para ajudar outras pessoas e é isso que farei”, disse Crumbley antes de ser sentenciado, segundo a CNN.

A procuradoria do condado de Oakland assegurou que os pais do adolescente ignoraram “os sinais de alerta” e não agiram, apesar de conhecerem algumas das “preferências perturbadoras do seu filho, como torturar animais e ver vídeos de extrema violência”.

Os pais, que num primeiro momento foram declarados em fuga até à altura da sua detenção, ofereceram-lhe a pistola semiautomática com que o adolescente efectuou os disparos e ignoraram os avisos da escola sobre o comportamento errático do filho.

Em Março deste ano, numa decisão sem precedentes da justiça dos EUA, um tribunal de recurso do Michigan decidiu que James e Jennifer Crumbley podem ser julgados por homicídio involuntário.

“Quem quiser usar isto para o mal poderá mesmo fazê-lo”. Pais devem redobrar cuidado com fotografias dos filhos na internet, alertam especialistas

Setembro 30, 2023 às 4:00 pm | Publicado em A criança na comunicação social, Vídeos | Deixe um comentário
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Notícia da CNN Portugal de 9 de agosto de 2023.

Vídeo da notícia aqui

Manuela Micael

O mês de agosto é tradicionalmente o mês em que a maioria dos portugueses aproveita para gozar férias em família, e para quem tem filhos pequenos, as “férias grandes” são momentos que nunca se esquecem. Por isso, para os pais é uma tentação registar os momentos únicos e partilhá-los nas redes sociais.

A intenção até pode ser boa, mas há um lado obscuro da internet que não é possível controlar. É que tudo aquilo que publicamos faz parte da nossa pegada digital, e esta pode ser seguida por todos, incluindo pelas mentes mais perversas.

YouTube acusado de promover publicidade para adultos em vídeos para crianças

Setembro 16, 2023 às 4:00 pm | Publicado em Relatório | Deixe um comentário
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Notícia do maemequer de 23 de agosto de 2023.

POR   JÚLIA ROCHA

A empresa de análise de performance web Adalytics está a acusar o YouTube de transmitir publicidade e anúncios para adultos, em vídeos para crianças. Em 2019, o YouTube tinha-se comprometido a deixar de o fazer.

Publicidade para adultos, que mostram anúncios a veículos e cartões de crédito, só para dar alguns exemplos, está a ser transmitida em vídeos infantis, segundo um estudo realizado pela Adalytics. Em 2019, depois de uma ação imposta pelo governo norte-americano, a plataforma de vídeos tinha garantido que iam deixar de ser transmitidos anúncios de caráter adulto em conteúdos infantis. A Adalytics revela que “campanhas publicitárias personalizadas demográfica e comportamentalmente parecem contar com anúncios colocados em canais ‘feitos para crianças’ em julho de 2023”.

O principal problema com esta situação reside recolha de dados pessoais, tendo em conta que um utilizador que veja e clique neste tipo de anúncios é redirecionado para o site associado à campanha, onde a sua informação pessoal é recolhida. As crianças têm maior tendência para clicar em anúncios e usam frequentemente os dispositivos dos pais.

Segundo a Adalytics, algumas das maiores marcas, como a Amazon, Facebook, Microsoft, OpenX ou TikTok, estão a receber dados de utilizadores que veem vídeos de canais infantis e que clicam nos anúncios.

As acusações de que a Google (à qual o YouTube pertence) está a infringir a lei norte-americana da Proteção de Privacidade Online das Crianças, ou Children’s Online Privacy Protection Act (COPPA), já obteve resposta por parte da gigante tecnológica.

Um porta-voz da Google considerou o estudo “falível e enganoso”. “O relatório faz alegações completamente falsas e tira conclusões desinformadas com base apenas na presença de cookies, que são amplamente utilizados nesses contextos para fins de deteção de fraude e limite de frequência, ambos permitidos pela COPPA. As partes deste relatório que foram partilhadas connosco não identificaram um único exemplo em que estas políticas tenham sido violadas”, comentou o porta-voz.

Este relatório da Adalytics surgem depois de a Climate Action Against Disinformation (CAAD) já ter denunciado que o YouTube, alegadamente, está a lucrar com publicidade colocada em vídeos que contêm desinformação climática.

Are YouTube Advertisers Inadvertently Harvesting Data From Millions of Children?

Estes pais ganham dinheiro e viajam de graça com imagens dos filhos nas redes sociais. O que acontece nos bastidores?

Setembro 13, 2023 às 6:00 am | Publicado em A criança na comunicação social | Deixe um comentário
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Notícia da CNN Portugal de 19 de agosto de 2023.

Há famílias inteiras a viver de vídeos e fotografias dos filhos. Mas há problemas com isso. Incluindo usos de imagem, consentimento e partilha de receitas.

Estes miúdos têm férias de borla graças à fama no YouTube. Mas o que é que acontece nos bastidores?

Numa fotografia do Instagram, uma família de quatro pessoas – pai, mãe, irmão e irmã – posa em Nova Orleães, nos EUA, com colares de Carnaval de contas verdes e roxas.

Noutra imagem, o quarteto aperta-se no sofá de um hotel, enquanto a mãe e o pai bebem champanhe, todos a sorrir para a câmara.

Os Morrison podem parecer agentes secretos com vidas duplas – uma família suburbana do Arizona durante o dia, exploradores do mundo ao fim de semana.

Na Internet, são conhecidos como American Travel Family e os seus 11 mil subscritores do YouTube acompanham-nos nas suas visitas a destinos turísticos populares como Londres, a República Dominicana e a Disneylândia.

A imagem de entrada da página da “Família Americana das Viagens” no Youtube. 

No entanto, além dos comentários do tipo “estou com tanta inveja!” e “boa viagem!”, pode haver um lado mais sombrio em colocar a vida de adolescentes e crianças à disposição do público.

Um ajuste de contas digital

Chris McCarty, estudante universitário da Universidade de Washington, lançou uma campanha para mudar de forma permanente a forma como as crianças são compensadas pelas suas aparições nas contas das redes sociais e nos vlogs dos pais.

McCarty, que usa os pronomes eles/elas, foi estimulado a agir pela controvérsia que surgiu quando Myka Stauffer, uma blogger de parentalidade, anunciou que tinha colocado o seu filho adotado com necessidades especiais numa família diferente depois de o rapaz ter aparecido nas suas redes sociais.

Em 2022, McCarty iniciou uma campanha intitulada Quit Clicking Kids, destinada a impedir que as pessoas utilizem crianças nas redes sociais para obterem ganhos monetários.

Até à data, o trabalho de McCarty tem-se centrado em pais bloguers como Stauffer, cujas presenças online se baseiam na educação dos seus filhos. McCarty acredita que as crianças merecem privacidade e uma palavra a dizer sobre a forma como são retratadas online, especialmente aquelas que são demasiado jovens para dar consentimento.

No entanto, não são apenas os canais dedicados à parentalidade e à família que apresentam crianças em frente à câmara.

Os relatos de viagens em família abundam na Internet. Há famílias “worldschooling” que educam os seus filhos em viagem, famílias que viajam pelos EUA numa caravana e partilham as suas dicas sobre como fazer o mesmo, e famílias que avaliam hotéis e estâncias.

Os criadores de conteúdos mais populares podem facilmente ganhar somas com seis ou sete dígitos por ano com receitas de publicidade e parcerias com marcas.

Mas como é que esse dinheiro deve ser atribuído?  Se as crianças ajudam – passiva ou ativamente – a criar conteúdos que dão dinheiro, será que merecem uma parte das receitas?

A indústria cinematográfica e televisiva já fez um balanço sobre estas questões.

A Lei Coogan tem o nome da famosa estrela infantil dos anos 1920 Jackie Coogan, cujos pais esbanjaram a sua fortuna. Agora, os atores infantis no estado da Califórnia devem ter 15% de seus ganhos depositados numa conta fiduciária à qual seus pais ou responsáveis não podem ter acesso.

McCarty acredita que deveria haver uma nova lei ao estilo da Lei Coogan para as crianças que aparecem em vídeos online e contas nas redes sociais.

“Em primeiro lugar, as crianças atores não estão a representar a sua vida real. Por isso, apesar de, em muitos casos, ser ator infantil ser muito intensivo, especialmente dependendo da dimensão do papel, não é a sua informação pessoal que está a ser partilhada”, diz McCarty. “Enquanto nestes casos de vloggers familiares, normalmente são detalhes muito íntimos e pessoais que são partilhados com um vasto público e monetizados”.

E acrescentam: “Há todo o tipo de formas de contornar os regulamentos e, claro, para as crianças em canais de vlogging familiares, nem sequer há regulamentos para contornar”.

Mesmo que os Estados Unidos aprovassem leis, estas poderiam não se aplicar às famílias viajantes, que não têm morada fixa ou criam os seus conteúdos noutros países.

Em maio de 2023, o gabinete do Cirurgião-Geral dos EUA [o “médico” da nação, comparável em Portugal ao Diretor-Geral da Saúde] emitiu um aviso sobre as redes sociais e a saúde mental das crianças.

“Há cada vez mais provas de que a utilização das redes sociais está associada a danos na saúde mental dos jovens”, afirmou Vivek Murthy, cirurgião-geral dos EUA, na declaração.

“As crianças estão expostas a conteúdos nocivos nas redes sociais, que vão desde conteúdos violentos e sexuais a intimidação e assédio. E para demasiadas crianças, a utilização das redes sociais está a comprometer o seu sono e o valioso tempo que passam pessoalmente com a família e os amigos. Estamos a meio de uma crise nacional de saúde mental dos jovens e preocupa-me que as redes sociais sejam um importante motor dessa crise – uma crise que temos de resolver urgentemente.”

Stacey Steinberg, directora do Centro para Crianças e Famílias da Faculdade de Direito Levin da Universidade da Flórida, nos EUA, define as razões pelas quais as pessoas partilham fotografias de crianças online.

“A maioria dos pais partilha para obter capital social, para construir uma comunidade ou para se manter em contacto com a família e os amigos que vivem longe, ao passo que as famílias que são influenciadoras estão a ganhar não só capital social, mas também capital financeiro”, afirma.

A autora salienta que existem limitações em legislações como a Lei Coogan – por um lado, só se aplicam em alguns estados dos EUA e não abrangem todas as razões pelas quais as crianças podem trabalhar.

“Muitas das leis do nosso país que regem o trabalho infantil prevêem excepções para as crianças que trabalham para os pais. Assim, por exemplo, se os meus filhos trabalhassem na minha quinta, as leis seriam muito diferentes do que se trabalhassem na quinta ao fundo da rua. E isso deve-se ao facto de os Estados Unidos terem uma forte base de autonomia parental. Temos uma forte história de pais capazes de decidir o que é melhor para os seus filhos”.

Assim, as crianças que brincam no canal da família no YouTube podem ser o equivalente contemporâneo às crianças que faziam tarefas na quinta há um século ou dois.

A diferença, porém, é que estranhos de todo o mundo não podiam ver um miúdo a ordenhar uma vaca – ou a transformá-la num meme.

“Há um grande salto entre a Lei Coogan e a regulamentação dos pais influenciadores, não só porque se está a avançar para o espaço da Internet, mas porque se está a tentar regulamentar o dinheiro que uma criança ganha como parte de um negócio familiar. E a Lei Coogan não se aplica nessas situações”, acrescenta Steinberg.

Empoderamento ou abuso?

A mãe Brooke Morrison é a principal vlogger da família e responsável pelas redes sociais da American Travel Family, que iniciou em 2020, quando o seu filho Parker tinha 13 anos e a filha McKenzie 10.

Morrison diz que ela e o marido colocam 15% dos seus ganhos online em contas fiduciárias para os seus filhos. Agora, porém, a sua filha tem manifestado interesse em atuar e aparecer mais nas câmaras. Diz que, se McKenzie fizer um vídeo para o Instagram ou o TikTok que não seja uma peça programada e editada, envia à filha alguns dólares através do Apple Pay.

Segundo ela, devem existir limites rígidos em relação às coisas que os pais partilham online sobre os seus filhos. “Sinto que nem todas as famílias têm as intenções que nós temos”, afirma. “Alguns pais vêem estrelas nos seus olhos e utilizam os filhos para subir na vida como fonte de rendimento.”

Caz Makepeace, que gere o Y Travel Blog com o marido Craig, diz que utilizou o canal da família no YouTube para ensinar as duas filhas a gerir um negócio.

Entrada da página Y Travel, da família Makepeace.

“Pagamos às nossas filhas e utilizo-o como uma lição para elas”, afirma. “Faço com que elas negoceiem comigo. Elas detestam que eu faça isso, mas eu digo-lhes: ‘Bem, se não defenderes o teu valor, mais ninguém o fará, por isso começa a aprender agora’.”

Makepeace admite que, à medida que as suas filhas ficam mais velhas, ficam menos interessadas em aparecer nas câmaras, a menos que haja um incentivo financeiro. “Quer dizer, é a vida real, não é? Ninguém quer trabalhar e não ser recompensado por isso.”

Ela e o marido começaram a fazer mais viagens sozinhos – para dar aos filhos uma pausa na criação de conteúdos, mas também para diversificar os seus vídeos e chegar a públicos diferentes.

Ainda assim, ninguém consegue compreender verdadeiramente outra pessoa simplesmente por ver a sua presença online.

O caso de Machelle Hobson serve de exemplo. A mãe de sete filhos tinha um canal de sucesso no YouTube chamado Fantastic Adventures, onde os seus filhos se vestiam de super-heróis e jogavam jogos.

No entanto, a versão fora do ecrã da vida dos filhos de Hobson não era nada parecida com a que era retratada nos vídeos.

Em 2019, Hobson foi presa e acusada de duas acusações de molestamento de uma criança, sete acusações de abuso infantil, cinco acusações de negligência infantil e cinco acusações de prisão ilegal.

Segundo a polícia, as crianças eram espancadas e castigadas se não quisessem aparecer nas câmaras ou se não se lembrassem das suas “falas”.

Antes de as suas contas nas redes sociais serem encerradas, Hobson ganhava entre 106 800 e 1,7 milhões de dólares por ano (entre quase cem mil e 1,6 milhões de euros).

Novos regulamentos para um novo modo de vida

McCarty acredita que alterar as coisas a nível estatal é a forma mais rápida de fazer mudanças em tempo real na indústria de criação de conteúdos.

A 11 de agosto, o Illinois tornou-se o primeiro estado dos EUA a aprovar um projeto de lei deste tipo. A lei estabelece que se um menor aparecer em pelo menos 30% do vídeo gerador de receitas de um influenciador durante um período de 30 dias, o menor tem direito a uma parte das receitas. Essa receita deve ser depositada numa conta fiduciária a que o menor possa aceder depois dos 18 anos.

Para alguns ativistas, no entanto, os regulamentos actuais não vão suficientemente longe.

Por exemplo, o Facebook e o Instagram exigem que os utilizadores tenham pelo menos 13 anos de idade. No entanto, isso não impede os pais e outros adultos de mostrarem crianças e bebés nas suas próprias contas.

E mesmo que uma criança diga que não se importa que algo seja partilhado online, não pode controlar a forma como as outras pessoas reutilizam e respondem a esse conteúdo.

Anos mais tarde, quando se candidatam à universidade ou a um emprego, a primeira coisa que aparece com o seu nome no Google pode ser um artigo crítico ou uma fotografia embaraçosa. Uma vez tocada a campainha, parece impossível de desatar o problema.

Para pais como Makepeace e Morrison, os prós dos vlogs de viagens em família – férias gratuitas, dinheiro de marcas e patrocinadores, visitas guiadas especiais e acesso a atracções famosas – superam os negativos.

No caso dos Makepeace, que são da Austrália, os vlogs de viagens até proporcionaram um caminho para a cidadania americana. No final do dia, insiste Caz, eles são uma família que viaja muito e que, por acaso, teve a sorte de ganhar a vida com isso.

“Conseguimos ter este incrível estilo de vida de viagem juntos”, diz ela, “e criar estas memórias fantásticas”.

ADENDA

Direitos do trabalho infantil nos Estados Unidos, da fábrica à Internet: Uma linha do tempo:

1904
É fundado o National Child Labor Committee, com o objetivo de acabar com o trabalho infantil. É uma resposta ao censo de 1900, que revelou que cerca de dois milhões de crianças trabalham em moinhos, minas, campos, fábricas, lojas e nas ruas das cidades dos Estados Unidos.

1916
É aprovada a primeira lei sobre trabalho infantil – a Lei Keating-Owen – que proíbe a venda interestadual de qualquer artigo produzido com trabalho infantil e regulamenta o número de horas que uma criança pode trabalhar.

1918
A Lei Keating-Owen é revogada pelo Supremo Tribunal dos EUA, que considera que a lei ultrapassa o objetivo dos poderes do governo para regular o comércio interestatal.

1938
É aprovada, e assinada pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt, a Fair Labor Standards Act, lei de standards de trabalho justo .

1939
Criação da California Child Ator’s Bill (também conhecida por Lei Coogan), que impede os pais de terem acesso total aos rendimentos dos filhos. Não é lei em todos os estados dos EUA.

1989
Adoão pela ONU da Convenção sobre os Direitos da Criança, segundo a qual “as crianças devem poder crescer, aprender, brincar, desenvolver-se e florescer com dignidade”.

1998
Aprovação do Children’s Online Privacy Protection Act (COPPA), o que significa que há limites para a recolha de dados online das crianças.

2003
O estado de Nova Iorque aprova a Lei de Educação e Fideicomisso dos Artistas Infantis, que regula o número de horas por semana que uma criança pode trabalhar e exige que parte do seu rendimento seja depositado numa conta fiduciária, entre outras coisas.

2004
É criado o Facebook.

2005
Lançamento do YouTube.

2010
Lançamento do Instagram.

2023
O Illinois aprova uma lei que estabelece que se um menor aparecer em pelo menos 30% do vídeo gerador de receitas de um vlogger durante um período de 30 dias, o menor tem direito a uma parte das receitas, que será colocada numa conta fiduciária.

Fontes: Arquivos Nacionais, Departamento do Trabalho dos EUA, Screen Actors Guild, Comissão Federal do Comércio, Departamento do Trabalho de Nova Iorque, ACNUDH, Assembleia Legislativa do Estado de Washington e Assembleia Geral de Illinois.

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